“O general nunca me ouviu quando escalou seu Ministério. Por que, diabos, teria eu que ouvi-lo agora?”
João Saldanha, então técnico da seleção brasileiras nas eliminatórias de 1969, respondendo a comentário do presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, que resolveu “escalar” Dario “Peito de Aço”. João foi demitido. Zagallo assumiu.
1969. João Saldanha e suas 22 feras. Depois do fiasco de 66, na Inglaterra — quando os bicampeões foram eliminados na primeira fase do Mundial, após duas surras para Hungria e de Portugal — só mesmo um time de feras para recuperar o prestígio de nosso futebol. Saldanha, à época o jornalista esportivo mais respeitado do país – e o foi até sua morte -, convocado para dirigir oscratch nas eliminatórias, aceitou o desafio. Mas não era só isso, infelizmente, que vivíamos fora de campo. Saldanha sempre teve noção da encruzilhada em que se colocara: a chance profissional de sua vida e a convivência com um regime de exceção, com influências, inclusive, na CBD – hoje CBF. O “João sem medo” vivia no “País com Medo” – para os militares, o país que “ninguém segura”. De convicções políticas claras — era comunista — João nunca se dobrou à ditadura militar que governava o país. Algum tempo depois foi demitido e começava a Era Zagallo – que talvez ainda não tenha acabado. Era Dunga, Família Scolari. E no meio Coutinho, Lazaroni, Luxemburgo, Leão, Mano e, agora, Tite- com um gênio no meio deles, Telê Santana. O país deixou para trás a ditadura e, aos trancos e barrancos, vem tentando se manter a democracia, mas no futebol, jogadores e dirigentes, seguem servindo ao “general” de plantão. Ainda que ele seja um ex-capitão.
Esse fim de semana, revimos a família Scolari, com o treinador dessa vez encastelado no Palmeiras, merecido campeão brasileiro. Mas que vergonha me deu ao ver o presidente eleito Jair Bolsonaro, palmeirense de ocasião, depois de assistir o “jogo da taça” no camarote dos dirigentes palmeirenses, descer ao gramado, com o crachá da CBF, vestindo a camisa 10 do Palmeiras e erguendo a taça de campeão brasileiro. Os gritos de “mito” por parte dos 41 mil torcedores que lotaram o Allianz Parque – construído pela WTorre, envolvida na Lava Jato – para o último jogo do campeonato, foram ressaltados pela mídia, que preferiu ignorar os opositores – o toque distópico nesse pesadelo em que nos metemos. Assim como tratar como normal que um presidente eleito com bolsa de colostomia e tudo possa fazer essa farra – erguer taça, dar volta olímpica, que diabo de facada foi essa? Como não lembrar do general Emílio Garrastazu Médici – que, como Bolsonaro, parecia gostar honestamente de futebol – erguer a depois ‘derretida’ taça Jules Rimet ao lado de Pelé, Carlos Alberto e seus “canarinhos” apolíticos.
Ser apolítico em meio a uma ditadura sanguinária é como ser assexuado no meio de uma suruba do fim do mundo.Um caleidoscópio: De Médici a Bolsonaro. Palmeirense fake, o vascaíno Bolsonaro usou final do campeonato como estratégia de marketing. Mas aparentemente ele veste até a camisa do Íbis pra ganhar popularidade. Felipão e Felipão Melo batem continência, Bigode passa direto.
Médici era da “linha dura”, a ala mais radical dos militares. Seu governo foi, talvez, o mais repressivo da história política do Brasil, resultando na morte e tortura de centenas de oposicionistas, acusados ou suspeitos de “subversão”. Foi também um período em que parte da oposição decidiu partir para a luta armada. E veio a Copa de 70. Criou-se um paradoxo nacional, bem retratado no filme “Pra frente, Brasil”. A associação com quem o futuro presidente que admira o regime militar que torturou, matou, censurou e exilou só mostra que o futebol – seus jogadores e dirigentes – não aprendeu nada com a história. Fernando Henrique Cardoso, em seu turno, ergueu a Taça Fifa, abraçou Ronaldinho ‘Cascão’ e festejou com Ricardo Teixeira – um dos três ex-comandantes da CBF (Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e José Maria Marin) presos e acusados de lavagem de dinheiro, estelionato, crime contra a ordem tributária, crime contra o sistema financeiro nacional, organização criminosa e crime eleitoral. Lula fez o mesmo com a taça da Copa América, em 2004.
Não se sabe há quanto tempo o carioca Bolsonaro é palmeirense – mas, digamos, ele se converteu na hora certa. Aparecer no último jogo do Brasileirão, com o Palmeiras já campeão – o ex-presidente Lula é uma corintiano fanático -, foi uma boa jogada. Não se tem notícias de que levou vaias. Mas memes nas redes sociais o mostravam como uma metamorfose ambulante: com camisas de diversos times, especialmente o Rio e de São Paulo – Flamengo, Vasco Fluminense, Corinthians, etc. O volante Felipe Melo, que durante a campanha eleitoral já havia dedicado um gol a Bolsonaro – esse ogro ainda surpreende alguém? – prestou continência ao capitão. Mas em cenas vistas e revistas nas redes, é possível perceber que pelo menos um jogador do Palmeiras, por distração ou convicção, deixou Bolsonaro no vácuo, rindo sozinho. William Bigode passou batido por Bolsonaro, e sequer o cumprimentou na entrega das medalhas. Já temos nosso jovem Saldanha. Será ele expurgado do Palmeiras?
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