Para Wilson Cano, docente da Unicamp, a indústria brasileira
perdeu competitividade com a adoção da política neoliberal a partir dos anos
1990.
Caio Zinet - http://cartamaior.com.br/
O Brasil cresce mal desde meados dos anos 1980, a avaliação
é do professor do Instituto de Economia da Unicamp, Wilson Cano. Para o
docente, a indústria de transformação perdeu peso na composição da riqueza do
país nos últimos 30 anos em decorrência da crise anos 1980 e da adoção de
políticas neoliberais que diminuíram a autonomia do Estado brasileiro no manejo
da política econômica.
“A crise dos anos 1980 pegou pesado o Brasil porque perdemos
o rumo da história e deixamos de pensar no longo prazo. A crise fiscal e
financeira do Estado foi de tal profundidade que nos desestruturou fiscal e
financeiramente. Nossa crise tem mais de 30 anos, não é uma crise que começou
há 2 ou 3 trimestres. É uma crise estrutural que nos fez chegar no ponto em que
estamos”, afirmou o professor durante debate organizado pelo Centro Acadêmico
Visconde de Cairu na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
USP (FEA).
Durante a década de 1980, os Estados Unidos elevaram a taxa
de juros dos seus títulos de dívida pública. A maior taxa de retorno garantida
pelo governo americano atraiu a atenção de diversos investidores no mundo que
deixaram de alocar seus recursos em outros países.
Como efeito, a taxa de câmbio brasileira se apreciou, o que
diminuiu a capacidade de competição das exportações da indústria. Paralelamente
a esse processo, o neoliberalismo se tornou uma política hegemônica no mundo
com a desregulamentação do mercado financeiro, a abertura comercial das economias
nacionais e as privatizações de empresas públicas.
“Nos anos 1990 nós tivemos a introdução do regime de
política econômica neoliberal no Brasil que teve um resultado desastroso.
Queimamos entre 1995 e 2001, a bagatela de US$ 200 bilhões nas nossas contas
externas o que mais que dobrou a nossa dívida externa. Crescemos um pouco mais
do que nos anos 1980, contudo, os nossos indicadores macroeconômicos atingiram
níveis cruéis principalmente porque afetaram uma coisa absolutamente
fundamental na economia, em especial no capitalismo, que é a taxa de
investimento e nós de lá para cá não recuperamos os nossos níveis de investimento
médio”, afirmou Cano.
Como parte da política neoliberal, o Brasil assinou uma
série de compromissos internacionais que para o Cano tiraram a autonomia do
país em manejar sua taxa de juros e de câmbio, fatores essenciais para garantir
a competitividade e o desenvolvimento da indústria nacional.
“O Brasil pode crescer mais? Eu diria que não se nos
mantivermos atados a essa circunstância estrutural da ordem neoliberal.
Simplesmente porque o país não tem como manejar a política de comércio exterior
porque assinou acordos e termos com a Organização Mundial do Comércio (OMC),
com Basileia, e prometeu manter a taxa de juros dita necessária”, afirmou.
“Diante desses compromissos é impossível a qualquer
dirigente nacional formular um plano nacional de desenvolvimento econômico.
Eles serão um grande embusteio se disserem que mantidas essas condições
externas e internas vão poder manipular a taxa de investimento e fazer com que
a economia volte a crescer a taxas elevadas porque não pode. Não pode porque o
Estado não controla nem a taxa de juros, nem o câmbio”, completou o docente da
Unicamp.
Para o professor, os governos petistas adotaram políticas
importantes e “corajosas” de combate à desigualdade tais como o bolsa família e
a politica de valorização do salário mínimo. Apesar disso, a economia continuou
a ser regida pelos cânones do neoliberalismo.
“Tivemos uma série de outras atitudes de ampliação de
direitos sociais, tivemos mais fiscalização do Ministério do Trabalho que é
responsável por um pedaço do aumento da formalização do emprego. Mas nos
mantivemos dentro dos cânones centrais da ordem neoliberal: abertura comercial
e a desregulamentação financeira. Essas são as duas questões chaves da política
macroeconômica neoliberal”, concluiu Cano.
