O eventual fim da guerra civil mais prolongada do
continente seria uma derrota para a DEA e a indústria militar norte-americana.
Darío Pignotti, enviado especial a Medellín // www.cartamaior.com.br
Durante anos, a política dos Estados Unidos para a
Colômbia foi influenciada pela DEA, que mantêm laços estreitos com as forças
armadas e contatos habituais com os grupos paramilitares, atores centrais da
guerra que assassinou milhares de camponeses, sindicalistas e dirigentes
sociais, e obrigou milhões de camponeses a abandonar suas terras que foram
ocupadas por coronéis e líderes narcos.
O eventual fim da guerra civil mais prolongada do
continente, que poderia ser alcançado nas conversações de paz mantidas entre as
FARC e o governo colombiano, seria uma derrota, ao menos tática, para a DEA e a
indústria militar norte-americana.
Advertida do risco que a paz significa, pois
diminuiria drasticamente a quantidade milionária de recursos investidos na
intervenção da Colômbia, a DEA divulgou um chamativo documento vinculando as
FARC aos cartéis narcotraficantes mexicanos.
Com um oportuno sentido de marketing informativo, a
corporação antidrogas norte-americana afirma, sem entregar dados consistentes,
que os insurgentes colombianos mantêm negócios com o capo mexicano Joaquim
Chapo Guzmán, chefe do cartel de Sinaloa, conhecido mundialmente logo após a
espetacular fuga de uma prisão de segurança de máxima através de um túnel.
“As notícias espetaculares sobre as FARC e o
narcotráfico devem ser vistas sempre com um pé atrás, porque há muita
informação manipulada para associar a guerrilha com o narcotráfico, para
enganar o público”, explica para a Carta Maior o ativista social Javier Burgos,
da Comuna 13, uma favela de Medellín onde ainda hoje impera o poder dos
paramilitares. Burgos e outros representantes dos movimentos populares
participam do encontro internacional do Conselho Latino-Americano de Ciências
Sociais (CLACSO), que se realiza desde esta segunda-feira, em Medellín.
Está previsto para esta terça-feira um
pronunciamento do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, durante
uma conferência da reunião da CLACSO, na qual também participarão o
ex-mandatário uruguaio José “Pepe” Mujica, o vice-presidente boliviano Álvaro
García Linera e o secretário-geral da Unasul e ex-presidente colombiano Ernesto
Samper.
Antes de embarcar à Colômbia, Lula concedeu, ainda
no Brasil, uma longa entrevista à Rádio Caracol de Bogotá, a emissora de maior
audiência no país. “Estou rezando e torcendo pela paz na Colômbia e para que o
presidente Santos tenha sucesso nas conversações com as FARC”, declarou Lula,
defendendo o uso diálogo como ferramenta de acordos e integração regional.
As palavras de Lula se somaram às de outros líderes
sul-americanos que respaldaram o fim do conflito, num momento em que a Colômbia
é cenário de uma guerra de guerrilhas informativas, entre os que buscam uma
solução pacífica e os barões da guerra – esses últimos respaldados por vários
meios privados de comunicação locais e norte-americanos, hostis ao entendimento
com as FARC, que eles chamam de “organização narcoterrorista”.
Sabotagem à paz
Dezena de conversações em favor da paz já marcaram
a história contemporânea da Colômbia, todas terminando em fracasso.
A última tentativa de pôr fim à guerra civil
ocorreu em 2002, quando se romperam os tratos entre o então presidente Javier
Pastrana e o mítico líder guerrilheiro Manuel Marulanda Vélez.
Um dos fatores que conspiram contra essas conversações
é a pressão dos militares, e também dos paramilitares, através de uma série de
ações encobertas, supostamente apoiadas pela inteligência estadunidense, que
não estava interessada num cessar fogo, e sim em implementar o Plano Colômbia,
que agora querem incrementar.
“Sempre que existem conversas de paz, surge algum
atentado que ninguém sabe quem foi o autor, e daí começam as campanhas de
desinformação, notícias negativas, notícias falsas através das cadeias
norte-americanas, essa é a tática”, comenta Javier Burgos.
“Nós já estamos habituados a que ver acusações
espetaculares contra a guerrilha, como estas que a DEA planta”, sobre a
cumplicidade dos rebeldes com o mexicano Chapo Guzmán, conta Burgos, em
entrevista para a Carta Maior.
“Não estou negando que as FARC tenham feito acordos
com narcos para pagar as chamadas `vacinas' (cobrança de autorização para
circular em determinados territórios), ou alguma outra forma de pactos por
armas, mas isso não dá razão para que sejam chamadas de `narcoterroristas´,
seria forçar a barra”.
