A situação exige o reconhecimento dos equívocos e a
necessidade urgente da mudança de rota. Esse é o caminho para manter acesa a
chama da esperança.
Paulo Kliass* // cartamaior.com.br
Marcelo Camargo/Agência Brasil
“Lá vem o Brasil, descendo a ladeira”
(Pepeu Gomes e Moraes Moreira)
A maior parte dos economistas comprometidos com a
verdade e com o desenvolvimento de nosso País já vínhamos alertando há um bom
tempo. As propostas apresentadas pelo candidato derrotado nas eleições de
outubro do ano passado não deveriam, de forma alguma, retornar à cena do palco
pelas mãos da Presidente reeleita. Os assessores de Aécio Neves para a economia
haviam apresentado o seu tradicional receituário conservador, conclamando para
a redução dos gastos públicos e ajuste fiscal rigoroso como condições
inescapáveis para superar a crise.
Os avisos contra a inusitada e surpreendente
mudança de orientação se baseavam em dois aspectos centrais. Em primeiro lugar,
em razão da enorme frustração política que tal gesto poderia provocar, pois
todos se recordavam do clima de esperança galvanizado, que se espalhou por todo
o Brasil, em torno da campanha do “coração valente”. Por outro lado, o
argumento mais importante referia-se à impropriedade do receituário ortodoxo e
liberalóide em resolver os principais problemas de nossa economia.
No período transcorrido entre a data das eleições e
a posse de seu segundo mandato, Dilma promoveu tamanha mudança que o processo
passou a ser qualificado, no conjunto da sociedade, como “estelionato eleitoral”.
Chamou o Presidente do Bradesco para comandar a área econômica. Trabuco,
gentilmente, recusou o convite; não sem antes - é claro! - indicar um
subordinado, um diretor de seu banco, para dar conta da tarefa. Com a
confirmação de Joaquim Levy para dirigir o Ministério da Fazenda, vê-se traçada
a estratégia para levar a cabo um profundo processo de ajuste recessivo, bem ao
gosto e ao perfil dos teóricos mais apreciados pela turma do financismo.
As consequências do austericídio surgem aos poucos.
À medida que o tempo foi passando e que as medidas
do austericídio foram sendo confirmadas, os resultados desastrosos em termos
sociais e econômicos não se fizeram tardar. Afinal, o coquetel explosivo se
compunha basicamente de uma proposta de continuar elevando a taxa SELIC
(arrocho monetário) e promover uma redução significativa nas despesas
orçamentárias de natureza social (arrocho fiscal). Essa combinação tem natureza
intrinsecamente recessiva, pois eleva o custo do financiamento público e
privado, ao mesmo tempo em que reduz a capacidade de ação do principal agente
pelo lado da demanda em tal conjuntura - os investimentos e os gastos públicos.
Ao longo do primeiro trimestre, as informações que
chegavam pelo lado do emprego, das vendas no comércio e nos pedidos de falência
já apresentavam sinais de preocupação. Em abril o desemprego apontava 7,9% e as
vendas no comércio caíram a taxas de 2003. As grandes empresas iniciavam seus
processo de férias coletivas e o governo apenas fazia as contas de quanto cortar,
com o objetivo de atingir um superávit primário tão improvável quanto
irresponsável.
Nada foi feito pelo lado do comando da economia
para reorientar o caminho. O ritmo de atividades do período abril-junho manteve
a trajetória descendente. O segundo semestre apresenta uma alta do desemprego
para 8,3% e as vendas no comércio caíram a 2% em relação ao ano anterior.
O discurso oficial se mantém na linha de promover
cortes e mais cortes, mas sem jamais ousar apontar para redução nas despesas
públicas de natureza financeira. Assim, o terceiro trimestre registra o
desemprego crescente com 8,9% e o número acumulado de pedidos de recuperação
judicial de janeiro a agosto apresenta uma elevação de quase 42% em relação ao
ano anterior. O Brasil real demonstra a gravidade da crise que ninguém mais
ousa contestar.
Sem mencionar em nenhum momento os mais de R$ 511
bilhões do Orçamento gastos com juros da dívida pública, o governo se concentra
nos cortes em saúde, educação, previdência social, ciência & tecnologia,
rubricas das Forças Armadas e investimentos públicos de forma geral. O
dicionário Houaiss assim define o verbete “obnubilação”: “estado de perturbação
da consciência, caracterizado por ofuscação da vista e obscurecimento do
pensamento”. Nada mais adequado para caracterizar essa inexplicável obstinação
da equipe econômica, com o apoio de Dilma.
