segunda-feira, 1 de maio de 2017

A CIA E A INSTABILIDADE NA AMÉRICA LATINA

Dez intervenções da CIA na América Latina



Reprodução
Invasão no <i>Palacio La Moneda</i> no ChileInvasão no Palacio La Moneda no Chile

Outro método é a infiltração em setores sociais para causar desestabilização, incitar a violência e causar crises sociais e econômicas. Mecanismo que está sendo usado atualmente na Venezuela para aprofundar a crise social e desestabilizar o presidente Nicolás Maduro. O Wikileaks divulgou uma série de documentos que comprovam o sistema operacional da CIA em diversos países. 

Telesur selecionou dez exemplos na América Latina: 
1 – Guatemala em 1954

Em 1944, a violenta e sangrenta ditadura de Jorge Ubico, apoiada pelos Estados Unidos, foi derrubada por um levante popular farto das brutais injustiças. Na verdade, o país havia sido governado até este momento pela The United Fruit Company, uma companhia marionete de Washington que escravizou a população. Retiraram as terras dos camponeses e os obrigaram a trabalhar por migalhas. Quem não obedecia era brutalmente castigado por uma força policial sob as ordens da empresa agrícola norte-americana. 

A tranquilidade voltou à Guatemala, mas durou 10 anos somente antes o presidente Dwight Eisenhower implementar um plano para derrubar o governo. Em 1954, a CIA lançou PBSucess. A capital guatemalteca foi bombardeada por aviões estadunidenses. O jovem Ernesto Che Guevara foi rapidamente impactado pela brutalidade. Centenas de lideranças camponesas foram executadas pelas marionetes de Washington. Então iniciou a Guerra Civil Guatemaleca e muitas comunidades camponesas e indígenas maias foram massacradas. No final da intervenção dirigida pela CIA havia morrido mais de 200 mil pessoas. As empresas estadunidenses voltaram a ter lucros no país e Washington estava feliz. 

2 – Haiti em 1959
O Haiti é tão estratégico para os Estados Unidos como a República Dominicana e Cuba. Desta forma Washington não titubeia cada vez que seu poder diminui na região caribenha. Por nenhum motivo os Estados unidos permitira que os governos da região se inclinassem à esquerda, e para isso não acontecer, a CIA entra em ação. Claro, Cuba é um exemplo de resistência desde 1959. Neste ano no Haiti houve um levante popular contra o brutal ditador Fraçois Duvalier. A CIA barrou a reação popular. Duvalier criou um exército com apoio de Washington para atuar com violenta repressão contra as comunidades provincianas. Duvalier e seu filho, Jean Claude Duvalier, que herdou o posto do pai na ditadura, ordenaram massacres sangrentos e cruéis. Mais de 100 mil pessoas foram assassinadas. Quando em 1986 começou uma rebelião incontrolável, aí sim um avião da Força Aérea dos Estados Unidos resgatou Jean Claude Duvalier e o levou a viver tranquilamente na França. 

3 – Brasil em 1964 

O ano de 1964 foi de mudanças incríveis no Brasil. O presidente democraticamente eleito, João Goulart, implementou seu plano de Reformas de Base. Ainda que os Estados Unidos sempre tenha mantido controle sobre os povos distantes para manter a ignorância generalizada, havia uma mudança que realmente incomodou o país do norte: uma reforma que reduziria os lucros das corporações multinacionais norte-americanas e de seus aliados. Claro, também incomodava o plano de reforma agrária.


Então, a CIA entrou em ação e derrubou o governo de Jango em 1964 e instalou uma brutal ditadura militar que durou 19 anos. Durante este período, milhares foram torturados, presos e assassinados. Também trataram de eliminar toda e qualquer pessoa que tivesse pensamentos de esquerda, em especial os comunistas. 

4 – Uruguai em 1969
Durante os anos 60, movimentos revolucionários cresciam na América Latina. O Uruguai estava afundado em uma crise. Surgiram os maiores inimigos dos Estados Unidos: os Tupamaros, uma guerrilha revolucionária urbana. José Mujica formava parte desta organização e sua esposa Lucia Topolanski também. Washington se emprenhou em detê-los porque a influência do grupo estava se expandindo. Nelson Rockefeller foi ao Uruguai para observar como efetivamente se fortalecia um sentimento “anti-ianque” e voltou a Washington para alertar que algo precisava ser feito com urgência.

José Mujica durante uma reunião dos Tupamaros | Foto: Marcelo Isarrualde


Rapidamente a CIA respondeu ao chamado e enviou seu agente Dan Mitrione ao Uruguai. Ele foi responsável por treinar as forças policiais locais para a tortura e outras coisas macabras indescritíveis. Então, com a ajuda da CIA se instalou uma ditadura militar no país sob a ordem de Juan Maria Bordaberry, que governou o Uruguai com instruções direitas de Washington durante 12 anos. Centenas de pessoas foram assassinadas e milhares torturadas. A repressão era tão brutal que os uruguaios tinham medo até mesmo de dançar. 

5 – Bolívia em 1971 

As riquezas minerais da América Latina são a grande cobiça dos Estados Unidos e o país faz o possível para poder controla-las. Por décadas as corporações estadunidenses mantiveram sob seu domínio diversas regiões do Chile, Bolívia e Peru. Neste último, escravidão absoluta durante os anos 60. Quando os escravizados se atreviam a rebelar-se eram aniquilados imediatamente aos montes. Che Guevara viajou à Bolívia e se encarregou de incitar a revolução de 1967. Neste período as corporações norte-americanas mantinham até mesmo crianças sob o regime de escravidão. Dois anos depois Che foi assassinado pela CIA e os Estados Unidos instaurou uma junta militar no país.


Manifestação contra a ditadura na Bolívia

Mas de novo as coisas não deram tão certo quanto Washington planejou. O general Juan José Torres tomou o poder tratou de implementar reformas para os trabalhadores e os pobres. Os bolivianos estavam iludidos, mas a CIA não e para levar a cabo suas instruções, recrutou o general Hugo Banzer. Ele liderou um golpe contra Torres e em 1971 iniciou sua violenta ditadura. Mandou torturar um incontável número de opositores e executar centenas de líderes políticos. Encarcerou mais de 8 mil pessoas. Todas as medidas foram tomadas sob as instruções de Washington. 

6 – Chile em 1973
Outro país brutalmente explorado pelas corporações estadunidenses. Outro país condenado à miséria por Washington. Outro país mais que a CIA fez de tudo para desprestigiar nos meios de comunicação nacionais e internacionais o governo do presidente democraticamente eleito, Salvador Allende. Extorsão, tortura, encarceramento e assassinatos como medida de barrar os anti-ianques. Provocar a escassez para que o povo confronta-se o governo no aprovado pelos Estados Unidos, especialmente porque nacionalizou o que esse país mais desejava: suas riquezas minerais. Mas Washington também se incomodou muitíssimo porque Allende promoveu políticas públicas de moradia e educação para milhares de pessoas. Então os EUA fizeram o mesmo que acontece hoje em todo o mundo: golpe de Estado. Em 11 de setembro de 1973 o general Augusto Pinochet liderou o golpe de Estado com todo o apoio da CIA, incluindo armas e equipe militar.


Repressão na ditadura chilena

Aviões de guerra bombardearam o palácio presidencial. Assassinaram Allende, que antes de morrer falou ao povo: “não vou renunciar. Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com a vida a lealdade do povo”. Pinochet governou por 17 anos. Mandou prender 80 mil pessoas, torturou mais de 30 mil e assassinou 3.200. 

7 – Argentina em 1976
Os argentinos viveram a ditadura mais sanguinária da América do Sul. É traumatizante o simples fato de ler sobre as atrocidades cometidas no país. campos de concentração, centros de tortura, massacres, estupros, agressões contra mulheres grávidas e execução de crianças. No total, 30 mil pessoas foram assassinadas. Por trás de todo este plano estava a CIA. Em 1973, a Argentina resistia a uma crise política tão grave que o presidente Juan Perón desmoronou e morreu de ataque no coração em 1974. Sua esposa, Eva Perón, tomou o poder só para enfrentar os conflitos até mesmo dentro de seu partido Peronista.


Manifestação das Mães da Praça de Maio em busca dos filhos desaparecidos na ditadura

A CIA esperou sigilosamente até 1976, quando a situação era tal que foi fácil entrar e fazer o jogo sujo. Claro, recrutaram a um general de nome Jorge Rafael Videla e, novamente, um golpe de Estado em outro país latino-americano e outra ditadura marionete dos Estados Unidos. Nesta ocasião aparece o supervisor da desgraça, o infame secretário de Estado, Henry Kissinger. 

8 – El Salvador em 1980

Este país centro-americano não sofreu menos sob a intervenção estadunidense e a supervisão já sabemos de quem: a CIA. Washington havia apoiado uma ditadura brutal que durou exatamente 50 anos entre 1931 e 1981. Camponeses e indígenas foram despejados sem piedade e a sangue frio. Mais de 40 mil foram massacrados. A situação foi tão grave que aconteceu algo inédito, até a Igreja Católica tentou intervir a favor dos pobres. Nesta época El Salvador era controlado por 13 famílias mafiosas donas de 50% do território nacional. 

As 13 famílias estavam estreitamente ligadas com Washington. E a CIA treinava o exército e o equipou com todo o necessário. Quando o serviço de inteligência norte-americano soube que os jesuítas ajudavam as massas, mandou matá-los. E pediu para o papa João Paulo falar com o bispo Oscar Arnulfo Romero para pedir que desistisse da resistência. O cardeal se negou e foi assassinado durante uma missa em 1980. El Salvador foi então jogado em uma guerra civil que durou 12 anos e foi supervisionada pela CIA. Quando terminou o flagelo, mais de 75 mil pessoas haviam sido assassinadas, mas os EUA estavam felizes. 

9 – Panamá em 1989
Um agente da CIA se torna o ditador. Estamos falando do presidente Manuel “Cara de Piña” Noriega. Obvio que por sua localização geográfica, o Panamá é de suma importância para os Estados Unidos. Quando o presidente Omar Torrijos tentou expulsar os gringos do Canal do Panamá, a CIA colocou uma bomba em seu avião e ponto final do conflito. Em 1983, Noriega tomou o poder. Ele era narcotraficante, além de agente da CIA há mais de 30 anos. Para Washington, não havia problemas porque ele seria servil. Porém, pelo dinheiro e pelo poder, Noriega mudou passou por cima de tudo. Obcecado com o poder, ele não percebeu que os Estados Unidos pretendiam outro nome para a presidência: Guillermo Endera. Mas em seu lugar, Noriega designou Francisco Rodríguez o impôs através de eleições fraudulentas. Também perseguiu as bases militares dos Estados Unidos em seu país.

Manuel Noriega 

Claro que os ianques não deixaram barato e invadiram o Panamá em dezembro de 1989. Prenderam Noriega em uma prisão norte-americana e mataram 3.500 civis inocentes e 20 mil foram despejados. 

10 – Peru em 1990

Por último chegamos ao Peru. Aqui acaba apenas lista, não as ações que a CIA continua levando a cabo em toda a América Latina. Estes 10 casos servem apenas para entender como os Estados Unidos sempre foram iguais e nunca vão mudar. Sempre tomará as medidas necessárias para exercer seu brutal, violento, descarado, desmedido e genocida domínio nesta e em todas as regiões que considere pertinente.


Fujimori foi condenado há 25 de prisão em regime fechado por crimes de lesa humanidade

No Peru se repetiu a história de um agente da CIA dominar o poder. Trata-se de Alberto Fujimori, eleito em 1990. Como se elegeu é uma pergunta que ninguém respondeu até hoje porque não passava de um medíocre, no sentido completo da palavra. Não tinha nem preparação, nem ideias, nem estratégias. E pior, não tinha nem influência politica, nem muito carisma. Porém, teve a inteligência de ser assessorado por um homem muito inteligente, o advogado Vladimiro Montesinos, que também era agente da CIA e foi nomeado chefe do Serviço de Inteligência Nacional. Fujimori montou um grupo paramilitar para assassinar militantes de esquerda e marxistas. Dissolveu o congresso e prendeu todos os membros da Suprema Corte de Justiça. A CIA financiou todas as atrocidades. Agora ele está atrás das grades. 


Do Portal Vermelho, com Telesur
Tradução: Mariana Serafini
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CIA na América Latina: dos golpes a tortura e assassinatos preventivos




Reuters
 Sede da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), em Fort Mead, no estado de Maryland.
De acordo com Rangel, pelo menos 500 reforços chegaram às embaixadas americanas, e outros tipos de quartéis-generais na América Latina, para ajudar agentes que já lá estavam, a aumentar suas atividades subversivas e de espionagem.