Indústria
A indústria brasileira foi a que mais sentiu os impactos das
políticas neoliberais adotadas nos últimos 30 anos isso porque um dos
principais efeitos dessa política foi a apreciação da moeda brasileira ante o
dólar norte-americano.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) apontam que a participação da indústria de transformação no PIB cresceu
vertiginosamente entre 1947 e 1985 saltando de 11,8% para 27,2%.
Nos últimos 30 anos, entretanto, a indústria de
transformação perdeu significativamente sua importância para a economia
brasileira voltando quase ao patamar de 1947. Atualmente o setor responde por
apenas 13% da riqueza gerada no país.
Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), José Luis Oreiro, a apreciação cambial é o principal fator que explica
a queda da importância da indústria para a economia brasileira. Isso porque uma
moeda local forte torna as exportações menos competitivas e permite a entrada
de importados a um preço mais barato.
Ele chama atenção para o fato do crescimento da demanda por
produtos nos últimos anos ter sido atendida em grande medida por indústrias de
outros países em um processo que ele chama de “substituição de importação às
avessas”.
“De 2006 a 2013, o coeficiente de penetração das importações
passa de cerca de 13% para quase 22% no último trimestre de 2013. Isso nos
mostra que ocorreu no Brasil uma espécie de substituição de importações às
avessas, ou seja, estamos substituindo produção doméstica por importações”,
afirmou.
Para o professor Wilson Cano, a perda de importância da
indústria no PIB nacional é preocupante porque o segmento é um importante
dinamizador de outros setores porque gera um progresso técnico que pode ser
apropriado por outros segmentos da sociedade.
“Na história do mundo só se desenvolveram países que tiveram
dois propósitos fundamentais. Primeiro fazer uma profunda transformação do
Estado nacional e através dessa transformação conduzir a política econômica no
rumo do desenvolvimento. A segunda questão é que esse desenvolvimento quase que
se pode traduzir em industrialização porque o progresso técnico está na
indústria e não em serviços ou em agricultura”, afirmou.
Para ele, o desenvolvimento da indústria tem impactos
diretos sobre os outros setores porque a tecnologia desenvolvida pela e para a
indústria acaba sendo utilizado por outros setores como serviços e agricultura.
“A introjeção de progresso técnico na indústria não tem como
beneficiário único e exclusivo a indústria, pelo contrário. Foi pela
industrialização que a Inglaterra no século XIX pode modernizar toda a sua
agricultura mecanizando o campo graça aos avanços que houve no processo de industrialização”,
analisou Cano.
Estado desestruturado
Para o professor de economia da FEA-USP, Roberto Vermulm, a
recuperação da indústria passa pela adoção de uma série de medidas macroeconômicas,
mas também de políticas micro voltadas para atender segmentos específicos da
indústria priorizando o desenvolvimento de setores com mais tecnologia.
“Toda política industrial é por definição setorial porque os
padrões de concorrência, de desenvolvimento tecnológico são diferenciados. A
política industrial não pode ser a mesma para todos os setores e mais do que
isso ela também tem hierarquia. Existem setores mais importantes que outros.
Não vou dizer que uma indústria eletrônica tenha a mesma importância numa
política de desenvolvimento do que uma que é receptora de progresso técnico
como a têxtil”, afirmou.
O docente acredita que o Estado tem um papel crucial para
fazer a indústria recuperar sua força. Ele, entretanto, não está otimista
porque acredita que o desmonte do Estado promovido ao longo dos últimos 30 anos
tirou parte da capacidade de atuação.
“A minha visão é pessimista porque existem desasjustes de
natureza macro, que é condição necessária, mas não suficiente para retomada do
desenvolvimento industrial. Nesse momento o estado seria fundamental, mas ele
não está preparado, o Estado está desestruturado. Repensar o futuro implica em
um reposicionamento político e institucional”, afirmou.
Créditos da foto:
Unicamp
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