Arte Vieira Silva

Não tenha vergonha de ser de esquerda
por Fernando Horta
Uma das partes mais abjetas de toda a articulação do golpe é aquela que tentou fazer com que tivéssemos vergonha de carregar as bandeiras vermelhas que, por toda a história, foram testemunha da troca mais importante que um ser humano pode fazer. Trocar o presente pelo futuro é o que de mais sagrado existe na esquerda.
Para retirar uma presidenta eleita, salvar a trupe de corruptos que ela vinha limpando, vender o país e acabar com a vida da imensa população mais pobre, grupos de direita, financiados pelo capital nacional e internacional, iniciaram uma campanha de criminalização da política, juntamente com um apelo à ignorância, que nos levou diretamente aos braços do fascismo.
Novamente, o erro que já foi cometido tantas vezes no século XX, se repete. No afã de lucrar e calar as massas empobrecidas, o capital se alia ao que há de mais abominável na história do homem. A escravidão foi uma chaga, as guerras um mal inominável, a fome é uma falha social imperdoável, mas é o fascismo e o nazismo que ocupam o espaço máximo da nossa aversão. Uma mistura de horror, ódio e desprezo que simplesmente nos retirou a humanidade.
Foi uma estratégia dos EUA, durante a Guerra Fria, tentar por falácias igualar o regime nazista à experiência soviética. Muito dinheiro estava e ainda está em jogo, exatamente quando se ressuscita o mesmo discurso. Agora, carregado de uma ignorância ainda pior: aproximar TODO o campo da esquerda à monstruosidade que nasceu do ventre da direita e foi amamentado pelo capital no início do século XX.
Em 2013, quando uma parte da esquerda foi engambelada por sonhos de revolução, surgiram as manifestações “apolíticas”. Alguns partidos nanicos de esquerda, ávidos por afastar a simbologia das bandeiras vermelhas e da estrela, ombrearam-se com os fascistas na exigência de “não-politização” dos protestos. O devaneio de movimentos horizontais, espontâneos e revolucionários proporcionou ao protofascismo brasileiro um terreno fértil para releituras daquelas multidões raivosas que saíam às ruas sem pauta e sem controle. Rapidamente se tornaram turbas a atacar qualquer coisa que lhes viesse à mente. A mídia monopolista brasileira, dentro do plano, se encarregou de direcionar as legiões do ódio para onde melhor lhe interessasse.
O resultado foi o ataque ao governo federal que, à época, servia de primeira barricada contra o conservadorismo e o assalto do neoliberalismo. Sob a tutela de Dilma, quadrilhas de pastores enriquecidos pela fé dos incautos eram contidas ou tinham seus efeitos espúrios minorados. Bandos de corruptos eram obrigados a tramarem nas sombras e a baixarem a voz ante aos 54 milhões de votos democraticamente recebidos pela presidenta. Hordas uniformizadas de verde e oliva, incapazes de compreenderem algo mais que a importância do lustro de seus coturnos, tinham suas baixarias confinadas a lista de e-mails e discursos em salas de oficiais em quartéis.
Todos contidos. Amedrontados pela democracia. Acorrentados pela maior das instituições: a vontade popular.
Pois ao deformar as instituições, com ajuda dos seus próprios cães de guarda, o STF abriu as portas para o ódio e a violência. Aquele policial que fazia tiro ao alvo na foto de uma presidente eleita era simples de ter sido demitido e ter sua vida profissional acabada. As escórias armadas que foram libertadas hoje no país já fazem os números de chacinas contra negros, mulheres e populações LGBT serem os mais altos em vinte anos. Quase um militante de esquerda foi assassinado por mês desde o golpe, culminando no assassinato a céu aberto de Marielle Franco.
A porta de entrada de toda esta sujeira foi a campanha de criminalização da esquerda. Jovens ignorantes que sequer entendem o que dizem, se juntam a uma parte semianalfabeta do Ministério Público e do Judiciário brasileiro a babarem de ódio contra “Hegel e Marx”. Tentaram roubar o orgulho de sermos de esquerda. Não conseguindo, passaram a ameaçar a nossa integridade física. As bestas fascistas, incontidas porque deformaram as instituições, se sentem “empoderadas” para destilar idiotias.