Esses agentes estão a focalizar países como a Venezuela, Bolívia, Argentina, Brasil, Equador, e Cuba. Entretanto, isso não significa que outros países estariam protegidos do policiamento imperial. De qualquer modo, por mais leais que esses governos sejam em seguir o rastro das diretivas políticas americanas, as agências de inteligência dos Estados Unidos estão sistematicamente fortalecendo o seu pessoal secreto no México, na Guatemala, Colômbia, República Dominicana, Peru, Chile, e outros países.

Na América Latina os serviços presidenciais e governamentais estão sendo deliberadamente infiltrados, assim também como a liderança das forças armadas, dos serviços secretos nacionais, e das agências de contraespionagem. Os americanos estão forjando alianças para criar uma tropa de vanguarda, e cúmplices, para ajudá-los a opor-se a quaisquer potenciais inimigos deles no continente, especialmente então nos "regimes populares".

As posições operacionais dos serviços de inteligência dos EUA na América Latina abriram muitos ramos novos e são agora capazes de levar a frente operações de desestabilização. 

Em recente anos, tais tentativas foram feitas na Venezuela, Bolívia, Equador, e Argentina, onde os governos desses países estiveram resistindo aos planos americanos de total controle do continente sob o disfarce de uma criação de uma zona de comércio livre para todo o continente. 

Os esforços da CIA para forjar uma "revolução colorida" [lê-se golpe de estado] na Venezuela em 2002-2003 deu em nada: o presidente Hugo Chávez não só sobreviveu mas conseguiu também ter sucesso em unir a América Latina. 

O seu sucessor, Nicolás Maduro, continua leal aos princípios da Revolução Bolivariana, enquanto rigorosamente resiste ás tentativas dos Estados Unidos para sabotar as suas realizações, isso sendo feito então através de conspirações econômicas e financeiras além de encorajar provocações vindas da oposição radical na Venezuela.

Uma estratégia similar está sendo usada pela CIA contra o governo de Cristina Fernández de Kirchner na Argentina. Na Bolívia e no Equador, estações da CIA estiveram tentando desestabilizar o legitimamente eleito governo com a ajuda de forças policiais, dos quais muitos líderes tradicionalmente estiveram sob domínio de instrutores americanos. 

O presidente Rafael Correa do Equador por pouco escapou da morte quando rebeldes cercaram o edifício onde os seus guarda-costas o estavam protegendo de franco-atiradores treinados pela CIA, que por horas atiraram nas janelas do seu refúgio. 

Um bando de militantes da Europa, usados pela CIA para atos terroristas foram incumbidos com a tarefa de assassinar o presidente Evo Morales da Bolívia. De acordo com investigadores, sedes da CIA na Irlanda e na Hungria montaram os grupos.

A CIA na América Latina está claramente se preparando para exacerbar a situação. A vigilância eletrônica da NSA, agência nacional de segurança dos americanos, apesar das revelações de Edward Snowden, Julian Assange e outros, não só continua como aumenta, e de muito, a sua intensidade. 

Os dados obtidos pela NSA são distribuídos para específicos serviços da comunidade de inteligência americana, dependendo das suas áreas de especialização. 

A CIA é o maior consumidor desse material, que é usado para o planejamento de "revoluções coloridas" ou seja, golpes de estado, assim também como para chantagem, recrutamento, provocações, campanhas de propaganda subversiva, e coisas do gênero. 

Note-se que cada administração americana – de Bush a Obama – focou na coleta de dados de espionagem, uma tarefa que tinha sido responsabilidade de empregados de várias agências, especialmente então do Departamento do Estado dos Estados Unidos. Isso foi motivado pela necessidade de aumentar "a luta contra o terrorismo".

Num memorando assinado na época de Condoleezza Rice, e aprovado pelos seus sucessores, diplomatas dos EUA eram encarregados de coletar dados a respeito de instalações militares, sistemas de comunicação usados nos países onde se encontravam, como os líderes eram protegidos, onde eles moravam e estacionavam os seus carros, quais os seus endereços de e-mails, números de telefone, etc. 

Um componente dessa tarefa é particularmente inquietante – os diplomatas ficaram também incumbidos de colher informação do estado de saúde de seus “alvos”, incluindo-se aqui dados a respeito da estabilidade mental de cada um. 

Menções também são feitas a respeito da necessidade de obter material visual, impressão digital e "material biológico". Esse último, de acordo com peritos do assunto, seriam úteis no planejamento de assassinatos com uso de tecnologia avançada. 

Brasil e Venezuela, assim como China e Rússia, estão incluídos na lista de alta prioridade do Departamento de Estado americano para relatórios de inteligência de diplomatas na América Latina. Delegados e representantes dos países aqui mencionados devem ser seguidos continuamente, e isso não só na América Latina mas, por todo o mundo.

Entretanto a maior caça é feita contra os cidadãos da Rússia. Para aumentar sua efetividade os serviços de inteligência americanos usam um amplo arsenal de provocações e duplicidade. 

O piloto Konstantin Iarochenko, que foi acusado de tráfico de drogas, caiu em um desses tipos de armadilha. De acordo com agências de notícias, uma empregada do pessoal da embaixada estadunidense na Colômbia deu um instrumento de gravação secreto para um cidadão local que era um agente da DEA operando com o nome de "Santiago". 

Depois de vários encontros entre o agente e o piloto, que resultou num vídeo e numa áudio gravação de suas conversas, os mesmos foram redigidos e apresentados a Tribunais dos Estados Unidos, ainda que uma significante parte do seu conteúdo tivesse sido apagada, o que deu então um impacto direto no veredicto. Cidadãos do Brasil, Argentina, Venezuela, Nicarágua e muitos outros países foram vitimas desse tipo de operações, sendo que as implicações são sempre as mesmas : A América Latina não conseguiria evadir-se de cooperação com a CIA!

De qualquer maneira, a agência tem um dossiê na América Latina que amedronta até governos que são leais a Washington. Uma indicação das táticas estilo Gestapo da CIA foi a criação da base militar de Guantânamo, em Cuba, com um campo para prisioneiros suspeitos de atividades terroristas, ou de instigação dos Talibãs. 

Em dezembro de 2005, Condoleezza Rice declarou-se a favor desse campo, sublinhando o fato de que dessa maneira a CIA "tinha impedido ataques terroristas e salvado vidas inocentes na Europa, assim como nos Estados Unidos, e outros países". A respeito da revelação das prisões secretas Condoleezza arrogantemente disse que "era para todos esses governos e seus cidadãos se decidirem a favor ou contra de trabalhar para os Estados Unidos, para impedir ataques terroristas contra seu próprio país.

Em dezembro de 2014, o Comitê de Seleção do Senado para Inteligência publicou um relatório de 500 páginas sobre o uso de tortura pela CIA para extrair confissões de indivíduos suspeitos de terrorismo. A versão completa tinha quase que 7.000 páginas e incluía muitos detalhes das "avançadas técnicas de interrogação" usadas pela CIA. 

A sua publicação foi considerada como muito perigosa por que essa poderia causar retaliação. O documento original foi redigido e retiraram-se os nomes das prisões secretas na Europa e na Ásia, assim como os nomes dos chefes da CIA que deram seu consentimento à tortura de prisioneiros, assim como o nome do pessoal que as administraram. Eles tiveram especialmente muito cuidado em apagar as informações a respeito das "táticas avançadas de interrogação" usadas em Guantânamo.

O Secretário do Estado John Kerry também tentou tirar outros fatos do documento, dizendo que a publicação iria colocar em perigo vidas de diplomatas americanos no exterior. Só a intervenção de organizações dos direitos humanos conseguiu impedir isso. Agora a Human Rights Watch, a American Civil Liberties Union, e outras organizações, estão tentando obter os nomes dos que criaram essas prisões e introduziram o uso de tortura. 

Entretanto, esses seus esforços estão sendo impedidos pela direção da CIA. A mesma desculpa é oferecida – a publicidade poria em perigo a vida dos empregados.

É importante para a CIA poder manter seus empregados experientes, depois das grandes reformas da central feitas por John Brennan, projetadas por ele. Informações surgiram na mídia a respeito da natureza da planejada reorganização: em vez de ter departamentos especializados nas agências, e um serviço separado para análises do material de inteligência, centros de fusão serão criados. 

Esses centros de fusão deveriam ser responsáveis por regiões específicas e por ameaças sistemáticas à segurança dos Estados Unidos. Na perspectiva de John Brennan, tem-se que, principalmente dado ao fato de que a CIA durante muito tempo esteve concentrada nas guerras no Afeganistão e Iraque, assim também como nas operações do Norte da África e outras regiões remotas, incluindo-se aqui a Ucrânia, essas ameaças estariam agora vindo da América Latina.

Alianças estão sendo solidificadas no continente, e a formação e consolidação de organizações regionais como Celac, Unasul, Mercosul, Alba e outras, enfraqueceram a posição dos Estados Unidos no continente. Washington vê as entradas sendo feitas pela China e Rússia [massivas ofertas de financiamentos, empréstimos e desenvolvimento da infraestrutura sem exigências de cortes no desenvolvimento social] e isso não só em comércio e economia como também quanto a tecnologia e exploração espacial. 

A construção do Canal da Nicarágua com a assistência da China, Rússia e Brasil é um símbolo do desgaste geopolítico dos Estados Unidos.

Tendo-se em conta a natural arrogância dos mesmos, fracassos dessa magnitude são difíceis de serem engolidos, o que poderia explicar maquinações de retaliação, por meio da desestabilização dos governos populares e incitar a guerra civil na Venezuela. Os novos reforços que estão chegando às sedes da CIA nas embaixadas americanas e em outros lugares já estão mergulhando intensamente nos seus novos afazeres.

Artigo em inglês: The CIA in Latin America: From Coups to Torture and Preemptive Killings, strategic-culture.org, 22 de janeiro de 2015.

Fonte: Global Research

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ROTAS DE INTERESSE
Os interesses econômicos dos Estados Unidos e a segurança interna no Brasil entre 1946 e 1964: uma análise sobre os limites entre diplomacia coercitiva e operações encobertas


Paulo Romeu Braga
Analista de Informações, ex-funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)



RESUMO
O presente estudo parte da premissa de que, para garantir o acesso a fontes de matérias-primas, que lhe permitiriam manter o poderio econômico e militar no futuro, os Estados Unidos tinham a necessidade de possuir o controle sobre a segurança interna brasileira. Elencando fatos e situações que evidenciavam esse interesse econômico nas ações dos organismos governamentais norte-americanos, mesmo os que aparentemente não tratavam da questão, como é o caso da CIA e do Pentágono, o estudo busca amparo, embora superficialmente, nas doutrinas de contenção e de reserva estratégica para ao final concluir que, em razão da ausência de uma ideologia de segurança nacional e de mecanismos governamentais de alerta, a segurança interna brasileira foi conduzida pelos Estados Unidos durante as duas primeiras décadas da Guerra Fria.
Palavras-chave: Política Exterior; Brasil; Estados Unidos; Segurança interna brasileira; Interesses econômicos norte-americanos.

ABSTRACT
The present study parts from the premise that, in order to guarantee the access to the sources of raw materials, that would allow the USA to keep its economic and military power in the future, the USA needed to have the control over the Brazilian internal security. Electing facts and situations that evidenced this economic interest in the action of the American governmental organisms, even those that apparently did not deal with the question, as it was the case of the CIA and the Pentagon, the study searches the support, although superficially, of the doctrines of containment and strategic reserve, concluding at that, because of the absence of a national security ideology and of governmental alert mechanisms, the Brazilian internal security was conducted by the USA during the first two decades of the Cold War.
Key words: Foreign Policy; Brazil; United States; Brazilian internal security; North-American economic interests.



Introdução
Certa feita, os jornais brasileiros publicaram que Henry Kissinger teria dito em uma conferência, após sua saída do governo, que o Brasil desenvolvido seria uma ameaça para a segurança de seu país. Embora houvesse o desmentido de praxe, o que Kissinger queria dizer com isso? Por que o desenvolvimento do Brasil poderia ser uma ameaça para a segurança nacional norte-americana? Como se sabe, Kissinger foi dirigente do National Security Council (NSC) no primeiro mandato de Nixon e acumulou essa função com a de secretário de Estado no segundo governo daquele presidente. Em 1974, o memorando secreto NSSM-200, do NSC, desclassificado em 1989 por força da lei de liberdade de informação, fornecia as evidências básicas para interpretarmos as palavras de Kissinger.
A economia norte-americana era cada vez mais dependente de recursos naturais do exterior para garantir o seu desenvolvimento, e isso foi oficializado no NSSM-200 emitido pelo governo norte-americano. O NSSM-200 fixava uma política para garantir o fluxo contínuo de materiais para o desenvolvimento da economia norte-americana: "A localização de reservas conhecidas de minérios de mais alto teor da maioria dos elementos favorece uma dependência crescente de todas as regiões industrializadas de importações dos países menos desenvolvidos. O problema real de suprimentos minerais reside, não na disponibilidade física básica, mas nos temas econômico-políticos relativos ao acesso a eles, os termos de exploração e divisão dos benefícios entre os produtores, consumidores e os governos dos países de origem." Prosseguindo diz o memorando: "Sejam quais forem as medidas que se tomem para resguardar-se de uma interrupção nos fornecimentos, a economia norte-americana requererá grandes e crescentes quantidades de recursos minerais do exterior, especialmente dos países menos desenvolvidos. Este fato amplia o interesse dos Estados Unidos na estabilidade social, política e econômica dos países fornecedores." O documento relacionava os treze países-chave considerados de especial interesse estratégico e político para os Estados Unidos: Brasil, Índia, Bangladesh, Paquistão, Nigéria, México, Indonésia, Filipinas, Tailândia, Egito, Turquia, Etiópia e Colômbia.
Essa preocupação manifesta com a estabilidade interna dos países fornecedores de matérias-primas para a economia norte-americana, materializou-se no Brasil, no período compreendido pela presente análise (1946/1964), por meio de investimentos privados e programas econômicos, pela firme presença do Departamento de Estado e pelo suporte de segurança a essas políticas engendrado pelo NSC. O que se pretende apresentar neste texto é a estratégia que os governos estadunidenses elaboraram e desenvolveram com eficácia, para conduzir a segurança interna brasileira em acordo com seus interesses.

