O
projeto de José Serra inundaria a área do Pré-Sal com petrolíferas
estrangeiras. O senador parece esquecer do valor geopolítico que o petróleo
possui.
Paulo
Metri - Blog dos desenvolvimentistas / www.cartamaior.com.br
Faço
uma estimativa dos prejuízos que serão causados à nossa sociedade se o projeto
de lei (PL) 131 de autoria do senador José Serra sobre o Pré-Sal vier a ser
aprovado. Sei que esta estimativa é baseada em algumas suposições, o que a
torna um evento não determinístico. No entanto, as suposições feitas são o que,
em inglês, chamam de “educated guess”, correspondente ao nosso “chute em
direção ao gol”, que pode raspar a trave ou entrar no gol. Por outro lado, é
válido fazer esta estimativa para mostrar a ordem de grandeza do prejuízo que
Serra propõe.
Segundo
a Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), já foram descobertos, no
Pré-Sal, 60 bilhões de barris. Todos os “barris” citados neste texto referem-se
a “barris recuperáveis”. Sobre estas descobertas, os modelos de exploração e
demais parâmetros já estão definidos nas leis e respectivos contratos
existentes. O projeto do senador, se aprovado, só trará repercussão no que
ainda deve vir a ser descoberto nesta área. Assim, a primeira suposição a ser feita
é sobre quantos barris restam a descobrir.
Após
alguma insistência, geólogos tendem a citar faixas de valores para as reservas
adicionais do Pré-Sal. Um ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP)
disse, na época da descoberta do Pré-Sal, que poderiam existir até 300 bilhões
de barris na área. Pode-se dizer, em posição equilibrada, que ainda existem 90
bilhões de barris no Pré-Sal a serem descobertos.
Assim,
o prejuízo a ser causado pelo projeto Serra é obtido da comparação da
exploração de 90 bilhões de barris pelo modelo de partilha atual e pelo modelo
de partilha com as modificações do PL 131. Detalhando, as alternativas que
estão sendo comparadas são as seguintes. Na primeira, representada pelo modelo
existente, todas as áreas do Pré-Sal ainda não leiloadas seriam arrematadas por
consórcios ou pela Petrobras sozinha. E, na hipótese de serem arrematadas por
consórcios, estes teriam a Petrobrás como integrante, com no mínimo 30% de
participação, e como operadora dos mesmos.
Ainda
nesta alternativa, as rodadas de leilões seriam realizadas bem espaçadas para
permitir à Petrobrás acumular lucros que seriam reinvestidos no negócio,
minimizando a necessidade de empréstimos e de venda de ativos. Notar que não há
pressa para se explorar o Pré-Sal, pois o país já tem seu abastecimento
garantido pela própria Petrobrás por mais de 20 anos.
No
modelo flexibilizado de Serra, a Petrobrás seria só mais uma petrolífera, que
disputaria áreas do Pré-Sal, e só seria operadora quando conseguisse formar um
consórcio em que estivesse nesta posição e ele saísse vitorioso do leilão.
Embutido neste modelo está o conceito de que ela arrematar uma área ou uma
petrolífera estrangeira a arrematar, para a sociedade brasileira, é a mesma
coisa, o que não é verdade.
Na
alternativa Serra, as rodadas de leilões seriam bem frequentes, para retirar a
Petrobras destes leilões pela incapacidade de investir freneticamente. Assim,
as petrolíferas estrangeiras estariam prontas para formarem cartéis e
arrematarem áreas, o que é impedido quando a Petrobrás é uma das contendoras.
Também, em geral, a ganância leva as petrolíferas estrangeiras a produzir em
ritmo acelerado para maximizar o lucro, e não para retirar o máximo de energia
do campo, transformando-se, assim, em uma produção predatória, o que a
Petrobrás não faz.
Teremos
que diferenciar os prejuízos numericamente estimáveis daqueles que não são. Nos
prejuízos quantificáveis, está a redução da arrecadação de royalties. Este
tributo, em um período de tempo, é proporcional à receita que é função da
produção no período e o preço de transação do petróleo na época. Se a Petrobras
não for a operadora única de todos os contratos do Pré-Sal, mesmo sabendo da
existência da empresa do Estado brasileiro Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que, pela
lei no 12.351, tem a incumbência de gerir os contratos de partilha da produção,
há a possibilidade de a produção ser declarada com um valor menor que o real,
exatamente para se pagar menos royalties e, também, gerar menos lucro, o que
leva a uma menor contribuição para o Fundo Social.
Não
tenho conhecimento de nenhum esquema de fraude na medição da produção. Estou
falando aqui sobre a vulnerabilidade para roubos de modelos de organização do
setor. No modelo proposto por Serra, a Petrobrás é tirada da condição de
operadora única, quando, com ela, se pode ter o modelo mais confiável de
apuração do valor da produção. Ela é a única empresa que não anseia pela
maximização dos lucros dos empreendimentos. Assim, ela não tem a tentação de
subavaliar a produção.
A
corrupção
Neste
ponto do desenvolvimento dos argumentos, sempre observam: “Mas a corrupção foi
flagrada nela, recentemente”. O que aconteceu, lá, foi a descoberta que alguns
dos seus executivos a roubavam para satisfazer a quem lhes nomeou para seus
cargos e a si próprios. Roubos em empresas privadas por seus executivos também
acontecem, mas não são divulgados porque os controladores das empresas
roubadas, não querendo mostrar fragilidade ao mercado, penalizam os ladrões e
não divulgam os ocorridos.
