Em um ano, 10.117 ONGs perderam
registro e 34 organizações tiveram contas bloqueadas; 69 foram proibidas de
receber fundos do exterior
Luis A. Gómez / http://operamundi.uol.com.br/
O primeiro sinal foi dado 12
meses atrás pelo diretor-adjunto do Escritório de Inteligência da Polícia, Safi
A Rizvi, que tirou o pó de um relatório sobre as atividades de algumas ONGs de
defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. Reescrevendo novamente e
atualizando nomes e datas, Rizvi elaborou um documento em 3 de junho de 2014,
“analisando” um cenário político que dizia que “ONGs com financiamento externo
servem de ferramentas aos interesses de política exterior dos governos
ocidentais” ao lutar contra projetos de energia nuclear, mineração (sobretudo
de carvão) e do plantio de organismos geneticamente modificados.
Finalmente, Rizvi acrescentou ao
relatório uma lista negra com nomes e referências. Ele foi recebido pelo
primeiro-ministro Narendra Modi e por alguns membros de seu gabinete. Estavam
no documento nomes de ativistas respeitados e algumas ONGs conhecidas, como o
Greenpeace, a Anistia Internacional e a ActionAid, assim como os movimentos
contra as represas no rio Narmada e contra a planta nuclear de Koodankulam,
entre outros.
Em um ano, 10.117 ONGs perderam
seu registro e 34 organizações tiveram suas contas congeladas. Outras 69
instituições foram proibidas de receber fundos do exterior e o governo reportou
ter feito 155 inspeções e auditorias nesse período.
Greenpeace
O governo congelou as contas do
Greenpeace, que recebia fundos externos. E não aconteceu muito mais: o
diretor-executivo, Samit Aich, explicou, então, que 90% dos fundos da ONG na
Índia são locais e, por isso, ela não sofreria muito com essa ação executiva.
De toda forma, o Greenpeace obteve uma decisão da Corte Suprema de Délhi
ordenando descongelar suas contas em novembro do ano passado, mas o governo
apelou e não desembolsou o dinheiro.
Então, no último dia 11 de
janeiro, a polícia migratória no aeroporto de Délhi impediu a ativista Priya
Pillai de viajar para Londres. Ela tinha previsto se encontrar com legisladores
britânicos para expor os efeitos nocivos da mineração e de outras empresas
extrativistas na Índia.
No parlamento, os legisladores do
partido governista BJP (Bharatiya Jana Party) começaram também a anunciar as
iniciativas para modificar todas as leis que dificultavam o investimento
estrangeiro direto em recursos naturais. Apresentaram um projeto para eliminar,
entre outras coisas, a consulta direta a povos indígenas para a expropriação de
terras ou para dar início a projetos industriais em seus territórios. Até
agora, não tiveram êxito.
Por outro lado, em diversas
regiões do centro e do leste da Índia, o governo entregou campos para
experimentar e desenvolver sementes geneticamente modificadas para o mercado
local. Modi e seu gabinete esperam poder abrir o mercado interno aos produtos
geneticamente modificados a partir do inverno (que começa em novembro no país).
Suas políticas começaram a ser efetivas
contra as ONGs. Outra vez, a primeira vítima foi o Greenpeace Índia: todas as
suas contas foram congeladas por ordem do ministro de governo. Samit Aich
explicou, em uma coletiva de imprensa no último dia 21 de maio, que a
organização deveria fechar suas operações no mês de junho. Mas os 229
empregados da ONG se comprometeram a trabalhar sem salário por um mês,
esperando que o conflito seja resolvido.
Ajuste de contas?
No começo de maio, o governo
continuou seus ataques financeiros. A Fundação Bill e Melina Gates passou a ser
investigada e, além dela, uma das maiores e mais conhecidas ONGs do planeta: a
Fundação Ford. O governo de Narendra Modi exigiu que, de agora em diante, todo
financiamento para o escritório local da fundação fosse primeiro aprovado pelo
ministro do Interior, Rajnath Singh.
Segundo o governo hindu, os
fundos da Fundação Ford serviram para financiar ilegalmente um partido político
e, além disso, apoiaram “atividades antinacionais” realizadas por uma
organização de direitos humanos no estado de Guajarat, a Cidadãos pela Justiça
e pela Paz, encabeçada pela ativista Teesta Setalvad e por seu marido Javed
Anand.
De fato, há um processo contra
Setavald e Anand por peculato, apresentado pelo governo. Até hoje, Setavald
explica, entregaram à polícia mais de 23 mil documentos para serem auditados.
A seu favor, há dezenas de
atividades de trabalho humanitário depois de conflitos étnicos ou de ataques
terroristas em Mumbai em 2008. Inclusive, trabalharam em equidade de gênero e
direitos educativos. De fato, o maior financiamento estrangeiro que tiveram vem
de 2010, do escritório da ONU contra a tortura, mas, explica Setavald, quase
80% de seus fundos são recebidos de doadores locais.
Já nenhum dos recursos recebidos
pela Fundação Ford está ativo. Foram usados para “fortalecer a resolução de
conflitos e para atividades pacifistas (nos estados de) Gujarat e Maharastra”,
diz Setalvad, que afirma que “nossas atividades continuarão sem importar os
financiamentos de uma ou de outra organização... o que fez de mal a Cidadãos
pela Justiça e pela Paz?”.
A ONG do casal trabalhou na
representação legal das vítimas dos distúrbios contra a população muçulmana em
Gujarat em 2002. Para Teesta Setavald, este é um dos motivos: um dos principais
acusados (de permitir os assassinatos de dezenas de muçulmanos) é o então
governador e hoje primeiro-ministro da Índia Narendra Modi, que durante anos
teve sua entrada proibida nos Estados Unidos por esse motivo.
O fato é que o caso contra a ONG
continua aberto e a Fundação Ford está sob o escrutínio do governo hindu. O
assunto preocupa o governo dos Estados Unidos. O secretário de Estado, John
Kerry, enviou uma mensagem à Índia solicitando esclarecer em detalhes as ações
contra uma organização que, no passado, foi acusada de cobrir as operações da
CIA na Europa e na América Latina.
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