O desenvolvimento da estratégia
Embora o NSC tenha fixado através do NSSM-200 uma diretriz básica de segurança, em 1974, quanto à questão do acesso às fontes de recursos naturais, a preocupação com o assunto é bem mais antiga. Na década de 1940, o governo norte-americano, interessado no estudo dos minerais estratégicos para a defesa continental, enviou ao Brasil três ilustres técnicos: Charles Will Wright, especialista em minerais estratégicos, do U.S. Bureau of Mines, Stephen R. Capps e William Drumn Johnston Jr., geólogos conceituados do U.S. Geological Survey, para colaborarem com seus colegas brasileiros nas determinações de nossas reservas minerais. Em 1941, os Drs. Wriht e Johnston passaram a chefiar as pesquisas na América do Sul. Frank Gray Pardee, do Serviço Geológico do Estado de Michigan, foi comissionado pelo U.S. Bureau of Mines para dar assistência à Embaixada Americana no Rio de Janeiro. John Van Nostrand Dorr II, assistido por sua esposa Mary Elizabeth Dorr, paleontologista, e pelo engenheiro C. Buckey, topógrafo, estudaram minuciosamente o depósito manganesífero de Urucum, em Mato Grosso. Em 1942, Buckey realizou, na Divisão de Geologia e Mineralogia, um curso sobre topografia para fins de geologia, introduzindo o método de levantamento a prancheta, pouco divulgado no País. William Pecora, também do U.S. Geological Survey, estudou pormenorizadamente os depósitos niquelíferos do Brasil, especialmente os da Serra da Mantiqueira, em São José do Tocantins, Goiás. Rápida passagem pelo Brasil tiveram, em janeiro de 1942, o Dr. Elmer W. Peherson, chefe da Divisão Econômica do U.S. Bureau of Mines, e o Dr. Donnel Foster Hewett, chefe da Divisão de Metais do U.S. Geological Survey e a maior autoridade dos Estados Unidos em manganês. O prof. W. D. Johnston continuou no Brasil estudando os depósitos de cromita, os pegamatitos produtores de tantalita, berilo etc., tendo apresentado à Academia Brasileira de Ciências uma interessante contribuição sobre a gênese dos depósitos estratificados de cromita, na sua opinião, provenientes de uma verdadeira sedimentação rítmica em câmara magmática. Posteriormente, uma turma numerosa de outros técnicos aqui aportou, subordinada ao magnata Nelson Rockefeller, coordenador do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA)1 .
Rockefeller havia conseguido esse cargo de dirigente do OCIAA no governo Eisenhower, depois de convencê-lo de que os Estados Unidos precisavam olhar com mais carinho a América Latina. Nelson tinha grandes negócios aqui e através do Instituto de Assuntos Inter-Americanos (1942/50), organismo ligado ao OCIAA, já defendia, na ocasião, a assistência técnica para a segurança interna dos países do continente. Era natural que houvesse essa preocupação com a segurança interna dos países da região. Em 1960, investidores norte-americanos controlavam 85% das fontes de matérias-primas na América Latina. No início da década de sessenta, 97,3% do minério de ferro brasileiro estava sendo explorado por companhias controladas por grupos estrangeiros: dos Estados Unidos havia a Hanna Mining, a U.S. Steel e a Bethlehem Steel; da Alemanha a Mannesman e da Bélgica a Belgo Mineira.
Essa preocupação com a segurança interna dos países da região tomou corpo depois que o exército nazista invadiu a Dinamarca, em abril de 1940. Os estrategistas norte-americanos afirmavam que a fraqueza econômica e militar da América Latina era uma ameaça direta à segurança nacional dos Estados Unidos. "A miséria resultante do atraso econômico (...) poderia propiciar revoluções lideradas por nacionalistas, socialistas ou simpatizantes do nazi-fascismo, movimentos que punham em xeque os interesses dos Estados Unidos. Quase um milhão de alemães habitavam a atual Região Sul do Brasil, considerada cabeça-de-ponte para a ocupação do Atlântico Sul pelos germânicos (...). Dentre as várias possibilidades consideradas pelo Office Strategic Service (OSS), uma delas foi a invasão do Rio Grande do Sul"2 .
Em decorrência, no acordo de cooperação militar formalizado durante a Segunda Guerra, o Brasil veio a ocupar um importante papel como grande fornecedor de matérias-primas e minerais estratégicos para o desenvolvimento da economia e segurança norte-americana. Finda a Guerra, já estava definida a função que a América Latina teria dentro da zona de influência global dos Estados Unidos. Em 1949, o Departamento de Estado havia decidido que a América Latina deveria constituir-se em reserva estratégica para garantir o poderio econômico e militar dos Estados Unidos dentro do novo arranjo mundial que deu origem à Guerra Fria. Em documentos que instruíam as delegações dos Estados Unidos a conferências econômicas interamericanas, aos quais a chancelaria brasileira teve acesso por influência pessoal do cônsul-geral em Nova Iorque, estava explícita essa decisão. O chefe da delegação brasileira à segunda sessão da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), Carlos Alves de Souza, antevendo o contencioso dos próximos anos, assim analisava a questão em correspondência enviada ao ministro interino das Relações Exteriores, Cyro de Freitas Vale:
"A análise da documentação que estou transmitindo a Vossa Excelência revelará que se abre para as relações entre o Brasil e os Estados Unidos da América uma fase nova, e que talvez se revele extremamente árdua e delicada, pois o Departamento de Estado procura, visivelmente, manter a América Latina numa posição de inferioridade, condicionando o seu desenvolvimento à capacidade exclusiva dos investimentos privados."3
No entanto, a surpresa e a indignação que possa ter causado essa descoberta, aparentemente não esmoreceu os propósitos dos governos brasileiros que, com foco na ideologia nacional-desenvolvimentista, já vinham colocando em prática uma política contrária a que Washington havia estabelecido para a América Latina. Desde o primeiro governo de Getúlio Vargas até João Goulart, com exceção de Dutra e Café Filho, a aposta era na expansão da base industrial, diversificação do comércio exterior e no desenvolvimento de uma política externa independente o que, de certa forma, viria a preencher alguns espaços onde os Estados Unidos precisavam circular com desenvoltura. Os fatos de a primeira indústria automobilística a instalar-se no Brasil, durante o governo de Juscelino Kubistchek (JK), ser de origem européia, e de Che Guevara ser condecorado por Jânio Quadros, com a mais alta honraria brasileira, são bastante elucidativos das políticas desenhadas para o período. O país estava fazendo um esforço para deixar de ser apenas um fornecedor de matérias-primas. A proposta era desenvolver-se rapidamente e projetar-se no cenário internacional. Juscelino Kubistchek resumiu muito bem a idéia em sua propaganda de governo: "Cinqüenta anos em cinco".
A posição de confronto velado assumida pelo Brasil, negando-se implicitamente a concorrer para o estabelecimento da Doutrina de Reserva Estratégica formulada por Washington, não passou desapercebida e viria a ter, ao longo dos anos, respostas que afetariam fortemente a sociedade brasileira. Embora Vargas tenha sido forçado por militares a abandonar o poder após a promulgação da Constituição de 1946, a primeira grande reação durante o período considerado foi o "Golpe de 1954", que culminou com o suicídio de Getúlio e levou ao poder o vice-presidente João Café Filho. Revelando sua posição favorável ao golpe, Café Filho repudiou o programa de governo nacionalista que o havia eleito junto com Vargas e formou o novo ministério convocando, entre outros, Raul Fernandes, político de oposição ligado ao partido União Democrática Nacional (UDN), advogado de empresas internacionais e Clemente Mariano, representante dos setores mercantilistas e ligado ao sistema financeiro internacional4 . Em uma alusão a suas claras preferências, o novo presidente do Brasil ficou conhecido em alguns círculos jornalísticos como "John Coffe Filho".
A partir do movimento que se iniciou em 1946 e do retorno de Vargas ao poder pela via eleitoral, os assuntos internos brasileiros passaram a ser observados com especial interesse. Os discursos de campanha de Vargas, nas eleições presidenciais de 1950, eram acompanhados pelos órgãos de segurança norte-americanos. O memorando confidencial que o secretário de Estado Dean Acheson enviara ao presidente Truman, em primeiro de maio de 1950, alertava para a política nacionalista que seria implementada pelo futuro presidente do Brasil. Acheson foi conclusivo: "caso Vargas ganhasse as eleições, seu programa de governo entraria em rota de colisão com a política que estamos tentando propagar no campo das relações internacionais"5 . O presidente brasileiro era visto pelo governo norte-americano como mais preocupado em fortalecer as bases de sua ideologia nacionalista do que combater o comunismo. Nesse sentido, o Brasil era uma dupla ameaça sob o ponto de vista ideológico e a Doutrina de Contenção elaborada por George Kennan em 1946, viria a ser bastante útil.
A doutrina de Kennan baseava-se na premissa de que a longo prazo a União Soviética iria expandir sua influência, reconhecendo, no entanto, que nem todas as partes do mundo seriam vulneráveis a golpes comunistas, por isso os recursos de contenção dos Estados Unidos deviam ser seletivos, concentrando-se nos países estratégicos que possuíam capacidade industrial ou matérias-primas de valor. Para Kennan, os soviéticos iriam expandir sua influência colocando os recursos psicológicos e políticos como prioridade acima dos recursos militares. Assim, Washington deveria elaborar programas de contenção que promovessem a capacidade de segurança interna dos países vulneráveis6 . No segundo mandato de Truman (1949/53), com o entrelaçamento das doutrinas de Contenção e de Reserva Estratégica aliadas com o Programa do Ponto Quatro, que veio a ser substituído pela United States Agency for International Development (USAID), os Estados Unidos passaram a contar com uma organização que permitiu legitimar o planejamento de segurança para a América Latina.
Quando ocorreu o "Golpe de 1954", os Estados Unidos já haviam montado uma ampla estrutura de segurança exclusivamente para cuidar da América Latina. A base para a fundamentação dessa decisão adveio das reuniões de consultas dos chanceleres americanos, que geraram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), assinado em 1947 no Rio de Janeiro. Uma das ambigüidades do TIAR é que ele poderia ser usado contra os governos que o haviam assinado, com exceção dos Estados Unidos. A primeira missão naval dos Estados Unidos na América Latina se instalara no Brasil em 1922. Até 1942 os oficiais brasileiros eram treinados na Alemanha ou com os franceses, que mantiveram uma missão no Brasil entre 1919 e 1940. A Segunda Guerra mundial deu a Washington uma justificativa para expandir mais sua influência sobre as forças brasileiras. O planejamento militar era coordenado por uma Comissão Militar Mista Brasil/Estados Unidos. Em 1949, o Pentágono ajudou o Brasil a fundar e equipar uma cópia do U.S. National War College, a Escola Superior de Guerra (ESG). Militares norte-americanos permaneceram no corpo docente da ESG até 19607 . A Comissão Militar Mista sobrevivera a guerra e, em 1954, foi registrada nas Nações Unidas como agência permanente, destinada a cuidar das vendas de armamentos e da assistência militar.
A participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália propiciou estreito relacionamento e amizades prolongadas entre oficiais brasileiros e norte-americanos. O relacionamento pessoal entre Castelo Branco e Vernon Walters veio a configurar-se, em 1964, como um importante trunfo para os norte-americanos. Vários oficiais brasileiros que haviam estado na campanha da Itália foram enviados aos Estados Unidos para treinamento, de onde voltaram com novas idéias sobre desenvolvimento industrial e organização política do país. Os oficiais, influenciados pelos acontecimentos da Segunda Guerra e decididamente opostos a Getúlio Vargas, a quem consideravam como chefe de um regime neofacista, conspiravam contra ele. Getúlio Vargas defendia uma economia nacionalista estatizante e antes que implementasse seu plano foi deposto pelos oficiais da FEB alinhados com os industriais locais, a oligarquia, a classe média e as empresas multinacionais. O marechal Dutra, que sucedeu a Vargas em 1946, abriu a economia ao capital estrangeiro, criou a ESG e estabeleceu a Comissão Mista Brasil/Estados Unidos.
Ao mesmo tempo que essas iniciativas eram tomadas no Brasil, os Estados Unidos começaram a criar uma infra-estrutura de treinamento militar para todo o continente. Em 1949, a Escola das Américas, que mais tarde ficou conhecida como a "escola de ditadores" (em uma referência aos ditadores latino-americanos que por ali passaram), foi inaugurada em Fort Gulick, na Zona do Canal do Panamá, para ministrar cursos exclusivamente em espanhol e português. Em 1952, uma escola de guerrilheiros da selva foi inaugurada em Fort Sherman, também no Panamá. Os cursos de treinamento para aviadores latino-americanos, na Base Albrook da força aérea, no Panamá, datavam de 1943. De todos, o mais importante treinamento era ministrado em Fort Leavenworth – Kansas e muitos dos oficiais que conspiraram contra o presidente João Goulart foram treinados ali. "Aqueles homens saíam de Leavenworth" – disse certa vez um general norte-americano que servira naquela instalação militar – "com um ardente desejo de se identificar com os Estados Unidos e receber armas de seus colegas norte-americanos"8 . O general Amaury Kruel treinou durante três meses em Leavenworth, em 1943, juntamente com dez colegas oficiais do Exército Brasileiro. Kruel, enquanto coronel, veio a ser chefe da Seção de Inteligência da FEB e, em 1958, Chefe de Polícia do Distrito Federal. No entanto, em 1964, Kruel hesitou em se posicionar contra João Goulart.
Em documento enviado, em 1942, ao general William Donovan, dirigente do Office of Coordination of Information (COI), mais tarde transformado no OSS, Edgar Hoover, diretor do FBI, cita Juracy Magalhães como uma fonte confidencial confiável. Neste ano Magalhães foi promovido a major e mudou-se para os Estados Unidos, onde cursou o Comand and General Staff School, em Fort Leavenworth. No governo Castelo Branco, Juracy Magalhães veio a ser nomeado embaixador em Washington, onde se reaproximou de políticos norte-americanos, entre eles Adolf Berle, que havia sido embaixador no Brasil durante o Governo Vargas na década de 1940. O senador Juracy Magalhães, filho do general, não negou que seu pai conspirou contra Vargas: "Naquela época, de divisão entre leste e oeste, meu pai sempre ficou com os Estados Unidos." Juracy também foi íntimo do general Vernon Walters9 . Em março de 1972, o presidente Richard Nixon nomeou o major general Vernon Walters para o cargo de diretor de operações da Central Intelligence Agency (CIA). Walters foi adido militar no Brasil, no posto de coronel, durante o governo Goulart, intérprete do presidente Eisenhower, quando de sua visita ao Brasil, e dos diálogos entre Nixon e o presidente Médici, em Washington. Sua carreira de oficial de inteligência começou durante a Segunda Guerra em Casablanca10 . Também o general Heitor Herrera, que veio a ser um dos líderes do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES)11 depois de sua aposentadoria no Exército, e que trabalhava na empresa Listas Telefônicas Brasileiras, de propriedade de Gilbert Huber Jr., foi um dos militares brasileiros treinados no U.S. Command and General Staff College, em Fort Leavenworth12 . As listas telefônicas e as demais companhias do setor, sempre foram altamente relevantes para auxiliar as investigações do staff de segurança.
Robustecendo a estratégia de segurança desenvolvida pelo Pentágono, amparada pela Doutrina de Contenção, também a CIA possuía suas estruturas montadas na América Latina. Em 1955, o oficial de inteligência Byron Engle foi encarregado pelo NSC dos Estados Unidos de organizar uma força tarefa para treinar as polícias da Ásia, África e "especialmente da América Latina". O organismo, que ficou conhecido como Office of Public Safety (OPS) e que estava acobertado dentro da USAID, oficialmente foi entregue ao Departamento de Estado como parte do programa de ajuda externa. Segundo Langguth, J. Edgar Hoover, diretor do FBI, disse aos seus companheiros que "o programa policial não passava de mais uma operação secreta da CIA". Hoover estava correto em sua afirmação, pois diversos ex-oficiais do Special Intelligence Service (SIS) do FBI, criado em 1940, que operaram em cima dos nazistas na Argentina e no Brasil durante a Segunda Guerra, haviam-se passado para a CIA por ocasião da sua fundação em 1947. Esses ex-policiais integravam a Divisão do Hemisfério Ocidental da CIA e utilizavam-se do OPS como cobertura.
Antes mesmo da criação do OPS, já havia uma forte relação entre policiais brasileiros e o governo dos Estados Unidos. Em 1942, o embaixador norte-americano no Brasil, Jefferson Caffrey, insistiu com Alcides Etchegoyen, chefe do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do Distrito Federal, para que demitisse imediatamente de seu departamento dez policiais pró-nazismo. Etchgoyen, não só acatou o conselho do embaixador como também deu à embaixada dos Estados Unidos o poder de coordenar o trabalho de contra-espionagem no Brasil, até que ele pudesse organizar uma estrutura voltada para essa área13 . Ao que se sabe, o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI), que foi a organização brasileira criada para atuar também em contra-espionagem, somente veio a ser instalado anos mais tarde. Etchegoyen foi nomeado chefe do DOPS em substituição a Filinto Müller, também acusado de pró-nazismo.
O OPS tinha duas principais funções: permitir que a CIA infiltrasse agentes nas polícias locais e recrutar candidatos. Além dos cursos na Academia Internacional de Polícia, a CIA enviava policiais estrangeiros ao seu centro clandestino em Washington. Lá, sob a fachada de International Police Services Inc., policiais da Ásia, da África e da América Latina eram treinados em métodos de vigilância, uso de informantes e outras atividades policiais. Tudo se processava como se o curso fosse também administrado através da USAID14 . Até 1959, a missão da organização sob a direção de Engle, que operou no Brasil, era combater o comunismo e a subversão, tendo sido ampliada, nessa ocasião, para combater interesses nocivos aos Estados Unidos.
Um dos métodos utilizado pela CIA para recrutar policiais a seu serviço, baseava-se em atacar a debilidade orçamentária das repartições policiais. Assumindo atitudes de negociador, o oficial da CIA colocava as dificuldades para se montar uma nova repartição, processo ou operação, mas deixava em aberto nas entrelinhas que, como parte das informações recolhidas seriam úteis para Washington, era justo que o Governo dos Estados Unidos pagasse parte da conta. Mordida a isca, a CIA entregava uma quantia em dinheiro superior às estimativas, e o policial era estimulado a não prestar conta do excedente dos custos. Conforme a reação do policial que estava sendo subornado, o oficial da CIA ia aumentando os pagamentos mensais, até o momento em que ele, não tendo como voltar atrás, compreendia que estava trabalhando para o Governo dos Estados Unidos. Naturalmente, com a fartura de recursos financeiros proporcionados pela CIA, o policial tendia a mostrar eficiência em seu trabalho e, conseqüentemente, ia galgando postos na hierarquia governamental, o que aumentava o raio de ação e a qualidade da infiltração da CIA.
A CIA também estendia suas operações para outros segmentos da sociedade. Thomas W. Braden, diretor da Divisão de Organização Internacional da CIA de 1951 a 1954, afirmou que entregara pessoalmente cinqüenta mil dólares a Walter e Victor Reuther, da Associação dos Trabalhadores Automobilísticos Unidos. Apontou ainda vários pagamentos feitos para as atividades no exterior de Jay Lovestone e Irving Brow, que dirigiam os negócios internacionais da American Federacion of Labor (AFL-CIO)15 . É do conhecimento no meio sindical brasileiro, que a AFL-CIO cooperou intensamente com os sindicatos de trabalhadores que atuavam no Brasil dentro da diretriz "anticomunista".
