Se a história do militarismo na Grécia tiver algo a
ensinar, uma crise da dívida ao estilo grego aguarda os países bálticos, a
Polônia e a Escandinávia.
Finian
Cunningham, Strategic Culture Foundation / www.cartamaior.com.br
Uma consequência importante do conflito na Ucrânia
e do crescente clima de confronto entre o Ocidente e a Rússia é o aumento
dramático dos gastos militares em vários países europeus.
A militarização sem precedentes de muitas economias
da Europa é o prenúncio de um futuro desastroso e dívidas impagáveis, à moda
grega, para esses países. Em maior risco de uma ressaca por excesso de gastos
militares nos próximos anos estão os Estados bálticos, a Polônia e os países
escandinavos.
Este cenário pode de fato explicar por que
Washington e seus aliados mais próximos da OTAN embarcaram no que parece ser um
confronto geopolítico imprudente com a Rússia. A tensão alimentada –
principalmente por Washington – pela suposta ameaça russa leva, por sua vez, à
lucrativa venda de armas ao Pentágono e seu complexo militar-industrial.
O Secretário Geral da OTAN Jens Stoltenberg
garantiu recentemente que a aliança militar liderada pelos Estados Unidos
"não seria arrastada para uma corrida armamentista com a Rússia". Mas
é exatamente o que parece estar em curso, pelo menos entre os membros ou
parceiros da OTAN do Leste europeu e da Escandinávia.
A agenda de confronto – articulada com particular
veemência por Washington – não é tanto para instigar uma guerra total entre a
OTAN e a Rússia. O ex-embaixador americano na Rússia Michael McFaul afirmou na
semana passada que "só um tolo invadiria a Rússia". Esta afirmação
pode dar a medida exata dos cálculos de Washington. Apesar da atual postura
militar agressiva liderada pelos Estados Unidos contra a Rússia, o objetivo
real pode não ser, na verdade, uma guerra com Moscou, mas a criação de um clima
de medo e insegurança em relação a uma suposta ameaça russa para impulsionar os
gastos militares dos membros da OTAN já mencionados.
Em seu último relatório sobre gastos militares na
Europa, o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) observa:
"A crise política e militar na Ucrânia levou a uma importante reavaliação
das percepções de ameaças e das estratégias militares em grande parte da
Europa. O aumento da percepção de ameaça elevou os gastos militares na Europa,
levando à renovação por membros da OTAN do compromisso em destinar pelo menos
2% do seu PIB a este setor".
Entre os crescentes orçamentos militares para 2015,
em comparação com o ano anterior, estão: República Checa ( 3,7%), Estônia (
7,3%), Letônia ( 15%), Lituânia ( 50%), Noruega ( 5,6%), Polônia ( 20%),
Romênia ( 4,9%), Eslováquia ( 7%), e Suécia, que não é membro da OTAN ( 5,3%).
Sintomaticamente, a maioria dos membros da OTAN da
Europa ocidental está reduzindo ou congelando suas despesas militares. É o caso
da Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Portugal, Dinamarca e Espanha.
Entre os que aumentaram seus gastos militares, a
Polônia tem a maior despesa, de cerca 35 bilhões de dólares até 2022. Em
comparação, os Estados bálticos da Lituânia, Letônia e Estônia têm gastos muito
menores em termos absolutos. Mas o que importa aqui é o gasto em relação a
economias bem menores.
Como nota o relatório do SIPRI: "Em médio e
longo prazo, o aumento de 80% ou mais em gastos militares, exigido por alguns
estados membros para atingir a meta de 2%, não tem precedentes entre os membros
da OTAN em tempos de paz. Desde o fim da Guerra da Coreia (1950-1953), a tendência
dos orçamentos militares de quase todos os membros da OTAN, em termos de
percentagem do PIB, tem sido de baixa ou estável, mesmo nos períodos de maior
tensão com a União Soviética”.
Os Estados Unidos, o maior exportador mundial de
armas, tem muito a ganhar com o crescimento dos orçamentos e a ampliação do
mercado europeu, através da venda de sistemas de mísseis, tanques, navios de
guerra e aviões de combate. O bônus adicional para o FMI (dominado por
Washington) é que, se o aumento das despesas militares levar ao endividamento
destes países, sua futura fragilidade econômica permitirá a expropriação destas
economias através de políticas de austeridade em benefício do capital
financeiro global. O processo não é muito diferente do que ocorreu com a
Grécia.
No dilúvio de reportagens da mídia ocidental sobre
a crise da dívida grega, um aspecto fundamental continua estranhamente
escondido: o fato de que grande parte do peso da dívida da Grécia, de 320
bilhões de dólares, é resultado de décadas de militarismo exorbitante. Algumas
estimativas atribuem quase metade do total da dívida – mais de 150 bilhões de
dólares – a gastos militares.