Intervencionismo e extradição
O anúncio da DEA vinculando os guerrilheiros das
FARC com os cartéis mexicanos foi rapidamente difundido, e surge pouco depois
que o presidente Juan Manuel Santos se comprometeu a não extraditar os
combatentes se chegar a um acordo.
Em seu anterior governo, Santos se mostrou disposto
inclusive a aceitar, na mesa de conversações que se realiza em Cuba, a
repatriação do comandante insurgente Simón Trinidad, deportado e preso nos Estados
Unidos há quase uma década, como um dos elementos do pacto.
A Colômbia, assim como o México, é um dos países
mais subordinados organicamente a Washington no continente. Reformou suas
legislações para incorporar o instituto da extradição de narcotraficantes,
aceitando uma virtual renúncia à sua soberania jurídica.
Aceitar a repatriação de Simón Trinidad, caso o
governo de Santos realmente adote essa medida, seria uma revisão da política de
deportações a Estados Unidos, e um gesto importante.
A guerra ao narcotráfico envolve todos os
interesses
Falemos do documento da DEA, que assegura, sem
vacilar, que a guerrilha é um ator importante dentro da estrutura mafiosa que,
dirigida pelos mexicanos, introduz a cocaína ao primeiro mercado consumidor do
mundo: o dos Estados Unidos.
Contudo, esse suposto poder global das FARC é
desmentido por todas as análises sérias sobre o conflito armado, segundo as
quais os grupos armados estão gravemente debilitados. Ao longo da última
década, os insurgentes vêm sofrendo sérias derrotas militares e resignado
bastante controle territorial, perdendo seus principais comandantes em combates
com as forças do Estado.
Ademais, não se pode considerar esses informes da
DEA como documentos elaborados por um organismo imparcial comprometido com os
interesses mundiais, como poderiam ser os relatórios da FAO ou da OIT, formadas
por representantes de dezenas de países.
Do Irãgate à desestabilização de Evo
Se repassamos a história da política antidrogas
norte-americana das últimas décadas, chegamos à conclusão de que ela sempre
esteve subordinada aos objetivos geopolíticos do império.
Em meados dos Anos 80, surgiu o escândalo
Irã-Contras pelo qual os Estados Unidos permitiu a entrada de cocaína
colombiana em troca do apoio do Cartel de Medellín, encabeçado por Pablo
Escobar, para os chamados “contras” – grupos que combatiam o governo sandinista
da Nicarágua.
O escândalo levou à queda de alguns funcionários do
presidente Ronald Regan que haviam transformado a política antidrogas num dos
fatores estratégicos da Guerra Fria.
Em 2008, duas décadas depois da conspiração entre
os Estados Unidos e os narcos para derrubar os sandinistas nicaraguenses, foi
conhecido o complô para expulsar do poder um governo de esquerda nacionalista
da América Latina. Agora, o alvo era a República Plurinacional da Bolívia.
Evo percebeu imediatamente que a DEA, a USAID e a
embaixada ianque moviam as cordas por trás do movimento golpista encabeçado
pelos separatistas do estado de Santa Cruz de la Sierra, limítrofe com o
Brasil.
Em setembro daquele ano, Evo expulsou o embaixador
Philip Goldberg, e poucas semanas mais tarde, ordenou o fechamento dos
escritórios da DEA, que em vez de colaborar na luta contra o narcotráfico, se
dedicava a apoiar e coordenar os movimentos dos golpistas, realizando
espionagem a favor dos separatistas santacruzenhos.
Assim como os paramilitares colombianos, que
chegaram a propor a criação de um Estado independente no centro do país, os
separatistas bolivianos, apoiados pela DEA e a Embaixada dos Estados Unidos,
levantaram a bandeira da criação de uma república autônoma.
A decisão de Evo Morales de expulsar a DEA e o
embaixador norte-americano, demostraram ser medidas eficazes, uma vez que o
golpismo santacruzenho foi perdendo força paulatinamente, até cair na
insignificância.
O declínio da capacidade de influência
norte-americana na Bolívia também foi possível graças à potente diplomacia
regional encabeçada pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que
enviou a La Paz o seu assessor Marco Aurélio Garcia, para expressar o respaldo
de Brasília à estabilidade democrática.
Finalmente, os países da Unasul deram um apoio
maciço ao presidente eleito Evo Morales, numa reunião extraordinária realizada
em Santiago do Chile.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reprodução
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