Por que um jovem, no Brasil do século XXI, que desconhece um poema de Drummond, enche a boca para falar de Ho Chi-Minh ou Pol-Pot? Por que é capaz de nomear (mas não muito mais que isto) dois líderes da esquerda asiática da metade do século XX e não sabem quem foi Patrice Lumumba ou Bobby Hutton?
Não há nenhum motivo para se ter vergonha de ser de esquerda. É preciso que até mesmo candidatos e candidatas à presidência aprendam isto.
Nenhuma “necrocontabilidade” apresentada como argumento contra a esquerda se difere em razão ou potência dos regimes “democráticos” do ocidente no século XX. O controle social feito pela antiga URSS era brutal? Também o era o controle feito nos EUA, que tiveram por anos campos de concentração em seu território. Mesmo após a guerra, negros, latinos, homossexuais e manifestantes de esquerda eram colocados nestes lugares durante o Macarthismo. A tragédia da fome pela coletivização forçada da URSS foi brutal? Mas por que estas pessoas não conhecem a fome que assolou a Índia, comandada por Churchill ou a África Central controladas pelas capitalistas potências europeias? A polícia política dos regimes de esquerda em nada se diferem das polícias normais dos regimes de direita. Basta perguntar aos negros pobres do Bronx, do Aulnay-sous-Bois ou das favelas brasileiras.
Se a violência não é diferente, e a bestialidade política é característica do século XX, os regimes de esquerda foram os únicos a realmente transformarem as sociedades em que se instalaram. A URSS era feudal antes de 1917, com mais de 70% de analfabetos, controlada por nobrezas de sangue e religiosos. Em 1945 vencia a maior máquina de guerra da história da humanidade. Com aviões, tanques e submarinos. Em 1957 colocava o primeiro objeto em órbita da Terra ...
Existem apenas cinco países que hoje se dizem “comunistas”. Um é a segunda maior economia do planeta e com o maior crescimento dos últimos 20 anos. Cuba sofre um bloqueio econômico há mais de 60 anos e tem a melhor educação e o sistema de saúde das Américas. O leste asiático (Vietnã, Laos e etc.) sofreu ataques químicos e biológicos dos EUA nos anos 50, 60 e 70 e ainda assim sustentam crescimento maior que a média dos países capitalistas. Muito maior, por exemplo, que o Brasil de Temer.
Só a esquerda transforma o mundo. Só a esquerda carrega e sempre carregou os sonhos das massas de viverem um futuro melhor. É o vermelho que carrega a história de todos os que fizeram a troca de seus interesses e sua vida pelos sonhos e pelas vidas no Futuro. É esta esquerda que sustentou pautas anti-escravidão, feministas, trabalhistas, de igualdade econômica e política por todo o mundo, quando tudo o que a ela era oferecida eram prisões, porretes e morte. Aliás, é preciso que se diga que o próprio Capitalismo é filho da esquerda. A burguesia era a esquerda do século XVIII, quando lutou e venceu a nobreza dos privilégios e o clero do obscurantismo.
Nunca sinta vergonha de ser de esquerda. Se nossos erros não são maiores do que quaisquer regimes do século XX, nossos acertos os ultrapassam, e muito.
No século XXI, novamente está posta a luta entre a esquerda e o grupo dos privilégios aliado ao grupo do obscurantismo. Só que agora, como disse um velhinho barbudo, a luta cabe ao proletariado.
Você pode sentir a esquerda nas estrofes de “Les Miserables”
“Do you hear the people sing (Você pode ouvir as pessoas cantando?)
Say, do you hear the distant drums? (Diga, você pode ouvir o som distante dos tambores?)
It is the future that they bring (É o futuro que eles trazem …)
When tomorrow comes! (Quando o amanhã chegar)
Will you join in our crusade? (Você vai se unir a esta cruzada (luta)?)
Who will be strong and stand with me? (Quem estará de pé e forte ao meu lado?)
Somewhere beyond the barricade (Em algum lugar muito além das “barricadas” ...)
Is there a world you long to see? (Existe um mundo que você anseia em ver?)
Do you hear the people sing (Você pode ouvir as pessoas cantando?)
Say, do you hear the distant drums? (Diga, você pode ouvir o som distante dos tambores?)
It is the future that they bring (É o futuro que eles trazem …)
When tomorrow comes! (Quando o amanhã chegar.)
Tomorrow comes! (O amanhã chega!)
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