Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao vivo repórteres e apresentadores nervosos, consternados, engolindo seco em uma profusão exponencial de gafes e atos falhos poucas vezes vista. Os jornalistas da Globo parece que foram pegos de surpresa: depois de diariamente martelar a narrativa da governabilidade e do “ruim com ele, pior sem ele”, de repente (como se fosse virada alguma chavinha seletora) o discurso mudou radicalmente. Tudo após a explosão nuclear das delações premiadas dos donos da JBS (terceiro maior anunciante da Globo) reveladas em suposto “furo” do jornal “O Globo”. E ainda com direito a cobertura com imagens estilo “black bloc” mostrando rolos de fumaça subindo diante do Palácio do Planalto em noite de protestos. Por que a surpresa consternada dos jornalistas globais, tidos como os mais bem informados e conhecedores dos bastidores do País, como diz marketing da emissora? Mais do que provocar um terremoto político, as delações da JBS deixaram nu o jornalismo global: revelou profissionais alheios à realidade e que apenas repetem discursos ao sabor da mudança dos interesses corporativos da Globo. Mas isso traz um custo psíquico aos incautos jornalistas da emissora.
Certa vez a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller, responsável pelo padrão discursivo de repórteres e âncoras do telejornalismo da Globo, disse de forma dura:
“O apresentador não pode representar as palavras. Tem de ser parcial e exprimir as ideias da empresa em que trabalha. (…) a essência [da palavra] empregada vem da casa. Por exemplo, a palavra cadeira é dita da mesma forma por todo mundo, mas se ela é confortável ou desconfortável, é a empresa que vai dizer. Em qualquer emissora, os apresentadores são escravos, têm que parecer imparciais e, ao mesmo tempo, ser parciais, de acordo com a vontade da empresa” – clique aqui.
Uma dramática demonstração que comprova a descrição dessa especialista “insider” foi dada ontem, e continua no dia de hoje, com as “denúncias-bomba” que explodiram nas telas da emissora dando conta das gravações que os donos do frigorífico JBS entregaram à Polícia Federal mostrando como o desinterino Michel Temer deu aval à compra do silêncio de Eduardo Cunha e como o senador Aécio Neves pediu propina de R$ 2 milhões.
Apresentadores e repórteres gaguejando, engolindo seco, trocando nomes, fazendo trocadilhos involuntários. Gafes e mais gafes em profusão.
Em ato falho William Bonner chamando o desinterino de “ex-presidente” (hoje a apresentadora Maria Beltrão do Estúdio i da GloboNews cometeu o mesmo lapso) ; a apresentadora Renata Vasconcelos antecipando suas falas atropelando Bonner; a apresentadora da GloboNews, Cecília Flesch, perdendo a dicção, se enrolando em nomes e esquecendo, por exemplo, o nome do bairro em BH onde a irmã do Aécio foi presa.
Eliane Catanhêde (aquela da foto que viralizou na qual se mostra relaxada e rindo ao lado de Temer) tentando manter a postura fleumática enquanto as mãos mexiam nervosas; gaguejando, o comentarista Valdo Cruz, também GloboNews, tentava manter a narrativa lamentando a crise num momento “positivo” para a economia; a repórter Andréia Sadi, visivelmente nervosa e estressada ao vivo diante do Palácio do Planalto, atropelando as palavras e dizendo, de passagem, que já estava indo embora...
Foi “furo” do jornal O Globo?
O fato é que a cúpula da emissora já sabia dessas delações da JBS há uma semana. E os jornalistas da emissora parece que foram os últimos a saber, enquanto, até o último instante, mantinham a narrativa da continuidade de Michel Temer em nome da governabilidade, a necessidade das reformas e da recuperação da economia.
Ao vivo, todos pegos de surpresa com a obrigação de repentinamente terem de mudar o discurso martelado diariamente desde o impeachment da presidenta Dilma.
Se na hora do almoço o “imortal” da Academia de Letras, Merval Pereira, defendia nas telas a manutenção do presidente desinterino no julgamento da chapa Dilma/Temer no TSE, mudou abruptamente o discurso à noite com o rosto tão perplexo quanto no dia em que soube da vitória apertada de Dilma nas eleições de 2014.
O suposto “furo” na coluna de Lauro Jardim no jornal O Globo nada mais foi do que o sinal verde da cúpula das Organizações Globo.
