segunda-feira, 18 de abril de 2016

Nas entrelinhas do impeachment

MARCELO RUBENS PAIVA // http://cultura.estadao.com.br/

O Brasil conheceu seu Congresso.
Viu nele uma religiosidade estranha à política.
Viu Deputados Federais com bandeiras de seus Estados homenageando filhos, netos, tios, pais, avós, esposas.
E representantes da Federação se lembrarem de suas cidades, pouco republicano.
Viu crianças no recreio jogar papel picado, portar cartazes com grosserias, como “Tchau Querida”, vaiar, xingar, fazer careta, cuspir, e teve muita, mas muita vergonha alheia.
Vergonha alheia republicana.

Viu a traição de homens que até semana passada faziam parte do governo que impeachava.
Viu gente pedir Diretas Já, quando as tivemos há um ano e meio e cassaram a vencedora.
Viu condenados de foro privilegiado votar em nome da moralidade e contra a corrupção.
Dos 513 deputados da casa, 299 têm ocorrências judiciais, 76 já foram condenados; 57 parlamentares são réus do Supremo, inclusive o que presidiu a sessão.
Viu a plataforma LUPA NEWS [www.lupanews.com ou @lupa] em tempo real mostrar quantas condenações tinha cada votante.
Veja aqui detalhes:
http://revistapiaui.estadao.com.br/lupa/wp-content/uploads/sites/24/2016/04/Dos-513-299-tem-1.131-registrosVALEESTE.pdf
Viu aliados em anos de parceria se dizerem estranhos ao governo.
Viu ministros da sexta-feira votarem contra o governo no domingo.
Viu o vice-presidente, Temer, festejar e sorrir pela derrota da sua companheira de chapa.
Viu um deputado carioca homenagear o maior torturador que São Paulo já conheceu.
Viu um homossexual declarado ser xingado de “baitola” enquanto votava e devolver com uma cusparada.
Viu Silvio Santos do SBT ignorar a sessão, apresentar seu show de calouros e derrubar a audiência da Record, emissora que a transmitiu.
Viu a esperança de que a corrupção acabará no Brasil.
Viu apresentadores de TV afirmarem “falta pouco para conseguirmos o impeachment”.
Viu o antigo PCB e o atual PSB votar com a direita.
Viu vítimas do Golpe de 64, como Guel Arraes e Tancredo Neves, servirem de inspiração para se votar pelo impeachment.
Viu a festa que fez Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SDD-SP). Em setembro de 2015, o STF decidiu aceitar denúncia e abrir ação penal contra o deputado, por se beneficiar de desvios do BNDES.
Viu as incongruências regionais [estados inteiros, como PR e MG, votarem pelo sim, e BA votar pelo não].
Viu incongruências pessoais, como a de Arnaldo Jardim (PPS-SP), antigo militante estudantil [o Chefão, da Refazenda], parceiro de Aloizio Mercadante, votar contra Dilma.
Ou Raquel Muniz (PSD-MG) homenagear o marido, votar pelo afastamento, dizer que o “Brasil tem jeito”, e testemunhar hoje, 12 horas depois, a prisão do marido, Ruy Borges Muniz (PSB), prefeito de Montes Claros, por fraudes para favorecer hospitais privados, pela Polícia Federal, na Operação Máscara da Sanidade II – Sabotadores da Saúde.
Viu Paulo Maluf, condenado até pela justiça francesa, a três anos de prisão, a votar.
Bruno Araújo, do PSDB, apareceu em planilha de pagamentos do ‘departamento de propina’ da empreiteira que está na mira da PF.
O deputado tucano, que deu o voto derradeiro [342] pelo impeachment, está na planilha da Odebrecht.
Por isso foi às lágrimas no púlpito?
Este é um dos muitos detalhes que foi ofuscado pelo espetáculo da sessão de ontem, que votou pela continuação do impeachment e que coincidentemente atravessou o Fantástico, o Show da Vida.
É preciso corrigir os rumos desta democracia.
Dar lógica à vida política.
E estabilidade.

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