por Emir Sader / http://cartamaior.com.br/

O certo é que nos
acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda
ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que
aderem a seus ideais ¿ e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo
convencimento dos seus ideais.
O ex-esquerdista ataca
com especial fúria a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio
passado. Não apenas renega as idéias que nortearam ¿ às vezes o melhor período
da sua vida -, mas precisa mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus
poderes, que odeia de tal maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele
¿veneno¿ que o tinha viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila,
para combater o que ele foi, com um empenho de quem ¿conheceu o monstro por
dentro¿, sabe seu efeito corrosivo e se mostra combatente extremista contra a
esquerda.
Não discute as idéias
que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar interpretações
possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a atenção dos
incautos sobre a dependência que geram a ¿dialética¿, a ¿luta de classes¿, a
promessa de uma ¿sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado¿. Denunciar,
denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer vacilação
em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como as
políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um
presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do
¿socialismo¿, do ¿totalitarismo¿, do ¿stalinismo¿.
Viraram pobres diabos,
que vagam pelos espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias, os Mesquitas
lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão moral, agora
superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A redação de
jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de
ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo
de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um
espetáculo moral deprimente.
Aderem à direita com a
fúria dos desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas,
derrotadas, e daí o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a
reencarnação do bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o ¿totalitarismo¿,
em cada política social a ¿mão corruptora do Estado¿, do ¿chavismo¿, do
¿populismo¿.
Vagam, de entrevista a
artigo, de blog à mesa redonda, expiando seu passado, aderidos com o mesmo
ímpeto que um dia tiveram para atacar o capitalismo, agora para defender a
¿democracia¿ contra os seus detratores. Escrevem livros de denúncia, com
suposto tempero acadêmico, em editoras de direita, gritam aos quatro ventos que
o ¿perigo comunista¿ ¿ sem o qual não seriam nada ¿ está vivo, escondido detrás
do PAC, do Minha casa, minha vida, da Conferência Nacional de Comunicação, da
Dilma ¿ ¿uma vez terrorista, sempre terrorista¿.
Merecem nosso desprezo,
nem sequer nossa comiseração, porque sabem o que fazem ¿ e os salários no fim
do mês não nos deixam mentir, alimentam suas mentiras ¿ e ganham com isso.
Saíram das bibliotecas, das salas de aula, das manifestações e panfletagens,
para espaços na mídia, para abraços da direita, de empresários, de próceres da
ditadura.
Vagam como almas
penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros
de vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como
serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem
que ainda mandam e seguirão mandado no mundo contra o qual, um dia, se
rebelaram e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma
elite decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com
ela, destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns
tostões furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora
participe ativamente do seu enterro.
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