Antes do início da atual crise da dívida, em 2010,
a Grécia alocava cerca de 7% do seu PIB em despesas militares, enquanto muitos
outros países europeus destinavam ao setor cerca de 2% do PIB. Mesmo agora,
cinco anos após o colapso econômico, a Grécia ainda é o país com maior gasto
militar na União Europeia – com 2.2% do PIB. Dos 28 membros da aliança militar
da OTAN, a Grécia é o país com maior gasto proporcionalmente, depois apenas dos
Estados Unidos, que destinam cerca de 3,8% do PIB às despesas militares.
O governo grego de Alexis Tsipras e os credores
institucionais entre a União Europeia, Banco Central Europeu e do FMI têm
cuidadosamente ignorado uma opção óbvia para ajudar a equilibrar as contas da
Grécia: um corte importante no investimento militar.
Se a Grécia reduzisse seu gasto militar pela
metade, para cerca de 1% do PIB, mesma fatia destinada ao setor pela Itália,
Bélgica, Espanha ou Alemanha, haveria uma economia de dois bilhões de dólares,
o que atenderia às demandas imediatas do FMI e poderia atenuar as drásticas
medidas de austeridade exigida pela Troika.
Mas há um bom motivo para que a Troika venha
ignorando essa opção. A extravagância militar da Grécia dos últimos anos tem
sido uma mina de ouro para a indústria de armas alemã, francesa e americana.
Dos 150 bilhões de dólares em despesa militar da Grécia até 2010, 25% foram
para a Alemanha, 13% para a França e 42% para os EUA, de acordo com dados do
SIPRI.
Não é por acaso que os maiores credores
institucionais da Grécia são os governos alemão e francês – aos dois juntos, a
Grécia deve 100 bilhões de dólares. Grande parte do capital emprestado por
estes países foi, em seguida, aplicado na compra de armas alemãs e francesas,
como tanques Leopard e caças Mirage, além de F-16 americanos.
Em entrevista ao Guardian, em abril de 2012, o
parlamentar grego Dimitris Papadimoulis acusou Berlim e Paris de hipocrisia:
"Bem depois do início da crise econômica (em 2010), Alemanha e França
tentavam selar acordos lucrativos de vendas de armas enquanto nos pressionavam
a fazer severos cortes em áreas como a saúde”.
Assim, Berlim e Paris inflacionavam
intencionalmente a dívida da Grécia, um grande mercado para suas indústrias de
defesa. Essa roda financeira também girava com a força da corrupção. Em outubro
de 2013, Akis Tsochatsopoulous, ex-ministro da defesa da Grécia no governo
PASOK, foi condenado a 20 anos de prisão por participação em um caso de suborno
de 75 milhões de dólares envolvendo dezenas de outros membros do governo. A
empresa alemã Ferrostaal também foi obrigada a pagar 150 milhões de dólares por
seu papel no caso de contrabando de armas que, entre outras coisas, garantiu a
venda de quatro submarinos da Class 214 para a Grécia, por cerca três bilhões
de dólares.
O conveniente bicho-papão no cenário grego foi a
Turquia, que invadiu o Chipre em 1975, e era retratada como uma ameaça
permanente à segurança da Grécia. Washington, Berlim e Paris, junto com
políticos corruptos em Atenas, davam ênfase à ameaça turca para pôr em marcha a
máquina de empréstimos e compras militares. O triste fim desta história é a
crise da dívida grega, que se desdobrou no estupro econômico do país, liderado
pelo FMI e os poderosos da União Europeia, principalmente Berlim e Paris.
Outra ironia nesta tragédia grega moderna é que a
alegada ameaça, tão enfatizada por Washington e seus aliados europeus, que
levou à intensa militarização da Grécia, era um aliado da OTAN, a Turquia. O
que será que aconteceu com o Artigo 5 do Tratado da OTAN, sobre segurança
coletiva, durante todos esses anos de insegurança?
Como é fácil, então, para Washington e seus aliados
da OTAN, apresentar a Rússia com os mesmos velhos estereótipos da Guerra Fria,
como uma ameaça de segurança para a Europa Oriental e Escandinávia!
A julgar pelo aumento dos gastos militares por
países da Europa do Leste e da Escandinávia, a estratégia está funcionando. O
complexo industrial-militar dos EUA e seus homólogos alemães, franceses e
britânicos têm bilhões de dólares a lucrar nos próximos anos com os menores
membros da OTAN, que estão tola e convenientemente apavorados com o
"fantasma russo".
Se a história do militarismo na Grécia tiver algo a
ensinar, uma crise da dívida ao estilo grego aguarda os países bálticos, a
Polônia e a Escandinávia.
Proteção da OTAN? O mais correto seria chamar de
armação da OTAN.
Tradução de Clarisse Meireles
Créditos da foto: Marines / Flickr
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