Mais do que supostamente dar um “furo” e brincar de jornalismo investigativo, mais do que noticiar uma grave crise política, a Globo desvelou-se a si mesma: o seu jornalismo ficou nu como demonstrou a impagável propagação exponencial de olhos perplexos, gafes, atos falhos e palavras atropeladas no transcorrer dos telejornais.
Instantânea mudança de narrativa
Tudo pareceu como se alguma chavinha seletora fosse virada e, automaticamente, a narrativa fosse mudada de um segundo para outro: da necessidade imperiosa de manter Temer para o País sair da crise (o tom era “ruim com ele, pior sem ele”), de repente tudo mudou para a urgente necessidade de renúncia, impeachment ou mesmo cassação pelo TSE. Governabilidade e economia agora que se danem!
Mas isso tem um custo psíquico para os pobres jornalistas globais: stress, nervosismo e consternação.
E mais! A Globo chegou a ensaiar momentos black bloc mostrando grupos protestando diante do Palácio do Planalto na noite de ontem, com sugestivos enquadramentos de câmera: o Palácio ao fundo com rolos de fumaça preta começando a subir – uma sugestiva exortação para protestos. Globo começa a conclamar o povo para as ruas? Globo virou black bloc mais uma vez?
Assim como quando se posicionou diante da surpreendente vitória de Donald Trump nos EUA? – clique aqui.
Os donos da JBS revelaram mais do que os podres do desinterino Temer, Aécio Neves e próceres da República.
O terceiro maior anunciante da Globo também ajudou a revelar uma das fontes do tautismo (tautologia + autismo – sobre o conceito clique aqui) crônico em processo de metástase na emissora: seus repórteres, comentaristas e âncoras nada mais são do que bonecos ventríloquos que reproduzem irrefletidamente o discurso que aponta a biruta (aquela do aeroporto) da cúpula da Globo.
Como atividade que coleta, investiga e analisa informações, o jornalismo da emissora deveria ser pelos menos a interface ou janela privilegiada da Globo com o deserto do real. Mas, como ficou evidente nessa hecatombe política, os jornalistas globais são meros reprodutores ou correias de transmissão dos releases dos interesses corporativos e governamentais.
Jornalistas “sentados” e “em pé”
O pesquisador Ciro Marcondes Filho apontava no seu livro A Saga dos Cães Perdidos (a metáfora do Jornalismo que perdeu o faro e se perdeu), a rápida transformação tecnológica dividiu o campo jornalístico em dois tipos de profissionais: aqueles que trabalham sentados (limitando-se ao tratamento de releases de agências e assessorias de comunicação) e os que trabalham em pé – a minoria que vai à campo investigar.
No caso do telejornalismo de correia de transmissão da Globo, parece que todos trabalham “sentados” – em redações e estúdios apenas transmitindo as diretrizes dos “aquários” de reuniões E estes, por sua vez, conectados em tempo real com os interesses corporativos dos donos das Organizações Globo. A correia de transmissão que parece acionar o seletor de narrativas dos obedientes e estressados “jornalistas” da emissora.
Se não, como explicar o nervosismo e surpresa ao vivo de repórteres e comentaristas, cujo marketing da Globo afirma serem os profissionais mais bem informados do Jornalismo brasileiro – a emissora sempre mostra repórteres e setoristas em Brasília orgulhosamente falando “estive com o presidente...”, “estive com o ministro...”, “o senador falou comigo...” etc.
Comerciais de empresas de investimentos: quem ganha com a crise?
Mesmo nessa aguda crise política, a Globo tautologicamente se auto-referencia: o suposto “furo” (na verdade, um “sinal verde” dos patrões) foi dado pela coluna de Lauro Jardim do Jornal O Globo, enquanto o próprio jornal comemora o que chama “ibope alto da crise”.
O jornal O Globo comemora anunciando que o plantão da emissora sobre a delação premiada da JBS interrompendo a programação da emissora às 19h37 rendeu 26 pontos em São Paulo e 29 ponto no Rio de Janeiro e o Jornal Nacional 33 pontos.
Sem falar as 23 milhões de visualizações da página do JN no Facebook – segundo o jornal, “os maiores números desde o processo de impeachment de Dilma Rousseff – clique aqui.
Enquanto isso, os intervalos comerciais desses plantões da Globo estavam recheados de comerciais de empresas de investimento e grandes bancos de varejo.
Nas crises políticas e econômicas os grandes beneficiados são a grande mídia e a banca financeira. E os delatores da JBS que antes de jogar tudo no ventilador, compraram “considerável quantia de dólares” sabendo que o dia seguinte seria de pânico e disparada do dólar.
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