sábado, 11 de junho de 2016

CHAVE PARA A RESISTÊNCIA GLOBAL - Rejeição ao livre-comércio

Os operários, cujos salários foram reduzidos graças à chantagem do desemprego e da relocalização de empresas (transferência das plantas para o exterior), não estão sozinhos na rejeição ao livre-comércio. Os ecologistas, os agricultores e os consumidores se uniram a eles.

por Serge Halimi // http://www.diplomatique.org.br/

Os manifestantes franceses reunidos pelo movimento Nuit Debout [Noite em pé] esperam que uma “convergência de lutas” lhes permita ampliar sua audiência a participantes menos jovens, menos estudados, e inserir-se em uma dinâmica internacional. Uma de suas palavras de ordem poderia favorecer esse duplo objetivo: a recusa aos tratados de livre-comércio.1

Os meandros dos acordos comerciais desencorajam frequentemente as mobilizações, pois é difícil determinar qual etapa deve ser vigiada de perto e descobrir qual dispositivo de aparência técnica dissimula uma bomba social. Contudo, apesar do empenho dos dirigentes, dos empresários e da mídia em seu favor, a hostilidade contra eles vai aumentando. As mobilizações contra o Grande Mercado Transatlântico (GMT, ou Tafta, em inglês) são imponentes na Alemanha e na Bélgica.2 Nos Estados Unidos, todos os principais candidatos à presidência passaram a condenar a Parceria Transpacífica (TPP, em inglês). Ora, desde o fim da Segunda Guerra Mundial o império norte-americano desempenhou um papel de vanguarda na liberalização do comércio. A esse respeito, a concordância de pontos de vista tem sido quase absoluta entre os sucessivos locatários da Casa Branca, democratas ou republicanos, de John Kennedy a Ronald Reagan, de George W. Bush a Barack Obama. De repente, a locomotiva liberal parou.

Alegando que “as empresas interessadas unicamente em baixos salários já se foram”, Obama não convenceu ninguém. É que os acordos comerciais anteriores deviam já ter trazido empregos em grande número e bons salários... Não espanta, pois, que homens tão diferentes quanto Donald Trump e Bernie Sanders tenham lucrado eleitoralmente falando mal desses acordos. Hillary Clinton, então, viu-se coagida a retirar o apoio que dera ao TPP quando era secretária de Estado de Obama. Por seu turno, François Hollande apressou-se a mudar de opinião sobre o GMT, cuja conclusão, há dois anos, esperava acelerar...

Os operários, cujos salários foram reduzidos graças à chantagem do desemprego e da relocalização de empresas (transferência das plantas para o exterior), não estão sozinhos na rejeição ao livre-comércio. Os ecologistas, os agricultores e os consumidores se uniram a eles. Também os funcionários públicos, incluindo os bombeiros, se mobilizam, a ponto de um dirigente patronal norte-americano não se conter: “Nenhum deles enfrenta a concorrência das importações, mas seu sindicato se mostra solidário com os outros”.3 A entidade que organiza os bombeiros compreendeu que não conseguirá defender por muito tempo as garantias e os direitos de seus 2 milhões de membros se os direitos e garantias dos outros assalariados continuarem minguando. E eles sabem que a substituição de empresas que pagam impostos por indústrias improdutivas cerceará os orçamentos municipais, ameaçando muitos de seus quartéis. Em suma, nesse campo a convergência das lutas existe e já deu seus primeiros frutos.

Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

Ilustração: Jacques-BILLAUDEL/ cc

1 Ver o dossiê “Les puissants redessinent le monde” [Os poderosos remodelam o mundo], Le Monde Diplomatique, jun. 2014.

2 Ver “Ces Européens qui défient le libre-échange” [Esses europeus que desafiam o livre-comércio], Le Monde Diplomatique, out. 2015.

3 Noam Scheiber, “Labor’s might seen in failure of trade deal as unions allied to thwart it” [A força do trabalho promovendo o fracasso do acordo comercial, com os sindicatos se unindo para frustrá-lo], The New York Times, 4 jun. 2015.

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