Outra
tradicional contraposição trazida ao debate é que a responsável por garantir
medições corretas para os volumes produzidos é a ANP, que pertence ao governo.
Acontece que ela, assim como muitas das agências reguladoras do nosso país, foi
cooptada, desde que foi criada, pelas empresas a serem reguladas e, no caso
específico, pelas petrolíferas estrangeiras. Se isto não fosse verdade, ela não
sugeriria tantas rodadas de leilões de nenhum interesse social. Não teria
também determinado no edital de Libra o percentual ridículo do lucro líquido a
ser remetido para o Fundo Social. É claro que estas agências têm para suas
ações antissociais o beneplácito do governo.
Há
necessidade de um rápido parêntese para facilitar o entendimento do leitor.
Toda a estrutura de funcionamento do governo foi modificada nos anos 1990,
quando princípios neoliberais e entreguistas foram introduzidos e nunca mais
foram modificados. Por isso, nos deparamos, de tempos em tempos, com alguns
destes entulhos do passado. Enquanto eles existirem, o grau de soberania do
país permanecerá baixo.
Por
outro lado, a PPSA não irá inibir a subavaliação da produção, por esta estatal
ser chefiada, hoje, por pessoas, que, até há pouco tempo, trabalhavam em
petrolíferas estrangeiras ou em fornecedores estrangeiros do setor. Mais uma
vez, não critico as pessoas que estão, hoje, nesta estatal. Critico o modelo de
organização do setor, que permite a nomeação de pessoas para cargos-chave de
controle, que deveriam ser declaradas impedidas in limine, porque os interesses
dos seus novos cargos conflitam com os interesses das empresas nas quais
trabalhavam até recentemente.
Assim,
ao serem produzidos os 90 bilhões de barris, que ainda serão descobertos, suas
medições poderão atestar somente em torno 81 bilhões, com uma “perda” de nove
bilhões, ou seja, 10% do volume total. Este é um valor estimado, que representa
“um chute plausível” do que pode ser escondido. Como esta eventual fraude
ocorreria durante a vida útil do campo, tal petróleo será comercializado a
diversos preços, podendo ser tomado, como média, US$ 100 por barril. Então, a
fraude da subavaliação da produção poderá ser de US$ 900 bilhões em 35 anos. Como
o royalty é 15% sobre a receita, neste caso, o royalty desviado será de US$ 135
bilhões em 35 anos. O modelo proposto pelo Serra permite esta fraude, o que é
barrado pela Petrobrás no modelo atual.
Outro
momento em que pode ocorrer fraude é no cálculo do custo da produção do
petróleo, que irá influir sobre o lucro líquido e, assim, influenciará o valor
a ser remetido para o Fundo Social. Em tese, esta fraude pode ser quantificada
por fiscais competentes, mas, sem muitos dados, sua estimativa é difícil de ser
feita. Como as petrolíferas estrangeiras trabalham basicamente com seus
tradicionais fornecedores do exterior, a entrega de faturas superfaturadas pode
ocorrer sem dificuldade e, depois, o acerto de contas pode ser feito, através
das matrizes, no exterior. Assim, o Fundo Social, uma idéia nobre para dar
função social ao aproveitamento do Pré-Sal, tende a se tornar inócuo.
“Esquecimento”
do valor geopolítico
Prejuízos
acarretados pelo projeto do senador José Serra não quantificáveis são muitos.
Primeiramente, é preciso estar consciente que seu projeto irá “inundar” a área
do Pré-Sal com petrolíferas estrangeiras. Elas, que estão com dificuldade para
aumentar suas reservas, graças ao petróleo brasileiro, conseguirão garantir
seus futuros. Além disso, elas só compram plataformas de petróleo no exterior,
pois, após 20 anos do término do monopólio estatal, nenhuma destas empresas
comprou uma única plataforma no Brasil, enquanto a Petrobrás, desde o governo
Lula, só as compra aqui.
A
encomenda de desenvolvimentos tecnológicos e a contratação da engenharia pelas
empresas estrangeiras ocorrem com entidades do exterior. As multinacionais não
têm interesse de abastecer o Brasil com derivados, exportando totalmente o
petróleo produzido por elas, sem nenhum valor agregado e, ainda mais, sem
pagarem o imposto de exportação, por se beneficiarem da lei Kandir.
Muito
mais poderia ser acrescentado ao já extenso artigo. No entanto, desejo só dizer
que o petróleo não vale unicamente por ser um energético com milhares de usos e
o setor de transporte, em escala mundial, ser dependente dos seus derivados.
Petróleo significa também poder político para nações que o detêm soberanamente.
O projeto do senador Serra esquece por completo este valor do petróleo, pois,
ao entregá-lo a firmas estrangeiras, o Estado brasileiro perde o poder
geopolítico.
Assisti
a uma palestra recentemente, na qual o orador falou sobre o uso dado pela
Noruega ao seu petróleo do Mar do Norte com grande impacto social, o que trouxe
uma melhoria considerável no IDH deste país. O mesmo não acontecerá com o
Brasil se o projeto Serra passar. Deste modo, a diferença que existe entre a
Noruega e o Brasil é o grau de conscientização política do povo. Um
congressista norueguês, mesmo que quisesse, não apresentaria um projeto análogo
ao do Serra lá, dado o grau de constrangimento a que seria submetido.
***
Paulo
Metri – conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.
Créditos
da foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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