IBGE confirma recessão: Brasil segue ladeira
abaixo.
Os dados divulgados há pouco pelo IBGE, relativos
ao desempenho da economia para o terceiro trimestre, parecem confirmar a
tendência do ritmo da “ladeira abaixo”. O índice revela uma queda de 1,7% da
atividade econômica ao longo dos meses julho-agosto-setembro, o que corresponde
a uma diminuição de 4,5% do PIB na comparação com igual período do ano anterior.
Trata-se de um resultado mais do que preocupante. Afinal, estamos diante da
terceira retração trimestral consecutiva da atividade econômica e a mais
expressiva para o período desde 1996.
O ambiente mais geral só tem contribuído para
agravar tal quadro. A crise da Petrobrás tem provocado uma significativa
redução dos investimentos desse importante grupo, com expressivos reflexos
sobre o restante da cadeia produtiva, envolvendo as empreiteiras, as empresas
subcontratadas, as montadoras de plataformas, os estaleiros navais e assim por
diante. Afinal, os investimentos da Petrobrás tomados isoladamente, ao longo
dos últimos anos, representavam algo em torno de 2% do PIB brasileiro. A cadeia
de petróleo e gás, por seu turno, representa por volta de 13% de nosso produto.
No entanto, parece que nosso País mantém um setor à
parte, isolado e protegido de todo essa catástrofe proporcionada pelo
austericídio. Trata-se do ramo composta pelas instituições financeiras. Apenas
os 2 maiores bancos privados, Itaú e Bradesco, registraram um lucro de R$ 30
bilhões durante os 3 primeiros trimestres desse ano. Enquanto a grande maioria
dos setores econômicos e camadas sociais sofrem as agruras da recessão e do desemprego,
o financismo só tem a comemorar ganhos mastodônticos.
Contribui para tal quadro a insistência do Comitê
de Política Monetária (COPOM) em manter a taxa de juros oficial nas alturas,
assegurando o vergonhoso título de campeão mundial no quesito por um longo
período de tempo, que promete se estender ainda mais em 2016. A SELIC a 14,25%
destrói a atividade econômica produtiva, explode as despesas financeiras do
setor público e quase não contribui para reduzir a inflação. Não fosse esta uma
razão suficiente para os ganhos bilionários da finança, o órgão regulador e
fiscalizador do sistema também fecha os olhos para a prática de spreads
abusivos e de tarifas elevadíssimas pelos serviços prestados à clientela. Ou
seja, o Banco Central se comporta como um agente a mais do sistema, ao invés de
proteger os elos mais fracos da cadeia e controlar o evidente abuso do
oligopólio do financismo.
A passividade com que o governo tem tratado o
dilema da economia impressiona os mais desacostumados a lidar com o tema.
Afinal, chama a atenção essa insistência repetitiva do discurso oficial do
“cortar, cortar e cortar”. O governo se
mantém com o foco em reduzir os gastos na área social e despesas correntes e
investimentos, como se a retomada dos investimentos dos empresários dependesse
dessa crença metafísica num índice de superávit primário a ser atingido no
resultado final das contas públicas.
Mudar o disco e dar a volta por cima.
Muito já se disse a respeito da falácia desse tipo
de raciocínio. Os investimentos virão se houver recursos para serem investidos,
se as taxas de juros forem suficientemente reduzidas para viabilizar os
empreendimentos produzidos e se houver expectativa de vendas para obtenção de
lucros. Simples assim. Com a economia descendo ladeira abaixo, o governo deve
atuar de forma vigorosa para reverter as expectativas, mas exatamente na
direção contrária do que vem fazendo até o presente momento.
No entanto há algo mais preocupante do que a
inevitável recessão a ser confirmada para o ano que se encerra no final do mês.
Trata-se da continuidade da retração da atividade econômica também ao longo de
2016. Nesse caso, estaríamos frente a um quadro nunca dantes visto na história
desse País: uma diminuição do PIB em dois anos consecutivos, fato nunca ocorrido
desde que o IBGE começou a oferecer tais estatísticas oficiais.
Assim, a situação exige o reconhecimento dos
equívocos cometidos até o momento e a necessidade urgente da mudança de rota.
Esse é o caminho para manter acesa a chama da esperança e seguir com o sonho de
construir um país justo e democrático. Afinal, como diz o samba de Paulo
Vanzolini:
“Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima”
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal.
Créditos da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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