O jurista Dalmo Dallari vê processo de impeachment
contra Dilma como manobra fantasiosa que não vai prosperar. Para ele, a maioria
do STF é séria; e o povo também aprendeu a exigir seus direitos
por Redação RBA / http://www.redebrasilatual.com.br/

Passou no vestibular na faculdade onde cursou
Direito, lecionou e se aposentou, e jamais abandonou a atividade acadêmica. Até
hoje atende a convites pelo país afora, e sempre leva consigo um conselho aos
ouvintes: “Tenha sempre consigo um exemplar da Constituição. É muito
importante”. Ele diz já ter ouvido em muitos países que a Carta Magna
brasileira é uma das mais democráticas do mundo, por ter sido construída com
intensa participação da sociedade e, por isso, refletir conquistas importantes
da humanidade, que estão na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Segundo
Dallari, esta mesma Constituição precisaria ser estrondosamente violada para
que algum dos setores que hoje tentam emplacar um pedido de impeachment de
Dilma Rousseff levem adiante suas manobras, que chama de “fantasiosas”. É o que
ele afirma categoricamente em entrevista concedida ao programa de webTV
Contraponto, produzido pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo e o Centro de
Estudos de Mídia Barão de Itararé, do qual destacam-se a seguir os principais
trechos.
Qual a
possibilidade de um impeachment contra a presidenta Dilma se materializar?
Vivi antes de 1964 e percebi o que levou ao golpe.
Havia uma exploração muito grande de uma situação nova decorrente da Segunda
Guerra, da afirmação dos direitos humanos, inclusive dos direitos sociais, e entre
nós houve uma associação – e tem se falado muito pouco disso – de empresários
com militares. O golpe foi civil-militar. Vi claramente essa interferência do
empresariado no golpe que foi apresentado como militar. Há elementos hoje que
comprovam isso. Empresários deram dinheiro para contratar professores de
tortura. Para contratar máquinas de torturar. Eram duas grandes forças que
tinham interesses coincidentes. Queriam de qualquer maneira impedir o avanço
dos direitos sociais. Havia sindicatos organizados, muita conscientização dos
direitos sociais, e as elites ricas e a igreja católica mais reacionária
ficaram com medo desses avanços. Inventaram a tese do “perigo comunista”.
Ninguém estava querendo comunismo no Brasil, apenas uma sociedade mais justa. O
dado essencial é que grupos poderosos tinham naquele momento interesses
coincidentes. Se fizermos o exame dos grupos que existem hoje no Brasil, não há
essa coincidência. Há uma multiplicidade de pequenos grupos, de pequenas
forças. Não há um grande líder. Não há um grande partido, não há uma grande
força política.
Mas o
processo é político, dispensa provas. E se o Congresso tomasse essa atitude?

O Supremo
barraria esse processo?
Eu tenho absoluta convicção. Eu sinto que a maioria
dos ministros do STF se orienta efetivamente pela Constituição. Tem, sim,
ministro que despreza a Constituição, não leva a sério. Mas nessa decisão
recente a respeito da ilegalidade do financiamento eleitoral por empresas ficou
evidente. A maioria se orientou pela Constituição. Por isso, essa aparência de
risco de impeachment é uma grande fantasia. A grande imprensa explora, faz
disso um escândalo, porque ainda está em campanha eleitoral. Está totalmente
envolvida nesta campanha e explora fraquezas, inclusive a vaidade de alguns que
querem aparecer. Alguns até do Judiciário, que não resistem a uma manchete.
O senhor, em
2002, escreveu um artigo que até hoje repercute alertando para o risco de se
ter alguém como o ministro Gilmar Mendes no STF...

