Mesmo que a margem de lucro
esteja aumentando, a classe empresarial, ao sentir que sua taxa de lucro futura
está ameaçada, boicota a ordem econômica.
Renato Dagnino // www.cartamaior.com.br
Há estudos que mostram que a taxa
de lucro das montadoras instaladas no país é três vezes maior que nos EUA: aqui
é 10% e lá 3%. E isso seguramente afeta o lucro global dessas multinacionais.
Há indícios de que ela aqui esteja entre as maiores do mundo.
De fato, é de senso comum que a
opção investimento produtivo vs. aplicação financeira é condicionada pela
comparação da taxa de lucro com a taxa de juros. E dado que existem empresários
que investem na produção, apesar de há muitos anos termos aqui uma das maiores
taxas de juros, é provável que a taxa de lucro que auferem seja também uma das
maiores.
Essa constatação, embora seja
essencial para caracterizar a falsidade do argumento que embasa a oposição das
elites frente às políticas públicas implementadas na última década, não será
aqui explorada.
Vou me ater a algo mais
conjuntural. Vou tratar da “crise política” que as elites vêm “fabricando” no
último ano e pouco ao perceberem que essas políticas serão mantidas gerando uma
situação que as ameaça.
Inicio a abordagem, cujo caráter
reducionista e “economicista” é evidente, simplificando dois conceitos da
Economia Convencional.
Margem de lucro (ou mais
simplesmente, lucro): quantidade de dinheiro que “sobra” para o empresário
depois de vender seu produto (ou serviço) e pagar o custo daquilo que necessita
para produzir (matéria prima, energia, máquinas que se desgastam, e força de
trabalho).
A participação da força de
trabalho no custo total - o salário -, embora varie entre os setores
econômicos, é muito significativa quando avaliado para o conjunto da economia.
Todos os outros insumos que o empresário necessita incorporam o trabalho humano
(e o seu custo) na sua cadeia produtiva. E o que é dito sobre o impacto do
aumento no preço dos combustíveis no custo de praticamente todas as
mercadorias, é ainda mais notório no caso do salário.
A margem de lucro, que é tanto
maior quanto mais o empresário puder produzir e vender, é um elemento central
para tomar decisões sobre seu comportamento futuro.
Se sua expectativa individual
acerca de sua margem de lucro é alta, o que ocorre quando sua demanda vem
crescendo, ele prefere investir para ampliar sua capacidade produtiva a aplicar
no mercado financeiro.
Mas, como se sabe, essa decisão
não depende só disso. Para explicá-la preciso do segundo conceito considerado no
cálculo empresarial: a taxa de lucro.
Diferentemente da margem, que é
uma quantidade de dinheiro, a taxa de lucro é uma porcentagem. É um quociente
entre duas quantidades de dinheiro: a margem de lucro e a quantidade que o
empresário precisou gastar para produzir e vender.
Não por acaso, ela é muito
semelhante à taxa de juros, que é também um quociente; entre o juro e a
quantidade de dinheiro que ele aplica.
Quando o custo dos insumos para
produzir aumenta, o denominador do quociente aumenta: a taxa de lucro cai. E se
a expectativa do empresário sobre sua margem de lucro futura não é boa, se ele
prevê que ela não vá acompanhar o aumento de custo, se considera que sua taxa
de lucro pode diminuir, ele vai preferir a aplicação financeira ao investimento
produtivo.
Agora estamos prontos para
“modelizar” a partir desses conceitos, a “crise política” fabricada pela elite
empresarial.
O custo da força de trabalho vem
crescendo sistematicamente ao longo da última década em consequência de
políticas públicas que sobre ele incidem diretamente, como a que regula o
salário mínimo, ou indiretamente, como a da previdência social, da educação, do
Bolsa Família, etc. Isso levou a um aumento no custo de produção de bens e
serviços.
Mas, em função de um efeito tão
de senso comum quanto o que eu disse acima – o chamado multiplicador Keynesiano
-, essas políticas, junto com outras que ativaram setores como o da construção
civil, ao aumentarem a massa salarial, desencadearam o crescimento da demanda e
da produção fazendo com que aumentasse a margem de lucro; e que os empresários,
respondendo individualmente aos sinais do mercado, realizassem algum
investimento.
Como em muitos setores havia
capacidade produtiva ociosa, uma vez que a demanda ficou muito tempo estagnada,
os empresários não tiveram que investir pesadamente em máquinas e instalações
caras, o que levou a um aumento ainda maior da sua taxa de lucro.
