sexta-feira, 19 de maio de 2017

Entrevista - Vitor Marchetti: "Aliança das empresas com o poder político foi incapaz de estancar a sangria"


por Débora Melo 
Para cientista político, agentes econômicos romperam com o governo porque não obtiveram êxito em conter o avanço da Lava Jato
Diante da incapacidade de Michel Temer e seu grupo político de “estancar a sangria” provocada pela Operação Lava Jato, o setor produtivo brasileiro decidiu romper sua aliança com a classe política. Esta é a análise que faz o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), sobre o vazamento da delação de Joesley Batista, um dos donos da JBS.
Temer foi gravado dando aval a Batista para a compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A gravação foi feita em ação conjunta da Polícia Federal com a Procuradoria-Geral da República. Para Marchetti, o que está em curso pode ser um novo pacto, desta vez entre os agentes econômicos e o Judiciário.

Nesse cenário, diz o professor, o mais provável é que o "PIB" busque novos parceiros para a concretização das reformas impopulares em curso, como a da Previdência. "O principal indício disso, o mais emblemático, é a reunião da ministra Cármen Lúcia com uma parte do PIB, feita recentemente", afirma Marchetti.
O cientista político se refere ao encontro da presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF) com um grupo de 13 empresáriosCarlos Schroder (diretor-geral da Rede Globo), Candido Bracher (presidente do Itaú Unibanco), Flavio Rocha (dono das lojas Riachuelo), Chieko Aoki (presidente da rede Blue Tree Hotels), Luiza Helena Trajano (dona do Magazine Luiza), Paulo Kakinoff (presidente da Gol Linhas Aéreas), Pedro Wongtschowski (empresário do grupo Ultra, dono da rede Ipiranga), Rubens Menin (dono da construtora MRV), Wilson Ferreira (presidente da Eletrobras), Walter Schalka (presidente da Suzano Papel e Celulose), Betania Tanure (consultora da BTA – Betania Tanure Associados), Décio da Silva (controlador da fabricante de motores Weg), e Jefferson de Paula (chefe da ArcelorMittal Aços Longos na América do Sul). A reunião, realizada no último dia 8, foi o segundo encontro do grupo e durou cerca de quatro horas.
CartaCapital: Como o senhor vê essa crise e que análise o senhor faz do trabalho da Operação Lava Jato?
Vitor Marchetti: Nós tínhamos um governo que havia feito uma aliança com atores econômicos importantes, principalmente do mercado de capitais, com o apoio de grandes empresas. Mas essas empresas se viram atingidas [pelas investigações] mesmo com a aliança que fizeram com o grupo político que assumiu o poder após o golpe parlamentar.
Essa ruptura acontece agora porque os custos dessa aliança estavam altos demais e não estavam sendo suficientes para “estancar a sangria”, como se previa naquele momento inicial, para lembrar a frase do [senador] Romero Jucá. A aliança das empresas com o poder político foi incapaz de cumprir a promessa de estancar a sangria da Lava Jato.
Não à toa, essa operação organizada entre a Polícia Federal, o Ministério Público e a JBS se deu logo depois da Operação Carne Fraca. Parece que, para o setor produtivo, a aliança agora deve ser feita em outro espaço, com as esferas judiciais e policiais. Isso muda a configuração de poder no País. Não é qualquer coisa o dono da JBS grampear o presidente da República. Nós estamos falando do dono de uma empresa multinacional que estava vendo seus negócios serem afetados.
O sistema político não foi capaz de estancar a sangria pelo nível de fragmentação que a Lava Jato tomou. A operação ganhou tal dimensão que fez com que eles perdessem a homogeneidade e o controle das operações. Grupos de policiais federais e promotores começaram a disputar espaço dentro da operação, que passa a ser menos controlada para objetivos políticos e vira um universo de incerteza gigantesco.
