quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Os protestos dos Oromos mudaram a Etiópia

Esse movimento já mudou a Etiópia. Trouxe mudanças de atitude e discurso, repudiando as tendências ideológicas e políticas do estado autoritário

                   Awol Allo, Al Jazeera - www.cartamaior.com.br

De 21 de novembro de 2016

12 de novembro de 2016 marcou o primeiro aniversário dos protestos dos Oromos, um movimento não institucional e anti-autoritário pedindo pelo fim de décadas de exclusão sistêmica e subordinação do povo Oromo.

Mesmo os protestos tendo iniciado por um plano do governo de expandir os limites territoriais e administrativos da capital do país, Addis Ababa, para as cidades vizinhas de Oromo e outras vilas, eram manifestações de antigos descontentamentos étnicos enterrados sob a superfície.
Os Oromos são o maior grupo étnico da Etiópia e do leste da África, somando mais de 35% dos 100 milhões etíopes. Ainda assim, os Oromos têm sido objeto de discriminação e vigilância desproporcional, policiamento, condenações e aprisionamento sob o disfarce de segurança e desenvolvimento econômico.

Os protestos de um ano, que levaram décadas de sofrimento escondido e abusos às ruas da Etiópia, foram realizados no que o Human Rights Watch chamou de “inexistência quase total de espaço político”.

Enquanto os protestos cresciam em magnitude e intensidade, o governo respondeu com força desproporcional e esmagadora, lançando o que a Anistia Internacional chamou de “um ciclo vicioso de protestos e derramamento de sangue totalmente evitável”.

O fracasso do governo de responder às reclamações de longo-prazo e a aplicação de violência desproporcional que matou centenas, exacerbou a tensão, transformando o que era um protesto de um assunto, em um movimento de massa formidável e anti-autoritário.

Os protestos alcançaram um ponto de reviravolta em seis de agosto de 2016, quando centenas de milhares de pessoas marcharam em mais de 200 cidades para resistir à repressão draconiana crescente do governo.

Outro evento importante aconteceu em dois de outubro de 2016, quando forças de segurança lançaram gás lacrimogêneo e balas de verdade em uma multidão de mais de dois milhões de pessoas que celebravam o Irreecha, um festival cultural no qual os Oromo de todas as idades celebram a vida e a natureza. Enquanto o governo reconheceu a morte de 52 pessoas, relatos locais dizem que o número estava na casa das centenas.

Estado de emergência

Em nove de outubro de 2016, o governo declarou estado de emergência, dando às forças de segurança e ao exército novos poderes em um dos países mais censurados do mundo, onde o aparato de segurança já é extensivo e permeia todos os níveis de estruturas sociais, incluindo lares individuais.

O governo bloqueou a internet dos celulares, restringiu as redes sociais, baniu protestos, encerrou a transmissão e impressão de mídia, incluindo a revista influente Addis Standard, e impôs restrições draconianas em todas as liberdades políticas.

Em seu recente relatório analisando o efeito da emergência, o Human Rights Watch descreveu as medidas como securitização de reclamações legítimas.

De acordo com os números do próprio governo, mais de 11,000 pessoas foram presas desde que a emergência foi imposta.

Sob lei internacional, os estados podem impor restrições ao exercício de direitos e liberdades “em tempos de emergência pública ameaçando a vida da nação”. No entanto, um estado de emergência não dá carta branca aos governos para fazerem o que quiserem.

Os governos só podem aplicar medidas necessárias e proporcionais à ameaça. As medidas sendo tomadas pela Etiópia vão muito além do que é exigido pelas circunstâncias.

Em nome do desenvolvimento econômico e da segurança nacional, se estabeleceu um estado de emergência permanente para obscurecer a falta de comando democrático, tornando o “desenvolvimento” e a “segurança” os padrões principais da legitimidade do regime.

Protestos dos Oromo nas Olimpíadas do Rio

Os protestos conquistaram proeminência global quando Feyisa Lilesa, um maratonista Oromo, cruzou os punhos acima da cabeça formando um “X”, gesto que veio a definir os protestos dos Oromos, enquanto cruzava a linha de chegada nas Olimpíadas do Rio para ganhar a medalha de prata.

Se os protestos dos Oromos são uma batalha de idéias, uma competição entre os que buscam oportunidades iguais e os que negam essas oportunidades, um conflito entre balas e canções de liberdade, também é uma batalha de controle de narrativa.

Acesso desigual a educação e aos meios da produção de narrativas, excluíram os Oromos dos padrões de conhecimento, os tornando invisíveis e imperceptíveis, e condenando sua cultura e identidade a uma existência precária e subterrânea. As Olimpíadas reconfiguraram essa dinâmica.

A intervenção decisiva de Lilesa em um dos maiores palcos do mundo chamou atenção à história de opressão que permanecia invisível à mídia tradicional.

De repente, a história dos Oromos foi da periferia do discurso político da Etiópia para o centro. Enquanto a mídia filtrava a história dos Oromos na consciência pública global através da expressão de solidariedade de Lilesa, forneceu uma perspectiva reveladora da ficção que está sob a reputação do país, como um baluarte de estabilidade e sucesso econômico.

Conquistas

Esse movimento já mudou a Etiópia para sempre. Trouxe mudanças de atitude e discurso na sociedade do país, repudiando as tendências ideológicas e as políticas do estado. Permitiu que a sociedade visse o governo, suas instituições, seus símbolos e seus apoiadores ocidentais de uma maneira diferente.

Tópicos que eram considerados um tabu há um ano atrás, como a supremacia étnica da elite Tigrean, não são mais. Permitiu que o sofrimento falasse.

Um ano depois de os protestos iniciarem, e depois de centenas de funerais, o que permanece na memória dos manifestantes não são os mortos. Não são os enlutados. É a persistência teimosa da batalha em face a grande sacrifícios, e os pedidos desafiadores por igualdade e justiça.

O governo sabe que andou para a beira do precipício. Mas, se falhar em atuar na reclamações dos manifestantes, se continuar a ignorar o tecido social rasgado pelas políticas de divisão e comando, se não fornecer justiça aos enlutados mortos pelas forças de segurança, mergulhará no precipício.

Créditos da foto: Al Jazeera

Nenhum comentário:

Postar um comentário

12