terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Perdedores da globalização caem no conto do vigário populista

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Momento perigoso nos países ricos ocidentais. A cada pleito, partidos e candidatos extremistas – de direita ou de esquerda – ganham ou chegam muito perto. Estados Unidos, Grã-Bretanha, Grécia, Polônia, Hungria, Itália: a lista é longa. A Espanha viveu um ano sem governo e a Bélgica, dois. A Áustria foi uma boa surpresa, mas o candidato populista e xenófobo não está longe.

É como se o modelo de democracia parlamentar não desse mais conta do recado. “Insurreição eleitoral” dos povos contra as elites, teorizam alguns. Mas o fenômeno é mais uma metade de “povo” rejeitando a outra. E as famosas “elites” no meio, sem saber o que dizer ou fazer. Basta ver os resultados eleitorais, sempre extremamente apertados. E constatar que parte importante da população nem se digna a ir votar.

O perigo é que a democracia parlamentar só pode prosperar se uma grande maioria dos cidadãos aceita a alternância no poder e acredita nas instituições, mesmo quando o adversário político sai vencedor. A ideia é que o partido que ganha vai tentar aplicar o seu programa, mas também vai levar em conta a oposição. E que na próxima eleição vai ser possível trocar as cadeiras.

Este modelo vem funcionando nos Estados Unidos há mais de um século e meio, e na Europa ocidental desde o final da Segunda Guerra Mundial. Mas só é possível se houver dinamismo econômico gerando empregos, salários, proteção social, liberdade de expressão e otimismo para a grande maioria da população. De maneira que até em período de crise, os cidadãos acreditem que há luz no fundo do túnel.

Fundamentalmente, o sistema político democrático depende da chamada “economia social de mercado”: produtos fabricados em massa e acessíveis à massa de trabalhadores consumidores com bons salários e protegidos por generosas políticas sociais. Essa receita foi implantada nos Estados Unidos a partir da grande crise dos anos 1930, e na Europa ocidental depois de 1945 e os horrores da guerra. Mas foram necessárias catástrofes que levaram à falência – e até liquidaram fisicamente – uma parte das elites tradicionais.

As classes políticas americana e europeia estão numa sinuca

Hoje, esse modelo de produção de massa para o consumo de massa, depois de ter se espalhado pelo mundo inteiro, chegou no limite. Graças à revolução tecnológica uma nova maneira de produzir e consumir está aparecendo: uma produção customizada, baseada na inovação permanente, e um consumo também customizado, personalizado, dando prioridade aos serviços e aos bens imateriais. As velhas indústrias estão perdendo rapidamente a capacidade de competir. Ou fecham, ou entram na corrida tecnológica, robotizando a produção.

O resultado é o desaparecimento, cada vez mais rápido, dos empregos industriais e serviços anexos tradicionais. Operários e empregados, a pequena classe média industrial, estão perdendo pé, enquanto uma nova classe média urbana, diretamente conectada às tecnologias da informação e comunicação, encontra fartura de empregos, bem pagos e consome serviços de qualidade. E sem possibilidade de voltar atrás. Os perdedores, desesperados, caem no conto do vigário de demagogos que prometem fechar as fronteiras e salvar todas as velhas indústrias e comércios ultrapassados.

Nos Estados Unidos, nas velhas regiões rurais e periurbanas, os que foram passados para trás votaram em Trump. Mas nas grandes cidades modernas e cosmopolitas, escolheram Hillary. Essa divisão geográfica também aconteceu na Inglaterra e aparece na Europa inteira. E vem minando os fundamentos da democracia parlamentar estabelecida.

As classes políticas americana e europeia estão numa sinuca. O novo modelo de produção e consumo é globalizado. Impossível retornar à plena soberania nacional. Os governos não tem mais nem condições, nem instrumentos, para administrar, no âmbito nacional, essa trincheira que vem se alargando entre as grandes cidades e o resto do país.

O avanço dos populismos passadistas precipitaria os países na crise e na miséria – a velha indústria não vai renascer. Mas se não houver soluções para a massa de perdedores, a vitória das camadas urbanas que vivem na nova economia só poderá se consolidar com regimes autoritários e repressivos. Nos dois casos, seria o fim da democracia ocidental.
Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica para a RFI às segundas-feiras

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