O setor produtivo, especificamente a JBS, não queria pagar esse nível de incerteza, principalmente quando a questão começou a avançar para o BNDES e a possibilidade de multas bilionárias. A partir daí, a aliança com o universo político é completamente desfeita, para ser feita em outro nível, com o Judiciário.
CC: Levando em conta que foram esses agentes econômicos que patrocinaram o processo de impeachment, eles devem buscar outras maneiras de emplacar as reformas em curso?
VM: Acredito que sim. E acho que o principal indício disso, o mais emblemático, é a reunião da ministra Cármen Lúcia com uma parte do PIB, feita muito recentemente. Essa reunião se deu justamente para tratar dessas questões, ou seja, de como tocar algumas reformas que interessam ao setor produtivo, rompendo o pacto político com os atores que hoje estão no comando.
Acho que essas gravações já eram conhecidas há um tempo por alguns desses atores, que preparavam uma saída. Não está claro como vai se dar essa saída, mas parece que ela passa pelo papel da Cármen Lúcia, pelo próprio papel do STF.
CC: Como o senhor avalia essa reunião da ministra com os empresários?
VM: Parece que eles já tinham as informações de que o presidente havia sido gravado e de que a situação dele estava impossível. Acho também que o Eduardo Cunha estava disposto a dar muita informação às investigações, assim como o Antonio Palocci. Então acho que houve ali um movimento do setor produtivo de dizer: “Não há mais como manter a aliança com a classe política, vamos agora buscar os atores judiciários para fazer um novo pacto”.
Temos, então, um pacto de exclusão completa do sistema político brasileiro, para defender os interesses do setor produtivo. Então as agendas continuam vivas, mas não sei como essas reformas se darão em um ambiente de derretimento completo do sistema político. Qual será a legitimidade dessas reformas? Como elas vão tramitar? Essas questões não estão claras, mas acho que a agenda não está morta.
CC: O que vem pela frente? Qual é o seu palpite?
VM: Meu palpite é de que o Temer não renuncia. Ele não abriria mão desse espaço de poder para se defender neste momento. E aí nós teremos alguns meses de enfrentamento político pela frente. [O presidente da Câmara] Rodrigo Maia foi um aliado de primeira hora de Michel Temer, e vamos ver como ele vai reagir a isso tudo, porque depende dele a abertura de um processo de impeachment.
Se ele aceitar o processo de impeachment, me parece que o processo prospera. Teríamos mobilizações de rua, pressões dos setores produtivo e de comunicação, enfim, uma pressão que faria o processo correr. Mas isso vai depender do Rodrigo Maia.
CC: Falando em mobilização, qual é o papel da sociedade neste momento?
VM: Claro que é importante e produz algum impacto no universo político, mas eu acho que este jogo está sendo operado nos bastidores. Como quase sempre. Esses movimentos são importantes para produzir pressão e desestabilizar alguns setores políticos, mas boa parte das decisões impactantes é produzida em gabinete. E eu acho que, neste momento, ainda mais. Esta aliança entre o setor produtivo e o Judiciário põe a coisa ainda mais dentro do gabinete.
CC: O senhor vê alguma possibilidade de fortalecimento das Forças Armadas, de uma guinada autoritária no País?
VM: Guinada autoritária do ponto de vista de retomada do poder pelos militares por um golpe militar eu acho pouco provável. Não vou dizer improvável porque hoje no Brasil tudo é provável, mas eu diria pouco provável pela postura que as Forças Armadas adotaram nas últimas décadas em ações políticas decisivas.
Mas o País deu uma guinada autoritária inclusive do ponto de vista do processo eleitoral, dos candidatos que vão se oferecer à disputa, como efeito desse derretimento do sistema político. Historicamente, a anulação da política sempre favoreceu movimentos mais à direita, mais conservadores, reacionários e de preservação da ordem pública.
Nós estamos vivendo o ápice do derretimento do sistema político no Brasil, e isso certamente cria um ambiente favorável para uma guinada mais à direita.

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