Amparado pelas informações da CIA e em uma vigorosa ação política, Robert Kennedy, secretário de Justiça, irmão do presidente, que chegou a ser cogitado para dirigir a agência, esteve oficialmente no Brasil em dezembro de 1962; em conversa com João Goulart fez abertas ameaças caso o presidente brasileiro continuasse "flertando com causas românticas de esquerda"16 . Bobb Kennedy sabia o que estava falando, pois exercia forte influência na aprovação de operações encobertas. "Segundo Christopher Andrew, nos dois primeiros anos do governo Kennedy foram aprovadas quinhentas e cinqüenta operações encobertas, mais do que fora iniciado no governo Eisenhower e muito mais do que seria concebível sob Truman"17 . A CIA começou a valer-se de operações encobertas desde a sua fundação em 1947. Nesse ano os comunistas ameaçavam chegar ao poder na Itália, então a CIA, secretamente, organizou uma campanha que culminou com a derrota dos comunistas nas urnas. Nas décadas de 1950 e 1960, os Estados Unidos utilizavam-se de operações encobertas combinadas com outras ferramentas de política externa, muito embora a organização da atividade de inteligência norte-americana remontasse à década anterior.
Nesse sentido o presidente Truman criou por decreto, em 22 de janeiro de 1946, a Administração Nacional de Inteligência e subordinado a esta, o Grupo Central de Inteligência, antes mesmo da criação da Lei de Segurança Nacional. O Grupo Central de Inteligência foi o sucessor do OSS e precursor da CIA. Com a possibilidade dos comunistas ganharem as eleições italianas em 1948, e com a hesitação dos ricos industriais de Milão com medo de sofrerem represálias caso os comunistas vencessem, a elite americana optou por uma ação secreta em sentido contrário e fez uma subscrição no Clube Brook de Nova Iorque. Mas Allen Dulles, diretor central da recém criada CIA, "julgava que o problema não podia ser manobrado com eficiência por mãos de particulares. Recomendou empenhadamente que o governo criasse uma organização clandestina". Por ser uma organização financiada com fundos não oficiais o governo criou uma agência de operações, dentro do NSC, com o título inócuo de Seção de Coordenação de Política, tendo autoridade para realizar operações especiais, secretas e suficientemente reduzidas para que o governo pudesse plausivelmente desmenti-las. O Congresso ratificou formalmente o uso de fundos não registrados com a Lei de Informação Central de 1949. A lei conferia poderes ao Diretor Central de Inteligência (DCI) para efetuar despesas sem atender aos dispositivos legais e aos regulamentos relativos ao gasto de fundos do governo. A assinatura do DCI em qualquer cheque, por mais elevada que fosse a importância, era considerada um registro suficiente18 . A Seção de Coordenação de Política logo após ficou subordinada à CIA e a lei de 1949 oficializou o financiamento da agência pela elite norte-americana ao aceitar o uso de fundos não registrados. Tal modelo, embora não oficializado, veio a ser aplicado no Brasil, no pós 1964, quando empresas nacionais e estrangeiras contribuíam financeiramente para a realização das atividades da "Operação Bandeirantes" (OBAN).
No plano empresarial, Nelson Rockefeller já havia dado a partida muito antes para influenciar na segurança interna brasileira. Apesar de ser republicano, Nelson doou vinte e cinco mil dólares para a campanha do democrata Roosevelt que foi reeleito. A partir daí começou sua influência na política dos Estados Unidos para a América Latina. O plano de Rockefeller era impedir o crescimento do comércio e da influência do eixo nazi-fascista na região, adequando a política americana aos movimentos nacionalistas, em vez de combatê-los. Através da integração entre empresas e governo, o plano previa, entre outras coisas, a redução de taxas de importação sobre produtos latino-americanos, incentivo aos investimentos, com o objetivo de assegurar a produção de matérias-primas, a criação de um sistema de transporte adequado ao escoamento da produção e a flexibilização na análise da dívida externa.
Roosevelt aprovou o plano Rockefeller e criou o Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations Between the Americas, cuja direção foi entregue ao milionário, e que mais tarde mudou o nome para OCIAA. "A organização semimilitar da Fundação Rockefeller modelou o funcionamento da agência capitaneada por Nelson". Além de controlar a expansão das ideologias nocivas aos interesses dos Estados Unidos na região, o objetivo do OCIAA era "afastar da América Latina os produtos alemães que concorriam com os americanos" e garantir o fornecimento de produtos estratégicos. "Nelson acreditava que o futuro desses empreendimentos na América Latina dependia da venda não só de produtos americanos, mas também do modo de vida americano. Tinha, portanto, consciência de que o sucesso no campo econômico tornava necessária uma base sólida no campo ideológico. E, para ele, a comunicação incluía o serviço de inteligência. Em outras palavras, significava também espionagem. Não era gratuita a amizade de Nelson Rockefeller com J. Edgar Hoover, chefe do FBI19 .
Em 1942, foi criado o Office of War Information (OWI), agência de propaganda e informação, subordinada a William Donovan. No entanto, o OCIAA já desempenhava essa missão na América Latina e Rockefeller atritou-se com Donovan. A América Latina foi invadida com várias publicações e diferentes programas radiofônicos e isso para Donovan era propaganda, coisa afeta à sua organização e não a de Rockefeller. Apesar disso, o OCIAA manteve a sua exclusividade para continuar fazendo propaganda na região, por determinação presidencial. Começou nesse período a intimidade de Rockefeller com técnicas que viriam a ser aperfeiçoadas e assimiladas pela Inteligência norte-americana, bem como o estreito relacionamento da elite com essa atividade, como depois veio a comprovar-se, com o preenchimento dos principais cargos do OSS e da CIA, e com o financiamento de operações. A CIA e parcela da elite empresarial americana estavam muito próximas. Esta tendência já estava evidenciada na estrutura da organização dirigida por Rockefeller, o OCIAA, considerado uma das agências americanas mais bem preparadas na época da guerra. A maior parte dos funcionários eram pessoas de confiança do coordenador. Rockefeller valeu-se de executivos de grandes empresas, gente que pudesse aplicar seus conhecimentos e preparar as Américas para a guerra e para a aceitação da hegemonia norte-americana. Era o caso de James W. Young, primeiro diretor do Departamento ou Divisão de Comunicações, diretor da Thompson, conhecida empresa de propaganda com sede em Nova Iorque. Don Francisco, diretor da prestigiada Divisão de Rádio, era executivo da Lord & Thomas, outra poderosa empresa de propaganda, e contava com a colaboração de J.W.G. Olgilvie, vice-presidente da International Telephone and Telegraph (IT&T). Karl August Bikel, que também trabalhou na Divisão de Comunicação, foi chefe da United Press, a conhecida UP, que influenciou fortemente o noticiário e a opinião pública brasileira. Rovensky, assistente para comércio e finanças, era (...) vice-presidente do Chase Manhatam Bank20 .
A proximidade entre a CIA e empresários norte-americanos refletiu-se também na figura de Allen Dulles, que serviu como diretor da CIA de 1953 a 1961, e foi substituído por John A McCone. Dulles, que era irmão do secretário de Estado John Foster Dulles, dedicou mais da metade da sua vida profissional ao exercício da advocacia na Wall Street. McCone foi substituído em 28 de abril de 1965, pelo contra-almirante reformado William F. Raborn Jr, também ligado ao ramo empresarial. De 1958 a 1962, Richard M. Bissel Jr foi o vice-diretor da Divisão de Planos (DDP)21 . Bissel havia sido um brilhante professor de economia em Yale. Richard McGarrah Helms foi vice-diretor da DDP em 1962, e foi nomeado DCI em junho de 1966; nasceu em St. David's, na Pensilvânia, um subúrbio elegante da Filadélfia, e foi criado em South Orange, Nova Jersey, um subúrbio da classe alta em Nova Iorque. O pai dele, Herman, foi diretor de vendas da corporação de alumínios ALCOA. Ray S. Cline, que foi contemporâneo de Helms como vice-diretor de Inteligência, tinha os títulos de bacharel de Artes e doutor em Filosofia pela Universidade de Harvard. Cline foi substituído em 1966 por R. Jack Smith, que obtivera o título de bacharel de Artes na Universidade de Miami e o de doutor em Filosofia na de Cornell. Helms foi substituído como vice-diretor de Planos, em junho de 1966, por Desmond Fitzgerald. Formado pela St. Mark's School, pelo Harvard College e pela Faculdade de Direito de Harvard, Fitzgerald tinha sido um próspero advogado na Wall Street com filiação ao clube Racquet and Tennis. Em 1939 casou-se com Marietta Endicott Peabody, neta do fundador da Escola Groton, onde estudou o presidente Franklin Delano Roosevelt. Antes de substituir Helms, Fitzgerald foi o representante da CIA na força tarefa latino americana, composta pelas agências de inteligência norte-americanas.
A riqueza e posição social dos altos funcionários da CIA tornou a agência um clube social fechado da alta classe. Os vinte principais cargos da CIA sempre foram preenchidos por funcionários procedentes das melhores universidades norte-americanas como Harvard, Yale e Princeton. Destes, uma percentagem significativa era oriunda das principais famílias dos Estados Unidos. Em 1966, o chefe do escritório da CIA em St. Louis nos últimos quinze anos tinha sido Louis Werner II, banqueiro de investimentos, diplomado pela St. Paul's School e por Princeton e pertencente à ilustre e rica família de St. Louis22 . William H. Jackson, banqueiro de investimentos em Nova Iorque, que havia sido oficial de inteligência do OSS durante a Segunda Guerra e diretor-gerente da J.H. Whitney & Co., veio a ser diretor-adjunto da CIA23 .
Ao contrário do Brasil, onde a elite aliou-se ao Serviço Nacional de Informações (SNI) somente em determinado momento que lhe foi conveniente, a CIA, desde a sua criação, era dirigida por uma parcela representativa da elite americana. Os dirigentes do SNI eram oficiais das forças armadas em sua maioria oriundos da classe média. Quando o SNI estava tornando-se inconveniente para a elite, houve uma intensa campanha difamatória na imprensa. Criada a vinculação do SNI com a repressão política dos governos militares, o temor da opinião pública era de que tal organismo continuasse agindo como "polícia política" no ressurgimento da democracia no país. Em certa época, no Governo Sarney, o órgão de inteligência teve que ficar em quarentena por quase um ano para que, evitando possíveis escorregadelas, pudesse sair nos noticiários. A propaganda veiculada pelos meios de comunicação brasileiros contra o SNI, tinha um aparente objetivo: acabar com a credibilidade e, conseqüentemente, com a própria existência de tal organismo. Assim, em dezembro de 1998 uma revista de circulação nacional24 publicou uma reportagem de sete páginas intitulada "O nominado Jader", cuja síntese contextualizava que "com trinta e nove acusações e vinte e seis bobagens, o prontuário do ministro Jader Barbalho no SNI revela um órgão desinformado e ineficiente". Usando adjetivos com o nítido objetivo de levar o leitor a dar boas gargalhadas, acusava os seus agentes de "confusos", "trapalhões" e importunadores de "figuras do primeiro escalão do próprio governo do qual faz parte". Colocando em dúvida as denúncias de corrupção existentes no prontuário de Jader no SNI, a matéria não acusava o então ministro, mas desmoralizava cabalmente o órgão de inteligência. Em 2001, para não ser cassado pelo Senado por atos de corrupção praticados desde antes de 1988, o senador renunciou ao mandato (ver em www.senado.gov.bracusações contra Jader). Coincidentemente, resguardadas as diferentes conjunturas, anos antes a opinião pública norte-americana havia sido contaminada com as mesmas apreensões em relação ao OSS, o organismo de inteligência que havia atuado durante a Guerra. Os temores da mídia, baseando-se na premissa que tal organismo pudesse exercer o mesmo papel da Gestapo, aliado ao desinteresse do governo, levaram à extinção do OSS.
Embora o OSS tenha sido extinto, os Estados Unidos haviam amadurecido em questões de inteligência no pós-Guerra e empresários norte-americanos iriam dirigir a CIA por muitos anos. Envolvido em sérios apuros políticos com o fiasco da Baía dos Porcos (tentativa de invasão de Cuba organizada pela CIA), o presidente Kennedy nomeou, em janeiro de 1962, o conservador republicano John McCone como DCI25 em uma tentativa de acalmar a oposição. O multimilionário McCone recebia restrições de muitas pessoas quanto aos seus vultuosos lucros obtidos durante a Segunda Guerra na atividade de construção naval. Ralph E. Casey, do Escritório de Contadoria Geral, órgão de vigilância do Congresso, depôs em 1946 dizendo que McCone e seus sócios na California Shipbuilding Company tinham ganho quarenta e quatro milhões de dólares a partir de um investimento de cem mil dólares. Em janeiro de 1962, durante as audiências da Comissão das Forças Armadas em que se examinou sua nomeação, McCone prestou depoimento sobre o cargo de diretor que ocupara na Panama Pacific Tankers Company, grande frota transportadora de petróleo, e sobre o fato de possuir um milhão de dólares em ações da Standard Oil of California, que opera em larga escala no Oriente Médio, Indonésia e América Latina26 .
Como é sabido, a Standard Oil é um conglomerado de empresas petrolíferas pertencente ao Grupo Rockefeller. Parte do treinamento dos oficiais de inteligência da CIA era a investigação dos empregados da Standard Oil na Venezuela, a fim de verificar antecedentes esquerdistas ou subversivos. O encarregado da segurança da Creole Petroleum, em Caracas, era um ex-agente do FBI intimamente relacionado com a CIA. No Uruguai, alguns executivos de empresas subsidiárias norte-americanas, entre as quais a General Eletric, reuniam-se, semanalmente com o chefe local da CIA, com o mesmo propósito27 .
Essa intimidade entre a CIA e empresários norte-americanos aflora muito claramente no Brasil em começos de 1962. A CIA mantinha dois homens em Recife no Consulado americano. Outros agentes estavam infiltrados na Liga Cooperativa dos Estados Unidos da América (CLUSA) e no Instituto Americano para Desenvolvimento dos Trabalhadores Livres (AIFLD). Criado em começos da década de 60, o AIFLD era uma parceria entre a CIA, a AFL-CIO e cerca de sessenta companhias norte-americanas, inclusive a Anaconda Company, a IT&T e a Pan American World Airwais. Seu objetivo, segundo o presidente Kennedy, era "evitar que Castro solapasse o movimento trabalhista latino-americano"28 .
Nos anos de 1950 e 1960, as operações encobertas da CIA e das forças armadas norte-americanas cresceram de importância na medida em que a dinâmica da Guerra Fria expandia-se da Europa para a Ásia e o restante do Terceiro Mundo. No Governo Kennedy, a responsabilidade pela condução de operações paramilitares e de contra-insurgência passou a ser dividida com o Pentágono. Para enfrentar os distúrbios no sudeste asiático e América Latina, foi criado o Grupo de Contra-Insurgência ou Grupo CI, com a principal missão de desenvolver métodos para promover a ordem interna em todo o mundo. A presidência do grupo foi entregue ao general Maxwell Taylor e dele participavam representantes de departamentos ministeriais e um delegado da CIA. "Das deliberações do grupo CI surgiram: as Forças Especiais; um novo tipo de treinamento de contra-insurreição nas escolas militares, do National War College para baixo; e novos currículos no Instituto de Serviço Exterior, destinados a aumentar a vigilância dos funcionários do Departamento de Estado, da CIA e dos oficiais das forças armadas no tocante a problemas de sublevação nos países em que operavam29 . Os esforços da CIA com operações encobertas durante a Guerra Fria representam apenas uma parte das atividades da Comunidade de Inteligência com operações encobertas, "pois as forças armadas também estiveram envolvidas em operações especiais mais ou menos clandestinas, determinadas pela Casa Branca"30 .
Em princípios de 1964, o general George Robinson Mather, comandante da delegação americana na Comissão Mista Militar Brasil/Estados Unidos e chefe do Programa de Assistência Mútua (PAM), disse, em palestra na ESG, que a principal ameaça que o Brasil estava exposto era a subversão interna, não havendo ameaças de fora do hemisfério. E para Mather o PAM estava aí para assegurar a existência de forças militares e paramilitares locais em condições de garantir a segurança interna, sem que houvesse a necessidade de uma intervenção militar direta dos Estados Unidos. Mather não disse, mas supõe-se que para uma intervenção militar dos Estados Unidos no Brasil, o amparo legal e político seria "arranjado" através do TIAR. Efetivamente, entre 1963 e 1964 o Brasil recebeu setenta e cinco milhões de dólares para o programa de treinamento policial e duzentos e seis milhões de dólares em ajuda militar. O treinamento dos militares brasileiros para capacitação em segurança interna compreendia operações e táticas de contraguerrilha; contra-insurreição; inteligência e contra-inteligência; inteligência de segurança pública; guerra psicológica; assuntos civis e governo militar; controle de distúrbios; e guerrilha na selva. As escolas militares norte-americanas haviam programado em 1961, 6.500 cursos para 5.200 militares oriundos da América Latina; em 1962 os cursos ofertados subiram para 7.000 a serem preenchidos por 5.600 alunos31 .
Brasileiros civis também eram treinados diretamente pela CIA. Em 1965, já funcionava em Fort Hollybird uma escola de inteligência da CIA para funcionários de governos de países aliados. Funcionários brasileiros passaram por aquela escola, como reconhece o próprio governo brasileiro32 .
O primeiro treinamento em Inteligência organizado por uma instituição brasileira foi realizado pela ESG, em caráter experimental no ano de 1958, quando foi instalado o SFICI. Obviamente, toda a experiência que a ESG e os militares brasileiros possuíam nessa área havia sido repassada pelos norte-americanos, a partir do relacionamento militar mais estreito. Sob o comando do general Oswaldo Cordeiro de Farias, a ESG enviara para o National War Collegeem fins da década de 1940, os primeiros integrantes do seu corpo permanente. O grupo, que ficou conhecido como "Grupo Sorbonne", era composto pelo General Antonio Carlos Muricy, os coronéis Jurandir Bizarria Mamede, Rodrigo Octávio Jordão Ramos, Alfredo Souto Malan e o tenente-coronel Golbery do Couto e Silva. Em 1950, Golbery foi classificado no Estado Maior do Exército. Em 1953, redigiu o "Manifesto dos Coronéis" contra a concessão de aumento de cem por cento para o salário mínimo, assinado por mais de oitenta oficiais influentes, que derrubou João Goulart do Ministério do Trabalho e o ministro da Guerra, general Estilac Leal, nacionalista e getulista; daí Golbery foi para a Casa Militar do presidente João Café Filho33.
A instalação do SFICI, somente doze anos após sido criado pelo decreto-lei que reajustou o Conselho de Segurança Nacional em 1946, leva-nos a acreditar que o ato de sua criação foi mais por fruto da convivência com os americanos durante a Guerra, do que por visualização estratégica do alcance dessa ferramenta de governo. No entanto, em 1958, a pressão exercida pela Guerra Fria supostamente levou o Brasil a tomar um posicionamento nativo mais claro em questões de segurança interna. É o que se depreende da estrutura organizacional do SFICI, cujos esforços maiores estavam voltados para questões domésticas. O Setor de Contra-Informação (SCI), que a priori deveria identificar a espionagem estrangeira, acumulava funções burocráticas de segurança orgânica e estava inserido dentro da estrutura da Subseção de Segurança Interna (SSSI), numa evidente confusão de papéis que limitava em muito o alcance das ações. A competência do SCI estava estabelecida da seguinte maneira:
"propor normas para a segurança e fiscalização do Serviço de Informações; manter em dia o levantamento das atividades de pessoas físicas ou jurídicas que possam ter atividades contrárias aos interesses nacionais; manter em dia o levantamento da situação das agências que exploram no país as comunicações de qualquer natureza; participar do planejamento da contra-propaganda; e cooperar no planejamento que visa estabelecer controle sobre as zonas de segurança"34 .
A inocência com que a atividade de inteligência era vista no Brasil, evidenciou-se desde o vácuo criado entre a idealização e o efetivo funcionamento do SFICI. Durante sua breve existência (1958/64). O SFICI funcionou precariamente com escassos recursos humanos e materiais e não pôde desempenhar em plenitude o seu mandato. Subordinado a uma seção da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional (CSN), o SFICI não possuía a necessária agilidade para integrar as informações e para fazê-las chegar com presteza às mãos do secretário geral, conforme reconheceu o governo na Exposição de Motivos que Castelo Branco enviou ao Congresso, junto com o projeto de lei que propunha a criação do SNI.

