domingo, 8 de janeiro de 2017

Quem lucra com a desumanização dos presídios

"Ninguém é santo mesmo! Mas que sofram aos miseráveis carbonizados, esquartejados, e suas famílias, afinal, não são considerados humanos".
 
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Foto: Agência Brasil/ Antonio Cruz
 
 
 
Sem alimentar a indústria do crime, não teremos a audiência no noticiário, polícia, salários exorbitantes do judiciário. Não precisaremos construir presídios, sistemas de segurança e ter contratos sem licitação. Os presos, por sua vez, para se manterem vivos, não precisariam aliar-se às facções dentro dos presídios, outro ramo dessa indústria lucrativa
 
Por Velci Muniz Vieira*, especial para os Jornalistas Livres
 
Como advogada criminalista, testemunho o horror da grande maioria dos presídios para onde são destinados aqueles que, condenados ou não, deveriam estar sob a custódia do Estado.
 
Temos a quarta maior população carcerária do mundo. Adotamos a política de tolerância zero, que criminaliza a pobreza, os movimentos sociais, as minorias, o consumo de drogas, enfim, tudo o que puder gerar novos clientes para os lucrativos presídios privados. Temos veículos de comunicação de massa aliados dessas políticas e que, diuturnamente, alimentam ódio, discriminação e preconceito.
 
Enfim, está tudo dominado!
 
Todos estão lucrando, afinal, sem alimentar a lucrativa indústria do crime, não teremos noticiário policial que dá audiência. Não teremos polícia, juízes, salários exorbitantes membros do Ministério Público, desembargadores. Não precisaríamos construir presídios, sistemas de segurança e das inúmeras contratações sem licitação.
 
A classe média e as elites principalmente apoiam esse sistema de higienização social. Querem as ruas limpas de mendigos, pobres, crianças, adolescentes, negros, prostitutas, enfim, tudo que não seja do seu mundo consumista, elitista e limpo.
 
Acontece que, vez ou outra, essa ralé resolve implodir o sistema — que, convenhamos, é uma bomba em permanente estado de explosão. A sociedade de modo geral não entende o motivo para essa corja manifestar-se.
 
E não se trata de um problema só de Manaus. Em Santa Catarina, onde atuo, presenciamos situações semelhantes há dois anos. Nessas ocasiões, os pleitos dos presos raramente são legítimos para a opinião pública.
 
Há quem nem considere preso um ser humano — e aí se inclui muita gente que se considera cristã. E quando aparecem grupos defendendo alternativas contra o encarceramento em massa, vozes se levantam com maior força, como a do atual Ministro da Justiça. Dizem que é preciso manter o sistema e construir mais e mais presídios.
 
Sem essa fonte econômica rentável, essa gente toda ficaria sem emprego. É preciso alimentar esse regime desumano, porém que gera lucros. Como declarou o governador do Amazonas ao se referir aos presos mortos: “lá não tinha nenhum santo”.
 
Em tempos de delação da Odebrecht, perdemos a ingenuidade sobre como são feitos os desvios de verba nos contratos públicos, afinal, nós, por exemplo, da cidade de Lages, temos um prefeito, um governador e um presidente citados nas delações por receberem verbas não declaradas de empresas. Ninguém é santo mesmo! Mas que sofram aos miseráveis carbonizados, esquartejados, e suas famílias, afinal, não são considerados humanos.
 
O problema é que, volta e mexe, o sistema também pode se voltar contra quem tanto o defende. Ninguém está livre do risco de ter um familiar em desgraça após cometer um delito e ficar sem dinheiro para bancar um bom advogado que o resgate das verdadeiras masmorras em que se transformaram as carceragens no país.
 
Só assim poderão enxergar o problema do sistema prisional brasileiro, no qual o Estado não oferece sequer segurança àqueles que estão sob sua custodia. E, para se manter vivos, os detentos urgem aliar-se as facções dentro dos presídios, um outro ramo dessa indústria lucrativa.
 
*Velci Muniz Vieira é criminalista e atua principalmente em crimes contra a vida (Tribunal do Juri). Por oito anos foi advogada dativa na comarca de Joinville (SC). Dativo é o nome dado aos advogados que atuam, por indicação da Justiça, na defesa do cidadão comum em locais que onde não há Defensoria Pública.

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