sexta-feira, 17 de março de 2017

Tarja preta e Gilmar são retrato da nossa justiça


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Será que ainda existe alguém hoje que confia na Justiça brasileira? Existe: Temer, seus ministros, figurões do PMDB e os tucanos. Depois da decisão do ministro Heman Benjamin de esconder, com uma tarja preta, o nome do senador Aécio Neves nos depoimentos de delatores da Odebrecht ficou claro, até para um cego, a gritante parcialidade do Judiciário. Essa tarja indecente e vergonhosa, que agride o povo brasileiro, é mais um artifício utilizado por membros do Judiciário para esconder dos olhos da Nação os corruptos tucanos de alta plumagem. Parece que o sigilo determinado para delações que atingem figurões do governo e do tucanato não foi suficiente para protegê-los, recorrendo-se agora à tarja como mais um recurso para preservá-los. Vergonhoso também é que nunca tiveram a mesma preocupação com relação a petistas e, sobretudo, a Lula, que teve divulgado até o conteúdo do grampo ilegal da sua conversa com a ex-presidenta Dilma Roussef.

A tarja preta, obviamente, não absolve os beneficiados, mas contribui para aprofundar o descrédito da Justiça que, sem o menor pudor, a todo momento escancara a sua escandalosa parcialidade. E isso em todos os níveis do Judiciário. Agora mesmo o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, depois de participar de uma reunião com Michel Temer e os presidentes da Câmara e Senado, Rodrigo Maia e Eunicio de Oliveira, todos acusados de corrupção, ofereceu um jantar a eles e mais José Serra, Aécio Neves, Agripino Maia e outros do mesmo time de investigados, deixando o país estarrecido. Gilmar, pelo visto, perdeu completamente a compostura. Num país civilizado, ninguém consegue conceber um juiz que julga os crimes de corrupção confraternizando com os acusados. Parece, porém, que no Brasil tudo é possível.

Como se recorda, o ministro Gilmar Mendes, que sempre se mostrou rigoroso quando os acusados eram petistas (chegou a dizer certa vez que não adiantava recorrer a Deus ou ao diabo), anulou a nomeação de Lula para a Casa Civil da presidenta Dilma sob a alegação de "desvio de finalidade", ou seja, o ato teria o objetivo de obstruir a justiça, na medida em que daria foro privilegiado ao ex-presidente operário. Na verdade, foi uma decisão eminentemente política, que atropelou a Constituição, cujo texto assegura ao Presidente da República o direito exclusivo de nomear seus auxiliares. Tanto isso é verdade que, em caso semelhante, o ministro Celso de Mello manteve a nomeação de Moreira Franco para o ministério de Temer. Com essa decisão o decano do STF confirmou o ato político do seu colega Gilmar, que parece ter resolvido agora, com seus frequentes encontros com Temer, escancarar de vez o seu ativismo político-partidário.

Aproveitando um termo muito usado hoje pelos magistrados e membros do Ministério Público, outra evidência do ativismo de Gilmar é a sua repentina mudança de posição em relação ao Caixa 2. Até antes do vazamento das delações acusando o senador Aécio Neves de uso do Caixa 2, o ministro afirmava que essa prática era crime. Agora, sobretudo depois que o ex-presidente Fernando Henrique veio a público para defender o presidente nacional do PSDB, Gilmar passou a dizer que não é bem assim, tentando descriminalizar esse tipo de prática eleitoral. Foi contestado, entre outros, pelos seus colegas Luis Barroso e Marco Aurélio Mello, que afirmaram que Caixa 2 é crime, sim. Até o jornalão dos Marinho, que apoiou o golpe e se esforça para blindar Temer e Aécio, afirmou em editorial, sob o título de "Não existe Caixa 2 do bem", que "as leis são claras. As interpretações é que são de conveniência". Disse tudo. São as interpretações de conveniência que estão levando o Judiciário a uma situação de completo descrédito. O ministro Celso de Mello, que não faz muito tempo acusou o governo Dilma de estar vivendo "uma crise moral", bem que poderia adaptar a expressão agora ao próprio Judiciário.

O fato é que o comportamento político-partidário do Judiciário, evidenciado em decisões, entre outros, do juiz Sergio Moro, da Lava-Jato, e do próprio Supremo Tribunal Federal, o que permitiu a execução do golpe de 2016, já ficou tão claro que ninguém mais se surpreende, por exemplo, com a desenvoltura com que o ministro Gilmar Mendes transita pelo Palácio do Jaburu e participa de encontros convocados por Temer com auxiliares e aliados corruptos. Ao mesmo tempo, ninguém se surpreende também, embora indignado, com a perseguição a Lula, transformado em réu em vários processos sem nenhuma justificativa convincente. Ainda esta semana prestou depoimento no processo em que é acusado de tentar impedir Nestor Cerveró de fazer a sua delação, o que foi enquadrado como tentativa de obstrução à Justiça. Virou réu com base única e exclusivamente numa delação do ex-senador Delcidio do Amaral. O mesmo critério não foi adotado, por exemplo, no caso, entre outros, de Aécio Neves, José Serra, Eliseu Padilha, etc, alvos de delações sobre o recebimento de propinas milionárias. Se isso não for parcialidade, que classificação se poderia dar a esse comportamento diferenciado?

Nenhum brasileiro que tenha senso de justiça consegue ficar indiferente a esse comportamento do Judiciário que, junto com a destruição do país pelo governo Temer, nos envergonha lá fora. A chanceler da Venezuela, aliás, já disse que o Brasil hoje é uma "vergonha mundial". Na verdade, depois do golpe de 2016 o Brasil virou um país surreal. Aqui, corruptos, com o apoio do Congresso, do Judiciário e da mídia, destituem uma presidenta honesta e se aboletam no governo. Aqui um juiz de primeira instância é a autoridade mais poderosa do país. Aqui um juiz que julga os crimes de corrupção oferece jantar e confraterniza com os acusados desses crimes. Aqui se combate a corrupção, mas a prisão dos acusados é definida por sua filiação partidária. Aqui a imprensa não informa, faz política. Se fosse possível, o ideal seria redescobrir o país, passar uma borracha que pudesse apagar tudo – Executivo, Legislativo e Judiciário – e começar uma nova vida do zero, com novos governantes, parlamentares e magistrados efetivamente comprometidos com os interesses maiores do país e do seu povo. Ah, e também uma nova imprensa, que limite ao editorial a sua posição político-partidária, cumprindo com honestidade a sua sagrada missão de informar. Esse Brasil, porém, é só um sonho.
Ribamar Fonseca

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