Medidas penais têm sido indevidamente
infligidas contra artistas, jornalistas, intelectuais e estudantes que atém-se
ao simples exercício da crítica.
PROLUTA/UFG // www.cartamaior.com.br
Em Goiânia, estudantes, servidores da
educação, artistas e intelectuais adeptos de diferentes concepções
político-sociais, definidos por pluralidade e horizontalidade em suas relações
recíprocas, ocuparam as dependências da Secretaria Estadual de Educação e
Cultura do Estado de Goiás. O protesto somou-se a inúmeras outras ações que têm
ocorrido em oposição à gestão privada do ensino médio estadual, o que se
efetivará por meio de organizações sociais. Desde o notório malogro pedagógico
e gerencial das charter schools nos EUA, seguindo-se pelo descompasso entre os
recursos que o Governo pretende dedicar às escolas que serão privatizadas em
relação às efetivamente públicas, chegando-se às incontáveis
inconstitucionalidades e ilegalidades que diversos juristas identificam no
modelo que se pretende estabelecer, há inúmeras razões e fundamentos para os
eventos de protesto em curso.
Este texto, contudo, cinge-se a
uma outra questão, ainda mais simples e séria. Não é necessário objetar o
modelo de gestão escolar proposto pelo governo goiano e, tampouco, aquiescer
aos métodos e repertórios de luta social eleitos pelos ativistas para se rechaçar,
com toda a veemência necessária, a criminalização de opositores políticos e o
sistemático vilipêndio aos direitos civis nesta unidade federativa. Em Goiás,
desde 2013, medidas penais têm sido indevidamente infligidas contra artistas,
jornalistas, intelectuais, estudantes e toda uma gama de pessoas cuja atuação
atém-se ao simples exercício da crítica e da contestação.
Ontem, um novo e gravíssimo
capítulo nesse roteiro teve lugar. No contexto de desocupação coercitiva da
Secretaria de Educação, as forças de segurança atuaram de modo incompatível com
o seu papel em um regime democrático, ao procederem ao seguinte:
1) Um professor da UFG, Rafael
Saddi, que não participava do movimento de ocupação, ingressou nas dependências
da Secretaria de Educação com o exclusivo objetivo de acompanhar a negociação
entre Estado e ativistas, com vistas a uma mediação. O docente foi preso,
algemado e, enfim, acusado de crimes como dano qualificado e corrupção de
menores. Neste momento, ele se encontra detido na carceragem de uma delegacia
de polícia.
2) Um estudante de comunicação da
UFG, Lucas de Oliveira, reconhecido nacionalmente por suas produções
audiovisuais no canal “Desneuralizador”, estava apenas filmando, como sempre
faz, os episódios ocorridos na última noite, quando foi preso e, igualmente,
acusado de dano e corrupção de menores.
3) Durante as ações de retirada
coercitiva das/os ativistas, as forças de segurança do estado de Goiás
impediram a presença de advogadas/os, recusando-se a cumprirem a lei (art. 7o
da Lei 8.906) e a autorizarem o livre ingresso dos defensores das/os
manifestantes. A arbitrariedade em questão não se interrompeu sequer com a
chegada ao local do presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas da
OAB-GO.
4) As/os ativistas, 13 menores e
18 maiores, foram conduzidos/as para a Delegacia de Repressão às Ações
Criminosas Organizadas, cuja sede fora isolada com um portentoso cerco
policial. A Delegacia em questão, que não funciona no período noturno, esteve
em atividade por toda a madrugada, com exclusivo objetivo de receber as/os
manifestantes. Sim, em Goiás a divergência política manifestada como ação
coletiva é caracterizada como crime organizado. Nos últimos anos, a delegacia
em questão, cuja eficiência é mínima no combate a condutas como sonegação
fiscal ou corrupção, prendeu e indiciou estudantes, jornalistas, intelectuais e
artistas. Gravuras, livros e desenhos já chegaram a ser apresentados como
provas da “criminalidade organizada” em Goiás. Não é necessário profundo conhecimento
de história para se concluir que, quando o dissenso político é classificado
pelo Estado como crime organizado, a democracia há muito já evanesceu.
5) A atécnica e antijurídica
imputação do crime de “corrupção de menores” às/aos ativistas reveste-se de um
grave significado político: a solidariedade ou apoio às iniciativas autônomas
das/os jovens secundaristas em defesa da escola pública poderá ser, em Goiás,
criminalizada. Trata-se de uma rudimentar aplicação da divisa “dividir para
governar”.
O Núcleo de Pesquisas sobre
Ativismo em Perspectiva Comparada da UFG – PROLUTA - repudia o desrespeito aos
direitos civis e à divergência democrática que tem ocorrido em Goiás.
Insistimos que, inobstante o acordo ou divergência em relação às demandas e
táticas de luta dos ativistas, uma premissa deve ser urgentemente
restabelecida: a oposição política não é uma questão de direito penal. Os
nossos estudos sobre protesto social e ativismo dedicam-se à comparação entre
diversas épocas e países. No amplo conjunto de casos considerados em nossas
pesquisas científicas, encontramos uma regularidade: de Gadaffi a Mubarak, de
De La Rua a Pinochet, o uso da força e da coerção criminal contra opositores é,
sempre, inversamente proporcional à legitimidade e ao respeito dedicado pelo
povo aos seus governantes.
Créditos da foto: reprodução
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