E essa Constituição, eu tenho ouvido isso em vários
países, é das mais democráticas do mundo, porque foi feita com muita
participação popular. Tem um conteúdo humanista. Consagrou direitos
tradicionais, civis e políticos, e também direitos econômicos, sociais e
culturais. Por que razão os tribunais de maneira geral estão abarrotados de
processos? É porque ficou muito mais fácil ir ao Judiciário. Há vários anos, na
periferia de São Paulo, logo depois que saiu a Constituição de 88, eu falava
nos direitos fundamentais, nos direitos humanos, nos direitos sociais, e lá no
fundo uma mulher levantou a mão e disse: “Tudo isso que o senhor disse é muito
bonito, mas não é para nós”. Os brasileiros mais pobres não acreditavam que
tivessem direitos, e agora acreditam. Agora temos também o povo defendendo a
Constituição; é um dado novo na história brasileira e extremamente importante.
O senhor
poderia citar algum episódio em que o ministro Gilmar atropelou a Constituição?
Isso vem de muito longe, mas eu citaria como evento
uma situação muito expressiva. O ministro Gilmar Mendes é do Mato Grosso, de
família de grandes proprietários de terras, e eu há muito anos sou advogado de
índios – aliás, eu não pareço, mas sou índio de quatro tribos, porque as
defendi, ganhei e me deram o título. Meu primeiro enfrentamento com o Gilmar
Mendes foi exatamente na questão indígena. Ele defendia invasores de terras
indígenas e eu defendia os direitos constitucionais dos índios, e lá ficou
muito evidente que a posição dele não era determinada pela Constituição, pelo
direito e pela Justiça, mas pelas conveniências, e isso realmente não era
atitude de jurista. Depois se somaram outros elementos, houve uma acusação a
ele, que não fui eu que fiz, mas uma grande revista da época. Ele era
advogado-geral da União, e ao mesmo tempo era empresário da educação,
proprietário de escola, e ele matriculou auxiliares na sua escola, mesmo que
não frequentassem. Por isso a revista publicou um reportagem “Os dois lados do
balcão”.
O juiz
Sérgio Moro não teria uma postura de promotor, mais do que juiz?
O juiz Moro de fato tem exagerado, tem agido como
delegado de polícia, como Ministério Público e juiz. A minha avaliação é que
houve um certo deslumbramento, a imprensa deu muita ênfase, foi uma
glorificação. Ele é um ser humano e eu tenho dito: não perca de vista que os
juízes são seres humanos. Eu sempre fui contra a transmissão das decisões, acho
um absurdo, porque o juiz sabe que está sendo visto por milhões e pode ser
influenciado. Por mais que queira se ater ao Direito, é ser humano, tem
vaidade. Acho que isso pesou no juiz Sérgio Moro, pelo enorme espaço dado pela
imprensa.
A Operação
Lava Jato trabalha com informações sobre o papel importante das empreiteiras
nos bastidores da política brasileira. O que o senhor pensa da operação como um
todo?
A apuração de ilegalidades sempre é boa,
apenas a exploração dos fatos é que é, até diria, desonesta, porque dá a
impressão que começou isso agora no Brasil e, no entanto, empreiteiras e grandes
empresas sempre usaram caminhos subterrâneos para obter proveito. O fato
negativo é apresentar isso como fato novo no Brasil, quando não é. E não há
dúvida que na imprensa há uma obsessão anti-Lula e anti-PT. Quero deixar isto
muito claro: eu nunca fui do PT e desde que optei por ser professor
imediatamente também decidi que jamais me envolveria com partidos políticos.
Mas evidentemente a imprensa tem um antilulismo obsessivo, e é uma pena, porque
distorce o noticiário, grande parte é fantasiosa. Qualquer pessoa que pegar um
grande jornal vai verificar quantas vezes aparece o “supõe-se que... teria
feito... haveria ... ganharia”, tudo na condicional. Não se afirma nada, se
insinua, “ele teria sido beneficiado... poderia ser... supõe-se que”. E isso não
é fato, isso não é notícia. Infelizmente, é uma linguagem na nossa imprensa
diária.
Tivemos lá
atrás o domínio do fato, e agora os processos e sentenças baseados nas delações
premiadas...
Eu tenho seríssimas restrições à delação premiada.
É de origem italiana o conceito do arrependido, que trai para ganhar algum
benefício. Mas não se perca de vista que o delator é, antes, um criminoso. Ele
é endeusado pela imprensa porque faz acusações, mas se esquecem disso, é um
criminoso confesso. A delação premiada tem valor muito baixo, é imoral,
essencialmente imoral, e duvidosa do ponto de vista jurídico, porque muitas
afirmações são mentirosas e esse é um dos casos em que aparece o “teria feito,
ganharia isso, seria isso e mais aquilo” sem comprovação. Sabe-se que o delator
está procurando proveito pessoal, reduzir a sua pena, ganhar liberdade, então
realmente não é confiável.
Algumas
pessoas acham que as apurações reforçam a República, outros acham que não. Qual
a sua opinião sobre isso?
Acho bom que haja um despertar de consciência, que
muita gente perceba que existe corrupção, sim, que é importante ficar contra a
corrupção. É um caminho meio tortuoso, mas é um caminho de despertar a
consciência. Tenho um livrinho, Direitos Humanos e Cidadania, que fala muito da
necessidade de criar a consciência cidadã, que cada um perceba que tem
direitos, e também responsabilidade. Ainda se fala muito no político ficha
suja, mas infelizmente tem o eleitor ficha suja, que vende seu voto, troca voto
por favores. Então, é preciso um trabalho de reeducação cívica, de
conscientização, para que a pessoa perceba que tem direitos e
responsabilidades.
O senhor é a
favor de uma nova constituinte?
Não, não. Eu circulo muito pelo Brasil e outros
países e já ouvi afirmação de que o Brasil tem uma das constituições mais
democráticas do mundo, porque realmente ela reflete conquistas importantes da
humanidade, conquistas que estão na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Primeiro, a Constituição de 1988 foi feita com intensa participação popular.
Criamos em São Paulo – e o principal criador nem era da área jurídica, era um
engenheiro, Francisco Whitaker – um movimento pela participação popular, e ali
se criou a Iniciativa Popular, o direito do povo de propor leis. Só para ter
exemplo do que isso significa, a Lei Maria da Penha não foi iniciativa de
nenhum parlamentar, foi do povo. A Lei da Ficha Limpa também. Então, avançamos
muito e o que há por fazer é aplicar a Constituição.
O senhor
escrevia num grande jornal e depois deixou de escrever. Como foi essa história?
Eu realmente escrevia num grande jornal (Folha de
S. Paulo) e um dia me chamaram lá e disseram: “Olha, infelizmente não vai mais
dar para continuar publicando os seus artigos. Gente da indústria, do setor
automobilístico, disse que se continuarmos a publicar seus artigos vai ser
cortada toda a publicidade”. Vou contar o personagem, que até já morreu:
Wolfgang Sauer, da Volkswagem, e presidente Associação Nacional da Indústria
Automobilística (Anfavea). Eu escrevia sobre direitos sociais, isso era
considerado indesejado. Mas eu nunca preguei violência, sempre falei nos
caminhos da Constituição, da Justiça, mas isso era considerado uma agressão. E
perdi meu espaço na grande imprensa.
O programa Contraponto teve participação dos jornalistas
Kiko Nogueira, Luiz Carlos Azenha, do blogueiro Eduardo Guimarães e mediação do
diretor da RBA, Paulo Salvador
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