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Quando o outsider entrou no STF
(Supremo Tribunal Federal), os senhores formais aceitaram com superior
condescendência. O outsider tinha currículo, falava várias línguas,
desenvolvera teses importantes sobre inclusão.
Mas era outsider. Não vinha de
família de juristas, gostava do ambiente informal dos botecos, era de
pouquíssimos amigos e nunca fez média na vida.
Conquistou tudo na porrada,
dependendo dele e só dele.
Tinha tudo para entrar para a
história, derrubando conchavos, despindo o formalismo e a hipocrisia de muitas
togas, subvertendo formas de ver o mundo, trazendo para o Supremo os ares da
contemporaneidade e a marca altiva de sua cor e dos que conquistaram tudo sem
nunca ceder.
Mas faltava-lhe algo, uma peça
qualquer no sistema emocional, que o tornou uma espécie de Mike Tyson com toga,
uma força gigantesca e incontrolável assombrada por mil demônios internos que o
impediram definitivamente de se tornar um grande.
O que moldou esse lado emocional
tosco, rude, cruel, não se sabe. As intempéries da vida costumam construir
grandes caráteres; mas também modelam a crueldade, a vingança permanente contra
tudo e todos que ousem se interpor no caminho.
Foi o caso de Joaquim Barbosa.
Seu mundo tornou-se uma ilha
pequena, restrita, cercada por um oceano infestado de tubarões querendo
prejudica-lo, cada gesto contrário visto como ameaça ao que ele conquistou.
Cada julgamento tornava-se uma
guerra a ser vencida a qualquer preço, até com a sonegação de provas, se
necessário. O tribunal era a arena povoada de gladiadores sangrentos aguardando
o polegar para baixo do público para a degola final dos inimigos. E todos eram
inimigos, o réu a ser condenado, o colega que ousasse discordar de qualquer
posição, o advogado que rebatesse seus argumentos, o jornalista que o
criticasse.
O ódio como seiva vital
Em poucas pessoas vi ódio tão
acendrado, a raiva como motor de todas as atitudes, um egocentrismo tão
exacerbado a ponto de tratar qualquer voz dissidente como um inimigo a ser
aniquilado.
Talvez em José Serra, que, em
todo caso, sempre foi suficientemente esperto para agir através de terceiros.
Joaquim Barbosa nunca usou as
armas da hipocrisia, a malícia das jogadas. Como Tyson, sempre saía de peito
aberto distribuindo porradas pelo mundo. O que o movia não era a desonestidade,
a vontade do poder, a busca da
popularidade, sim, mas, acima de tudo, dar vazão ao ódio, sempre o ódio como seiva
vital.
E esse bruto – na definição mais
ampla do termo –foi transformado em campeão branco da mídia na disputa
política. Emocionalmente tosco, embarcou no jogo de lisonjas, do “menino que
mudou o Brasil”.
Por um tempo, exercitou o duplo
jogo de quem se formou nas guerras da vida e na formalidade de um poder
hierárquico. Enfrentava o mundo jurídico intimidando mentes formais com a
truculência desmedida das discussões de rua e de botecos; e se impunha junto
aos amigos de praia com a condescendência dos que subiram na vida mas não
esqueceram as origens.
Acima de tudo, contava com o
beneplácito da mídia, que ele conquistou sem pedir mas que lhe proporcionou ser
ouvido pelas ruas.
Com tal poder, passou a quebrar
dogmas, mas da pior forma possível, atropelando direitos, sendo agressivo até o
limite da boçalidade em um ambiente eminentemente formal.
Os juristas que domaram a besta
Coube a dois juristas de extrema
afabilidade desmontar a besta.
Um deles, Celso Antônio Bandeira
de Mello, o doce Bandeira, unanimidade no mundo jurídico por sua firmeza
cortez, pespegou-lhe na testa a definição definitiva: “É um homem mau”.
Outro, Luiz Roberto Barroso, o
homem dos salões cariocas, o iluminista que, ainda como advogado, arejou o
Supremo com a defesa de teses contemporâneas, ao reagir à agressividade
inaudita de Joaquim, sem perder a calma e sem perder a firmeza.
E aí, começaram a desmoronar as
estratégias emocionais de Joaquim Barbosa, para enfrentar os rapapés do mundo
jurídico e a rudeza dos botecos.
No mundo juridico, a truculência
deixou de intimidar, Pelo contrário, passou a ser tratada com uma impaciência
cada vez maior de seus pares. No mundo dos bares, em lugar de só aplausos,
passou a ser perseguido por vaias.
Aos poucos, os grupos de mídia
perceberam que Barbosa tornara-se uma carga inútil, pesada, a vitrine onde
estava exposta a parcialidade do julgamento da AP 470. Com sua irracionalidade,
estava transformando os réus da ação em vítimas da arbitrariedade mais
ostensiva.
No Supremo, sua única influência
era sobre Luiz Fux.
Restava-lhe o apoio da malta,
aquela parcela mais desinformada da sociedade, que aplaude linchamentos, que
defende a lei de Talião, que se regozija com qualquer bode expiatório. E, no
contraponto, as vaias da selvageria que despertou no lado oposto.
Dos dois lados do balcão, o homem
mau só conseguia trazer à tona os piores sentimentos dos admiradores e dos
críticos.
A cena final
Quanto mais se isolava, mais
Joaquim Barbosa radicalizava as arbitrariedades.
Ganhou alguma sobrevida graças a
mudanças nos procedimentos do STF que impediam impetrar habeas corpus contra
decisões do presidente da casa, uma iniciativa do ex-presidente César Peluso
supondo que jamais a presidência seria ocupada por uma pessoa desajustada.
As arbitrariedades foram tão
ostensivas que um gesto totalmente fora das regras – do advogado de José
Genoíno, invadindo uma sessão do STF para questiona-lo – não mereceu uma
condenação sequer dos Ministros da casa. Pelo contrário, estimulou a defesa de
Marco Aurélio de Mello, porque sabendo ser ato de absoluto desespero, de quem
via leis e procedimentos jurídicos atropelados pela insanidade de um julgador.
E aí o poderoso, o imbatível
Joaquim Barbosa pediu aposentadoria e, ontem, se afastou da AP 470 procurando
se vitimizar, dizendo-se alvo de manifestos políticos e de ameaças do advogado.
Sai no momento em que o STF iria
colocar um fim em suas arbitrariedades.
Do Jornal Nacional mereceu uma
nota seca, que surpreendentemente terminou com uma frase do advogado que o
enfrentou: “Agora, o Supremo poderá voltar a julgar com imparcialidade”. De
seus pares, não mereceu nada, nenhuma saudação. Talvez na última sessão seja
agraciado com os elogios aliviados de algum colega seguidor das formalidades do
STF.
Saindo, passa uma enorme sensação
de desperdício. Desperdício em relação ao que poderia ter sido na renovação do
STF, na afirmação da diversidade racial, na consagração do esforço individual.
Fica apenas a imagem de um homem
mau e sem grandeza, que nem na hora da saída mira a história: seu objetivo
final é se vingar de um advogado que
ousou enfrentar a sua ira.
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