Conclusão
A confluência das ações aqui relatadas, nos encaminha para a conclusão que o NSC elaborou e colocou em prática uma eficiente estratégia de segurança, para respaldar a política de manutenção do Brasil como um dos suportes para o desenvolvimento da economia norte-americana. O Brasil, como de resto a América Latina, era visto como uma reserva estratégica que permitiria a continuidade, no futuro, do poderio econômico e militar dos Estados Unidos e, portanto, não poderia passar para a órbita de influência soviética e nem, tampouco, ficar sob um regime nacionalista forte, que viria fatalmente a descolar-se da influência exercida pelos Estados Unidos. Sob o ponto de vista industrial, o país tinha uma importância restrita, mas era muito importante como fonte fornecedora de matérias-primas de valor. Certamente faltou essa percepção às instituições políticas e governamentais brasileiras, ou, se houve, faltou capacidade de reação. O SFICI, que seria a instituição governamental brasileira com mandato para detectar essa estratégia, juntamente com o CSN, não dispunha de experiência, amparo técnico e administrativo e pessoal treinado para tal mister. O estamento militar brasileiro, envolvido em disputas políticas internas desde 1930, lamentavelmente também não teve essa percepção. Evidentemente tais ações tinham os objetivos dissimulados, o que dificultava a percepção. A maneira de dissimular tais ações foi institucionalizada em 1952, quando o governo dos Estados Unidos criou a expressão covert action (operações encobertas) para qualificar alguns meios pelos quais, desde a década de 1940, já vinha interferindo secretamente na política interna de alguns países. Embora as covert action sejam cobertas por um estratagema, de modo que não venham a ser atribuídas ao Estado patrocinador, muitas ações empreendidas pelos norte-americanos vieram a público, como foram os casos da Guatemala, Nicarágua, Irã, Itália, Chile e Vietnã, o qual acabou transformando-se em guerra ostensivamente declarada.
Também evidenciou-se, no período, a ausência de coordenação entre as políticas internas e externas dos governos brasileiros. Enquanto no âmbito externo buscava-se uma afirmação e independência em relação aos Estados Unidos, por mais paradoxal que seja, no âmbito interno as relações estreitavam-se cada vez mais, subordinando e influenciando o comportamento dos funcionários dos organismos de segurança e defesa. Era nítida a falta de comando do governo e da sociedade sobre tais instituições. Ganha destaque então, a seguinte questão: por que os governos norte-americanos empenhavam-se em treinar e oferecer assistência técnica contínua aos militares e policiais brasileiros, diante de um quadro de incompatibilidades políticas e econômicas com os governos instalados no Brasil? Simplesmente porque um dos mecanismos para um país conseguir controle político sobre outro Estado é, através de uma operação de contra-inteligência, penetrar no sistema de segurança desse outro país. Quando um determinado país treina a polícia, os órgãos de inteligência e ou as forças armadas de uma outra nação, as instituições beneficiárias passam a vincular-se àquele outro Estado para além de suas próprias fronteiras nacionais. Isso pode transformar as instituições de segurança do país beneficiário em atores subordinados na política global e, no decorrer do processo, fortalece ainda mais o controle do Estado estrangeiro sobre o Estado beneficiário.
A interferência em assuntos internos de outros países já era praticada pelos governos europeus antes do ano de 1500. O verdadeiro propósito das relações exteriores é interferir na política de outros países, e Chefes de Estado há muito desenvolveram uma variedade de instrumentos para esta finalidade. Sendo de natureza secreta por razões óbvias, nem sempre estes instrumentos são exclusivos das agências de Inteligência, embora tais organizações geralmente tenham o mandato para assim agirem. Enquanto o objetivo do serviço de inteligência de qualquer Estado é reunir informações e analisar fatos à respeito de outros países, estes também estarão fazendo a mesma coisa em relação ao primeiro, furtando segredos e intrometendo-se em seus assuntos internos. Assim, se um serviço de inteligência não tiver condições de conter as interferências secretas dos Estados competidores, as suas informações e julgamentos não terão confiabilidade e credibilidade para o processo decisório; os segredos do governo estarão expostos e o serviço de inteligência poderá ser usado como uma preciosa ferramenta por potências estrangeiras. Iludir e confundir, fornecendo informações falsas e patrocinando propagandas desinformadoras (geralmente de cunho político e econômico), têm sido as principais táticas utilizadas contra os serviços indefesos.
Em algumas circunstâncias a maneira mais direta, mais curta de mudar um governo estrangeiro é ajudar alguém ou um grupo inclinado a efetuar um golpe de Estado. Os inclinados a tais coisas são às vezes encorajados por ajuda externa na empreitada, pela possibilidade de refúgio no exterior em caso de falha e pela promessa de ajuda externa na consolidação da vitória. Assim o bem mais procurado por políticos ambiciosos tem sido a benevolência dos Estados que exportam eficientes sistemas de segurança. A maneira mais comum de um governo afetar outro é construir um relacionamento especial com grupos de influência dentro do corpo político do outro.
Ver os outros como os outros nos vêem, olhar para cada mudança que fazemos de um ponto de vista de alguém que poderia tirar vantagem dele é o começo da prudência. Perguntar "como é que eu tomei conhecimento disto" e "o que poderia ter predisposto meu ponto de vista sobre tal assunto" são fundamentos da prudência. A Filosofia trata tais questões em Epistemologia. No âmbito das ações de governo é uma atitude de contra-inteligência, que se ampara em uma quantidade expressiva de técnicas para conhecer e neutralizar, ou minimizar, as hostilidades secretas. A contra-inteligência implica também em infiltrar o competidor para saber o que ele sabe, controlá-lo e induzi-lo a fazer o que desejamos.
Efetivamente os Estados Unidos obtiveram êxito ao manter o Brasil, forçosamente, dentro da Doutrina de Reserva Estratégica apoiada pela Doutrina de Contenção e pelo Programa Ponto Quatro e, conseqüentemente, garantiram o fornecimento de matérias-primas nas condições que desejaram. As políticas adotadas pelos governos brasileiros, vistas pelo ângulo do contencioso velado, foram tomadas pelo NSC como ameaças a segurança nacional norte-americana. O nacionalismo que restringia a remessa de lucros, o comportamento crítico em relação à política de isolamento de Cuba, o episódio da condecoração de Guevara, a preparação do reatamento com a URSS, a aproximação com a China e o namoro com o Movimento dos Não-Alinhados foram temas de aguda controvérsia. O Brasil, ao tentar implementar a política do nacional-desenvolvimentismo independente, contrariou os interesses dos Estados Unidos.
Qualquer política de desenvolvimento deve levar em conta que desenvolver-se também significa aumentar a participação no comércio internacional, ocupar espaços, e nenhum Estado soberano cede espaços gratuitamente. Isso sugere que o planejamento e a execução das políticas de desenvolvimento não podem se sustentar sem uma ideologia de segurança nacional, entendida pela Constituição de 1988 como defesa nacional. Esse, ao nosso ver, é um dos fatores pelos quais a política do desenvolvimentismo independente não se sustentou, muito embora ela viesse a ser retomada alguns anos depois. Ao contrário, os Estados Unidos amparados por uma ideologia, uma estratégia e fartos recursos, conduziram com eficiência e eficácia a segurança interna brasileira, daí porque foram vitoriosos no contencioso que durou de 1946 a 1964.
Sob novos paradigmas, criados no pós Guerra Fria, relevantes questões estão em discussão na América Latina, como a ALCA e o "narco-terrorismo", o que não exclui no nosso entendimento, a questão subjacente, que continua sendo a garantia de acesso aos recursos naturais para o desenvolvimento. Portanto, não é prudente relaxar a vigilância. A motivação econômica e o modo como foi executado o recente golpe na Venezuela é um fator importante a ser considerado em qualquer análise mais profunda sobre o assunto. E sob este enfoque, revestem-se de importância especial as advertências do general Patrick Hughes, diretor da Defense Intelligence Agency (DIA)35 , feitas em 1998, sobre as ameaças potenciais para seu país nos próximos vinte anos, entre as quais incluiu a escassez de matérias-primas e agressões ao meio ambiente. Citando a Amazônia como exemplo, Hughes disse que se o Brasil resolvesse fazer uso da região de forma prejudicial ao meio ambiente estadunidense, as forças armadas dos Estados Unidos deveriam estar prontas para interromper o processo imediatamente.

