O jornal abraça um discurso medieval, retomando um debate que já foi superado inclusive no âmbito de organismos como a ONU e o Banco Mundial.
Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior
O jornal Estado de São Paulo abriu guerra contra a Política
Nacional de Participação Social, anunciada no final de maio pela presidenta
Dilma Rousseff. Há dias, o jornal vem bombardeando a proposta, afirmando que a “instituição de conselhos populares abriria o risco de criação de um poder político paralelo” no país. O Estadão recorreu a juristas afinados com sua tese
para reforçar esses ataques: “A lista de críticos inclui o ministro do STF
Gilmar Mendes, que chama o decreto de autoritário, e o ex-ministro da Corte
Carlos Velloso, que vê na iniciativa uma coisa bolivariana, com aparência de
legalidade”, afirma matéria publicada no último sábado. As críticas do jornal
beiram o ridículo ao sugerir que Dilma estaria criando espécies de soviets para
acabar com o Parlamento.
O jornal de São Paulo abraça um discurso medieval, retomando
um debate que já foi superado inclusive no âmbito de organismos internacionais
como o Banco Mundial e a própria Organização das Nações Unidas (ONU). Esse
debate ocorreu aqui no Rio Grande do Sul no final dos anos 80, quando o governo
Olívio Dutra instituiu o Orçamento Participativo em Porto Alegre. Os mesmos
argumentos requentados agora pelo Estadão como se fossem uma grande novidade,
foram utilizados na época pelos adversários da ideia de democracia
participativa, como se ela fosse acabar com a atividade parlamentar. O
Orçamento Participativo cresceu, se expandiu para outras cidades, foi
implementado em nível estadual, sem que isso significasse o fim de câmaras de
vereadores ou assembleias legislativas.
Hoje o Rio Grande do Sul tem um sistema de participação que
combina conselhos, participação direta e digital, sem que isso tenha provocado
o menor arranhão na democracia representativa. Pelo contrário, ajuda a
qualificar o sistema democrático como um todo que atravessa um período de forte
crítica na sociedade. Essas práticas de democracia participativa vêm recebendo
nos últimos anos sucessivos prêmios de órgãos como ONU e Banco Mundial. O
reacionarismo atávico do Estadão parece não conhecer limites, ao retomar um
debate completamente superado no muno, ou seja, a combinação da representação
com a democracia direta, sem qualquer prejuízo para a primeira. O que não
parece superado é a aversão ideológica inesgotável do jornal paulista à qualquer
coisa que signifique ampliação e qualificação da democracia. O cheiro da
naftalina retirada das gavetas que apoiaram o golpe de 64 impregna os textos
publicados agora contra a Política Nacional de Participação Social.
A aversão é tanta que não suporta sequer pequenos avanços
neste terreno. Não é por acaso que a Reforma Política não avança no Congresso
Nacional. As mesmas vozes e os mesmos argumentos que se erguem agora contra a
proposta de Dilma, se manifestaram quando a presidenta apresentou, no ano
passado, a proposta de realização de um plebiscito e de uma Assembleia Nacional
Constituinte Exclusiva para fazer a Reforma Política. A manutenção do atual
modelo de democracia no Brasil parece ser vital para que o conservadorismo
representado pelo Estadão continue desfrutando de privilégios dos quais não
quer abrir mão, entre eles, a concentração da propriedade dos meios de
comunicação e dos recursos destinados a esse setor.
Defensor da Política Nacional de Participação Social,
apresentada por Dilma Rousseff, e da convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte exclusiva para a Reforma Política, o governador do Rio Grande do
Sul, Tarso Genro, dispara contra o que chama de reacionarismo e elitismo do
Estadão:
"Está faltando para os juristas do Estadão ler a
Constituição Federal e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, pois ali tem
dispositivos legais claros, incentivando
a participação direta da comunidade na gestão dos negócios públicos. Às vezes o
reacionarismo e o elitismo ofuscam o brilho de autores de grossos tratados
sobre a democracia sem povo, que sempre consagraram a democracia como
instrumento de dominação, não como processo vivo de promoção de Justiça e de
combate às desigualdades sociais brutais que permeiam a nossa história".
A Unesco deve ser considerada pelo Estadão como uma perigosa
organização comunista pois defende que é necessário reforçar práticas
democráticas de construção coletiva como condição para construção de uma nova
ordem social mundial. O organismo da ONU defende, há anos, propostas como: o
fortalecimento da participação de movimentos sociais e outras organizações da
sociedade civil no processo de tomada de decisões em nível de Estado e de
governos; a criação de novas instâncias de regulação em nível nacional e
internacional para fortalecer o controle e a participação da sociedade no
Estado; abertura de espaços para atores não-estatais como forma de criar uma
governança do sistema mundial baseada em princípios democráticos. São estes
princípios que orientam a proposta apresentada agora pelo governo brasileiro e
é contra isso que o Estadão e outras empresas de comunicação se levantam com
seus juristas e intelectuais de plantão.
A ideologia conservadora e autoritária defendida pelo
Estadão é, de fato, o maior obstáculo ao avanço da democracia no Brasil e a
maior ameaça de retrocesso em relação ao ponto em que nos encontramos hoje.
Essa ideologia promove diariamente a criminalização da política e dos políticos
e combate incessantemente qualquer proposta de avanço democrático que melhore a
qualidade da política praticada hoje no país. Essa combinação é o que há de
mais nocivo para a democracia hoje no Brasil.
Créditos da foto: Arquivo
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