Esse aumento foi além do setor
industrial; abarcou outros, como o financeiro e o agronegócio. E foi
potencializado por políticas defensivas em relação à crise global que incluíram
redução de impostos, não fiscalização da sonegação (que atinge 10% do PIB) e
por uma conjuntura favorável no mercado de commodities.
A bonança infiltrou-se,
inclusive, na “máquina pública”. Mas o impacto econômico positivo sobre o
empresariado foi sendo diluído à medida que se incorporaram entrantes – desde
multinacionais até “empreendedores” que saíram da informalidade -, que aumentou
a entrada de importações, que as políticas defensivas frente a uma crise global
em agravamento cobraram seu preço forçando ao aumento de tarifas, e que
arrefeceu a demanda internacional de commodities.
Situações como essa costumam
fazer com que, antes mesmo que caia a margem de lucro ou até independentemente
das expectativas individuais dos empresários, piore a avaliação que,
corporativamente, possuem acerca sua taxa de lucro futura.
Pelo menos três trajetórias - não
excludentes - são historicamente verificáveis: (a) se se mantiverem os
salários, diminui o investimento, o emprego e a demanda e aumenta a sujeição
nacional frente à cobiça globalizada e a instabilidade social: a cena será a de
um empate de “tragédia grega”; (b) se os empresários contarem com poder de
coerção ideológica ou física suficientes para a reduzir o salário, se eles (e o
Estado) investirem, e se for tecnologicamente possível gerar emprego, um cover
do malfadado general Médici irá repetir que “a economia vai bem mas o povo vai
mal”; (c) se for mantida ou aumentada a remuneração do capital financeiro (que
não se limita aos juros) o resultado será uma tragédia grega encenada numa
república de bananas com sério risco de “apodrecimento”.
Até aqui, supondo que existam
limites, estaríamos no terreno dos conceitos e tendências da Economia.
Adentrando ao da política (ou da Psicologia, como preferem alguns), é esperável
que quando os empresários, e não estou falando dos que escutam a mídia e sim
daqueles que a “constroem”, se deparam com a vitória de uma coalizão cuja
promessa eleitoral implica um aumento do salário, ocorra uma “greve dos
investidores”.
Ocorre o que os marxólogos chamam
de uma “resposta de classe”. O comportamento do empresariado (da classe
empresarial, ou o que eles chamam de “classe capitalista”) deixa de ser um
agregado de reações individuais aos sinais de mercado. Passa a ser resultante
de uma intenção da elite de inviabilizar pelos meios alcançáveis o cumprimento
de promessas que a prejudica. Dizem eles, que numa “crise de realização do
capital” (e elas seriam normais e periódicas no capitalismo), o empresariado
ultrapassa aqueles limites. Deixa de responder ao mercado (mesmo quando seus
sinais sejam positivos) e substitui seu horizonte de curto prazo - da economia
-, pelo de longo prazo - da política. Deixa de se preocupar com movimentos
táticos adequados para as batalhas individuais em busca de lucros
extraordinários que ocorrem em seu seio e concentra-se nos movimentos estratégicos
necessários para vencer a guerra contra o que marxólogos consideram ser o seu
“inimigo principal”, a “classe trabalhadora”.
Voltando a conceituação que
estamos usando: o empresariado passa a se preocupar muito mais com sua taxa de
lucro do que com sua margem de lucro. Mesmo que esta esteja aumentando e tenda
a crescer, a classe empresarial, ao sentir que sua taxa de lucro futura está
ameaçada, boicota, às vezes até de uma forma suicida que vai além de “deixar os
bois no pasto”, a ordem econômica que criou para atender seus interesses.
O que interessa à elite golpista
implica, num estilo “ovo e galinha”, a fabricação econômica e potencialização -
midiática e política - da crise, é a desestabilização do País e do seu governo.
Mas ela não irá contar com a conjuntura – nacional e internacional - que
possibilitou o “milagre econômico” que o golpe cívico-militar engendrou à custa
da repressão e do arrocho salarial. O resultado tenderá a ser uma cena que
combina as piores características das outras três e que nem para o empresariado
é desejável.
A resposta que brasileiros e
brasileiras têm dado aos repórteres que perguntam sobre sua expectativa para
2016 – um país melhor para todos – deixa claro que há quem esteja desejando e
parindo trajetórias e cenas alternativas.
Se o leitor quiser entre em contato
(rdagnino@ige.unicamp.br), que envio uma avaliação sobre elas que tenho
preparada.
Créditos da foto: Comunicação
Volkswagen do Brasil
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