Notas
1 OLIVEIRA, Avelino de; LEONARDOS, Othon. Geologia do Brasil. 2. ed. p. 33. In: FONSECA, Gondin. Que sabe você sobre petróleo? Rio de Janeiro: São José, 1955, p. 94-95.         [ Links ]
2 TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 88.         [ Links ]
3 CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas. Brasília: IBRI, 2001, p. 99-101.         [ Links ]
4 WAINER, Samuel. Jornalistas contam a história. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 jan. 1979. Depoimento ao repórter Wianey Pinheiro.         [ Links ]
5 LAMGGUTH, A J. A face oculta do terror. São Paulo: Civilização Brasileira,1978, p. 92-93.         [ Links ]
6 HUGGINS, Marta K. Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina. São Paulo: Cortez, 1998, p. 81-82.         [ Links ]
7 DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes,1981, p. 79.         [ Links ]
8 LANGGUTH, op. cit., p. 93.
9 COLBY, Gerard; DENNET, Charlotte. Thy will be done, Harper Collins ed., Correio Braziliense. Brasília, 3 mai. 1996.         [ Links ]
10 REVISTA VEJA. O Livro do Ano. São Paulo: 1972.         [ Links ]
11 O IPES veio a ser fundamental para a estratégia de tomada do poder em 1964. Para maiores informações sobre a participação do IPES e seus integrantes no movimento de 1964, ver DREIFUSS, R.A, op. cit.
12 LANGGUTH, op. cit., p. 91.
13 HUGGINS, op. cit., p. 72.
14 LANGGUTH, op. cit., p. 120.
15 HUGGINS, op. cit., p.
16 LANGGUTH, op. cit., p. 95.
17 CEPIK, Marco A .C. Serviços de inteligência: Agilidade e Transparência Como Dilemas de Institucionalização. 2001. Tese de doutorado – IUPERJ, Rio de Janeiro, p. 289.         [ Links ]
18 WISE, David/Ross. O poder secreto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1967, p. 180.         [ Links ]
19 TOTA, op. cit., p. 50-54.
20 TOTA, idem, p. 84-91.
21 A DDP era a repartição que cuidava das operações da CIA.
22 WISE, op. cit., p. 144-153.
23 WISE, David/Ross. O governo invisível. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, p.102.         [ Links ]
24 REVISTA VEJA. São Paulo: 14 dez. 1988.         [ Links ]
25 O DCI além da CIA dirige também a comunidade de inteligência norte-americana.
26 WISE, David/Ross. O governo invisível, op. cit., p. 203.
27 LANGGUTH, op. cit, p. 227.
28 LANGGUTH, idem, p. 90.
29 LANGGUTH, idem, p. 50.
30 CEPIK, op. cit., cap. 5, p. 3.
31 DREIFUSS, op. cit., p. 81, 115 e 116.
32 OLIVEIRA, Lúcio Sérgio Porto. A história da atividade de inteligência no Brasil. Brasília: ABIN, 1999, p. 50.         [ Links ]
33 OLIVEIRA, idem, p. 33-34.
34 JORNAL DO BRASIL. Rio de janeiro: 28 fev./1 mar. 1999.         [ Links ]
35 a) A Defense Intelligence Agency (DIA), subordinada ao secretário de defesa, funciona como agência central do subsistema de inteligência militar norte-americano. Para informações sobre a estruturação do subsistema de inteligência militar norte-americano e funcionamento da DIA, ver CEPIK, op. cit. 
b) As advertências do general Patrick Hughes foram publicadas pela imprensa, o que motivou um protesto oficial do governo brasileiro e, em conseqüência, o desmentido de praxe do governo norte-americano.




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Cientista político e historiador Moniz Bandeira denuncia modus operandi dos EUA para desestabilizar as democracias na América Latina. No caso do Brasil, iniciativas como a criação dos Brics e a escolha do regime de partilha para a exploração do pré-sal despertaram a ira de Washington


O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira (divulgação)


O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira denunciou nesta terça-feira (17) que os Estados Unidos, por meio de órgãos como CIA, NSA (Agência Nacional de Segurança) e ONG´s a eles vinculadas, continuam na tentativa de desestabilizar governos de esquerda e progressistas da América Latina. Moniz Bandeira disse que “evidentemente há atores, profissionais muito bem pagos, que atuam tanto na Venezuela, Argentina e Brasil, integrantes ou não de ONGs, a serviço da USAID, Now Endowment for Democracy (NED) e outras entidades americanas, para desestabilizar esses países, com a utilização de instrumentos que incluem protestos de rua”.

“As demonstrações de 2013 e as últimas, contra a eleição da presidente Dilma Rousseff, não foram evidentemente espontâneas”, disse o cientista político. “Os atores, com o suporte externo, fomentam e encorajam a aguda luta de classe no Brasil, intensificada desde que um líder sindical, Lula, foi eleito presidente da República. Os jornais aqui na Alemanha salientaram que a maior parte dos que participaram das manifestações de domingo, dia 15, era gente da classe média alta para cima, dos endinheirados”, disse Moniz Bandeira, que reside na Alemanha e é autor de vários livros sobre as relações Brasil—EUA.

No caso do Brasil especificamente, citou iniciativas do PT e aliados que contrariam Washington, como a criação do Banco do Brics , uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial e o regime de partilha para o pré-sal, que conferiu papel estratégico à Petrobras, deslocando as petroleiras estrangeiras. Ele lembrou também que a presidenta Dilma foi espionada pela NSA e não se alinhou com os Estados Unidos em outras questões de política internacional, entre as quais a dos países da América Latina..

Confira a entrevista na íntegra:

1)O líder do PT na Câmara, Sibá Machado, comentou nas redes sociais que a CIA tem atuado nas tentativas de desestabilização de governos democráticos na América Latina . Como o senhor avalia isso, diante de vários episódios históricos que mostram os EUA por trás da desestabilização de governos de esquerda e progressistas?

R – Washington há muito tempo está a criar ONGs com o fito de promover demonstrações empreendidas, com recursos canalizados através da USAID, National Endowment for Democracy (NED) e CIA; Open Society Foundations (OSF), do bilionário George Soros, Freedom House, International Republican Institute (IRI), sob a direção do senador John McCain, etc. Elas trabalham diretamente com o setor privado, municípios e cidadãos, como estudantes, recrutados para fazerem cursos nos Estados Unidos. Assim o fizeram nos países da Eurásia, onde de 1989 ao ano de 2000 foram criadas mais de 500.000, a maioria das quais na Ucrânia. Outras foram organizadas no Oriente Médio para fazer a Primavera Árabe.

A estratégia é aproveitar as contradições domésticas do país, os problemas internos, a fim de agravá-los, gerar turbulência e caos até derrubar o governo sem recorrer a golpes militares. Na Ucrânia, dentro do projeto TechCamp, instrutores, a serviço da Embaixada dos Estados Unidos, então chefiada pelo embaixador Geoffrey R. Pyatt, estavam a preparar, desde pelo menos 2012, especialistas, profissionais em guerra de informação e descrédito das instituições do Estado, a usar o potencial revolucionário da mídia moderna – subvencionando a imprensa escrita e falada, TVs e sites na Internet – para a manipulação da opinião pública, e organização de protestos, com o objetivo de subverter a ordem estabelecida no país e derrubar o presidente Viktor Yanukovych as demonstrações contra o presidente Yanukovych, em fevereiro de 2014.

Essa estratégia baseia-se nas doutrinas do professor Gene Sharp e de Political defiance, i. e., o desafio político, termo usado pelo coronel Robert Helvey, especialista da Joint Military Attache School (JMAS), operada pela Defence Intelligence Agency (DIA), para descrever como derrubar um governo e conquistar o controle das instituições, mediante o planejamento das operações e mobilização popular no ataque às fontes de poder nos países hostis aos interesses e valores do Ocidente (Estados Unidos). Essa estratégia pautou em larga medida a política de regime change, a subversão em outros países, sem golpe militar, incrementada pelo presidente George W. Bush, desde as chamadas “revoluções coloridas” na Europa e Eurásia, assim como na África do Norte e no Oriente Médio. Explico, em detalhes e com provas, como essa estratégia se desenvolve em meu livro A Segunda Guerra Fria, e, no momento estou a pesquisar e escrever outra obra – A desordem mundial – onde aprofundo o estudo o que ocorreu e ocorre em vários países, sobretudo na Ucrânia.

2)Além da CIA, como os EUA atuam contra os governos de esquerda da América Latina.

R – Não se trata de uma questão ideológica, mas de governos que não se submetem às diretrizes de Washington. Uma potência mundial, como os Estados Unidos, é mais perigosa quando está a perder a hegemonia do que quando expandia seu Império. E o monopólio que adquiriu após a II Guerra Mundial de produzir a moeda internacional de reserva – o dólar – está a ser desafiado pela China, Rússia e também o Brasil, que está associado a esses países na criação do banco internacional de desenvolvimento, como alternativa para o FMI, Banco Mundial etc. Ademais, a presidenta Dilma Rousseff denunciou na ONU a espionagem da NSA, não comprou os aviões – caça dos Estados Unidos, mas da Suécia, não entregou o pré-sal às petrolíferas americanas e não se alinhou com os Estados Unidos em outras questões de política internacional, entre as quais a dos países da América Latina.

3) O governo da Venezuela tem denunciado a participação de Washington em tentativas de golpe. O mesmo poderia estar acontecendo em relação ao Brasil?

R – Evidentemente há atores, profissionais muito bem pagos, que atuam tanto na Venezuela, Argentina e Brasil, integrantes ou não de ONGs, a serviço da USAID, Now Endowment for Democracy (NED) e outras entidades americanas. Não sem razão o presidente Vladimir Putin determinou que todas as ONGs fossem registradas e indicassem a origem de seus recursos e como são gastos. O Brasil devia fazer algo semelhante. As demonstrações de 2013 e as últimas, contra a eleição da presidente Dilma Russeff, não foram evidentemente espontâneas. Os atores, com o suporte externo, fomentam e encorajam a aguda luta de classe no Brasil, intensificada desde que um líder sindical, Lula, foi eleito presidente da República. Os jornais aqui na Alemanha salientaram que a maior parte dos que participaram nas manifestações de domingo, dia 15, era gente da classe média alta para cima, dos endinheirados.

4) Que interesses de Washington seriam contrariados, pelo governo do PT, para justificar a participação da CIA e de grupos empresariais de direita, como os irmãos Koch (ramo petroleiro) , no financiamento de mobilizações contra Dilma? O pré-sal, por exemplo?

R – Os interesses são vários como expliquei acima. É muito estranho como começou a Operação Lava-Jato, partir de uma denúncia “premiada”, com ampla participação da imprensa, sem que documentos comprobatórios aparecessem. O grande presidente Getúlio Vargas já havia denunciado, na sua carta-testamento, que “a campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. (…) Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.

5) Como o senhor interpreta o surgimento de grupos de direita no Brasil, com agenda totalmente alinhada aos interesses dos EUA?

R – Grupos de direita estão no Brasil como em outros países. E despertaram com a crise econômica deflagrada em 2007-2008 e que até hoje permanece, em vários países, como o Brasil, onde irrompeu com mais atraso que na Europa. E a direita sempre foi fomentada pelos interesses de Wall Street e do complexo industrial nos EUA, que é ceivado pela corrupção, e onde a porta giratória – executivos de empresas/secretários do governo – nunca deixa de funcionar, em todas as administrações.

6) Há, entre os organizadores dos protestos, gente fracamente favorável à privatização da Petrobras e das riquezas nacionais, com um evidente complexo de vira-latas diante dos interesses estrangeiros. Como analisar esse movimento à luz da história brasileira?De novo o nacionalismo versus entreguismo?

R – Está claro que, por trás da Operação Lava-Jato, o objetivo é desmoralizar a Petrobras e as empresas estatais, de modo a criar as condições para privatizá-las. Porém, estou certo de que as Forças Armadas não permitirão, não intervirão no processo político nem há fundamentos para golpe de Estado, mediante impeachment da presidenta Dilma Rousseff, contra a qual não há qualquer prova de corrupção, fraude eleitoral etc., elemento sempre usado na liturgia subversiva das entidades e líderes políticos que a USAID, NED e outras entidades dos EUA patrocinam.



Wikileaks: Estratégia dos EUA para América do Sul contempla “golpes de Estado ou assassinatos”

Escrito por Redação, Postado em Golpe


Por Carlos Eduardo, editor assistente do Cafezinho.
A mídia corporativa norte-americana – e por tabela a imprensa brasileira – tenta passar a ideia de que o Wikileaks é coisa do passado e que não há mais novidades sobre o assunto.
Mas não é bem sim.
Não podemos esquecer que 250 mil documentos da inteligência americana foram divulgados pelo Wikileaks. É muita coisa. Até tudo isso ser analisado e esmiuçado em detalhes por jornalistas, historiadores e cientistas políticos levará anos. 
Esta semana o Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR, em inglês), publicou um desses trabalhos. O estudo revela como Washington passou a financiar golpes de Estado na América do Sul, a partir de 1999, quando a esquerda ganhou força no continente.
Até o assassinato de líderes que não pactuam com os ditames da Casa Branca foi cogitado pelo Departamento de Estado Americano, segundo as correspondências divulgadas pelo Wikileaks.
Abaixo segue trecho da matéria em espanhol, publicado pela agência russa RT. A matéria original, em inglês, pode ser lida aqui.
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WikiLeaks: La estrategia de EE.UU. para Sudamérica contempla “golpes de Estado o magnicidios”
El verano pasado el mundo vio como Grecia trataba de oponerse al dictado de las instituciones internacionales que obligaban al país a aceptar un paquete de nuevas medidas de austeridad. El endeudado Estado griego no pudo negarse a cumplir las órdenes de la Troika de acreedores. Después del referéndum convocado por el Gobierno de Alexis Tsipras, el Banco Central Europeo privó a la economía griega de liquidez, lo que intensificó la recesión y convirtió en una farsa el resultado del voto popular, según la página oficial del centro.
Una batalla similar por la independencia de las naciones se ha estado llevando a cabo en Sudamérica durante los últimos 15 años. A pesar de que Washington ha estado tratando de destruir la ‘disidencia estatal’ en varios países utilizando las mismas técnicas empleadas contra Atenas, la fortaleza de Latinoamérica soportó la presión. Esta batalla épica llevada a cabo principalmente a escondidas de los ojos de los ciudadanos fue reconstruida a través del archivo de documentos del Departamento de Estado de EE.UU. filtrado por WikiLeaks. Alexander Main y Dan Beeton ofrecen una interesante reconstrucción de estos acontecimientos en su libro: ‘WikiLeaks: el mundo según el Imperio estadounidense’.
Los autores argumentan que el neoliberalismo se impuso en América Latina antes de que Berlín y Bruselas humillaran a la democracia en Grecia. A través de la coacción ejercida por los ‘Chicago Boys’ [jóvenes economistas latinoamericanos que regresan a sus países después de estudiar en EE.UU.], Washington logró difundir en Sudamérica la austeridad fiscal, la desregulación, el “libre comercio”, la privatización y la destrucción del sector público desde mediados de 1980. El resultado fue similar a lo que se vio en Grecia: el estancamiento del crecimiento, el aumento de la pobreza, el deterioro de las condiciones de vida de millones de personas y una serie de nuevas oportunidades para los inversores internacionales y corporaciones multinacionales. Pero entonces los candidatoscontra el régimen neocolonial comenzaron a ganar las elecciones y a ofrecer resistencia a la política exterior de EE.UU., poniendo en práctica sus promesas electorales de redistribución social y reducción de la pobreza.
De 1999 a 2008, estos candidatos ganaron las elecciones en Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguay, Bolivia, Honduras, Ecuador, Nicaragua y Paraguay. Gran parte de los esfuerzos del Gobierno norteamericano para subvertir el orden democrático de estos países y volver a imponer el régimen neoliberal son ahora de dominio público gracias a las filtraciones de WikiLeaks que revelaron la verdad sobre la presidencia de George W. Bush y del comienzo de la presidencia de Obama. Washington prestó apoyo estratégico y material a los grupos de la oposición, algunos de los cuales eran antidemocráticos y violentos. Los cables también revelan la naturaleza de los emisarios ideológicos estadounidenses de la Guerra Fría que actualmente elaboran estrategias neocoloniales para Sudamérica. Los autores del libro afirman también que los medios de comunicación corporativos son parte de la estrategia expansionista.
A matéria completa pode ser lida aqui.
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Liliana Ayalde, embaixadora dos Estados Unidos no Brasil. Seu posto anterior foi na embaixada dos EUA no Paraguai. Coincidência?
Liliana Ayalde, embaixadora dos Estados Unidos no Brasil. Seu posto anterior foi na embaixada dos EUA no Paraguai. Coincidência?
Por Caco Schmitt (*)
“O controle político da Suprema Corte é crucial para garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis. Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro”.
A afirmação não é de agora e nem de quem critica o STF por não prender o Cunha, por enrolar a posse do Lula etc. Foi feita há cinco anos pela pessoa que hoje é a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde. A diplomata exercia o cargo de embaixadora no Paraguai (de 2008 a 2011) quando se reportou ao governo norte-americano, relatando a situação do país. Ela deixou o cargo poucos meses antes do golpe que destituiu o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, mas deixou o caminho azeitado. Aqui no Brasil, no cargo desde outubro de 2013, esta personagem é cercada de mistérios e sua vinda pra cá, logo após o golpe parlamentar paraguaio, não foi gratuita.
Liliana Ayalde assumiu seu posto no Brasil cinco meses antes da Operação Lava Jato começar a fase quente. Chegou discretamente, sem entrevistas coletivas, em meio à crise provocada pela denúncia do Wikleaks de que os norte-americanos espionavam a presidenta Dilma, o governo brasileiro e a Petrobras. Segundo Edward Snowden, “a comunidade de espionagem dos USA e a embaixada norte-americana têm espionado o Brasil nos últimos anos como nenhum outro país na América Latina. Em 2013 o Brasil foi o país mais espionado do mundo”, afirmou o ex-funcionário da CIA e ex-contratista da NSA. A mídia brasileira, por óbvio, já preparando o golpe, de modo totalmente impatriótico, não divulgou para o povo brasileiro. E esconderam a grave denúncia de Snowden, que afirmou: “NSA e CIA mantiveram em Brasília equipe para coleta de dados filtrados de satélite. Brasília fez parte da rede de 16 bases dedicadas a programa de coleta de informações desde a presidente Dilma, seus funcionários, a Petrobras até os mais comuns cidadãos, foram controlados de perto pelos Estados Unidos”.
Liliana Ayalde veio ao Brasil comandar a embaixada de um país que fortalecia o bloco chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), contrário aos interesses do grande capital norte-americano; e de um país que exerce forte influência sobre os países sul-americanos com governos populares, todos contrários aos interesses militares dos Estados Unidos na América do Sul. A vinda da embaixadora pode ser mera coincidência?
Não. Segundo informações oficiais da própria Embaixada norte-americana, Ayalde chegou ao Brasil com 30 anos de experiência no serviço diplomático. Trabalhou na Guatemala, Nicarágua, Bolívia, Colômbia e, recentemente, como subsecretária de Estado adjunta para Assuntos do Hemisfério Ocidental, com responsabilidade pela supervisão das relações bilaterais dos Estados Unidos com Cuba, América Central e Caribe. Anteriormente serviu como vice-administradora sênior adjunta da USAID no Bureau para América Latina e Caribe. Entre 2008 e 2011 ela serviu como embaixadora dos Estados Unidos no Paraguai”. Ou seja: sabe tudo de América Latina…
As “pegadas” reveladas
Na internet encontramos vários textos e análises feitas depois do golpe no Paraguai de 2012 que hoje ficam mais claros e elucidam os fatos. Vejam o que escreveu o jornalista Alery Corrêa , no Brasil em 5 Minutos: “O golpe de Estado contra Fernando Lugo, presidente paraguaio, começou a ser orquestrado em 2008, mesmo ano de sua eleição, a qual colocou fim ao reinado de 60 anos do partido Colorado, mesmo partido do antigo ditador Alfredo Stroessner… A mesma Ayalde assumiu em agosto de 2013, sem muito alarde, a embaixada brasileira. Segundo a Missão Diplomática dos Estados Unidos no Brasil, ‘a embaixadora Liliana Ayalde vem ao Brasil com 30 anos de experiência no serviço diplomático’. Em um momento de intenso acirramento político e disputa de poder. O impeachment entra em pauta. A imprensa mais agressiva do que nunca. Não se tratasse de política, diríamos que foi mero acaso. Mas sabemos que não existe falta de pretensão quando se trata dos interesses norte-americanos. Na verdade, eles veem crescer a oportunidade de colocar as mãos no pré-sal brasileiro e estão conscientes da chances reais que possuem com e sem o PT em cena. E certamente, todas as possibilidades já foram avaliadas pelo imperialismo norte-americano”.
Outro texto é da jornalista Mariana Serafini, no Portal Vermelho. “Em um despacho ao departamento de Estado do dia 25 de agosto de 2009 – um ano depois da posse de Lugo – Ayalde afirmou que ‘a interferência política é a norma; a administração da Justiça se tornou tão distorcida, que os cidadãos perderam a confiança na instituição’. Ou seja, apesar da agilidade do processo de impeachment, a embaixadora já monitorava a movimentação golpista três anos antes do julgamento político. No mesmo despacho afirmou que o ‘controle político da Suprema Corte é crucial para garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis. Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro’. ‘A presidência e vice-presidência da Corte são fundamentais para garantir o controle político, e os Colorados (partido de oposição ao Lugo que atualmente ocupa a presidência) controlam esses cargos desde 2004. Nos últimos cinco anos, também passaram a controlar a Câmara Constitucional da Corte’, relatou a embaixadora dos USA no Paraguai”.
No Paraguai, a embaixadora não ficou indiferente ao processo de impeachment, como ela mesma disse no relatório confidencial: “Atores políticos de todos os espectros nos procuram para ouvir conselhos. E a nossa influência aqui é muito maior do que as nossas pegadas”.
E deixaram muitas pegadas, segundo artigo de Edu Montesanti: “No Paraguai, os golpistas agiam em torno da embaixadora. Em 21 de março de 2011, a embaixadora recebeu em sua residência blogueiros paraguaios a fim de ‘conversar’ sobre paradigmas e diretrizes para aqueles setores societários que já estavam desempenhando importante papel na sociedade local. Em tese, para conhecer melhor o trabalho deles, discutir a importância dos blogs na sociedade e a importância da aproximação deles com os governos”.
Laboratório de golpes
Blogs, movimentos de internet, Senado, Suprema Corte… qualquer semelhança entre o golpe em curso no Brasil e o golpe paraguaio não é mera coincidência. O golpe no Paraguai é considerado um dos mais rápidos da história, consumado em 48 horas. O presidente Fernando Lugo foi derrotado no Senado por 39 votos favoráveis ao impeachment e quatro contra. Caiu em 22 de junho de 2012. Uma queda rápida, mas que teve uma longa preparação… Assim como no Brasil, cujo golpe começou a ser gestado não no dia das eleições presidenciais de outubro de 2014, quando a oposição questionou a seriedade das urnas e queria recontagem de votos, mas bem antes. Quando? Depois que o modelo paraguaio de golpe deu certo, conseguindo afastar pela via parlamentar um presidente democraticamente eleito pelo voto.
No seu artigo de junho de 2015, o jornalista Frederico Larsen afirma: “a destituição de Lugo, em 2012, foi o melhor ensaio realizado a respeito do que se conhece como golpe brando, o golpe de luva branca. Trata-se de um método para desbaratar um governo sem a intervenção direta das Forças Armadas ou o emprego clássico da violência. Para alcançar isto, basta gerar um clima político instável, apresentar o governo em exercício como o culpado pela crise e encontrar as formas de dobrar a lei para derrubá-lo. Foi isto o que, três anos atrás, aconteceu no Paraguai”.
E José de Souza Castro, em artigo no blog O Tempo, em 5 de fevereiro de 2015, profetizou: “Dilma pode sentir na pele o golpe paraguaio”. E destacou o papel da embaixadora Liliana: “No Paraguai, ela preparou, com grande competência, o golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo”.
É o que acontece agora no Brasil: um golpe parlamentar, com apoio da mídia golpista. Um golpe paraguaio.
O Paraguai foi um dos países que mais sofreram com a ditadura militar patrocinada pelos Estados Unidos, nos 35 anos do general Alfredo Stroessner (1954 – 1989). Foi a primeira democracia latino-americana a cair. Depois caíram Brasil, Argentina Chile e Uruguai. No Paraguai foi testado o modelo do combate à guerrilha a ser usado, os métodos cruéis de tortura trazidos dos USA pelo sádico Dan Mitrioni e ali nasceu a famosa Operação Condor, um nefasto acordo operacional entre as ditaduras. A CIA transformou o Paraguai no laboratório que testou o modelo de golpe militar a ser seguido e que derrubou governos populares e assassinou milhares de pessoas. Agora, o Paraguai serviu novamente de laboratório de um novo tipo de golpe está em curso no Brasil.
O que nos aguarda
Se o golpe se concretizar, o Brasil “paraguaizado” terá um destino trágico. São raros os estudos sobre o que mudou no país vizinho pós-golpe parlamentar e jurídico, mas o artigo de um ano atrás de Frederico Larsen joga uma luz sobre as verdadeiras intenções do golpe: “Suas primeiras medidas se basearam em outorgar poderes especiais ao Executivo, especialmente em matéria de segurança. Deu vida à Lei de Segurança Interna, que permite ao governo, sem aprovação do Parlamento, a militarização e declaração de Estado de Sítio em regiões inteiras do país com a desculpa da luta contra a insurgência do Exército do Povo Paraguaio (EPP). Os movimentos camponeses denunciam que com esta lei, os militares efetuam despejos e violações aos direitos humanos, favorecendo ainda mais a concentração da terra. Conseguiu aprovar a lei de Aliança Público-Privada (APP), que permite a intervenção de empresas nos serviços que são providos pelo Estado, como infraestrutura, saúde e educação. Em especial, deu um estrondoso impulso à produção transgênica no setor agrícola”.
A publicação Diálogo – revista militar digital – Forum das Américas, de 14/05/2010, manchetou a exigência da embaixadora Ayalde: ““Devem ser repudiados todos os fatos que atentem contra a vida das pessoas e contra a propriedade privada”. Portanto, os deputados golpistas representantes da oligarquia rural, senhores da terra, e da UDR que pressionam o golpista Temer para que o Exército cuide dos conflitos de terra já estão adotando o modelo paraguaio contra os movimentos sociais.
Se o golpe paraguaio vingar no Brasil, retrocederemos em todas as áreas e, mais uma vez, gerações terão seus sonhos abortados, projetos adiados e a parcela fascista, preconceituosa e enfurecida da direita virtual sairá dos computadores e ganhará, de fato, poder nas ruas…
http://jornalggn.com.br/blog/jota-a-botelho/os-golpes-de-estado-na-america-latina

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