segunda-feira, 1 de abril de 2019

A desorientação da oposição, por Aldo Fornazieri


O fato é que as oposições vêm sendo pautadas pelos posts e pelas declarações de Bolsonaro, pelos seus ministros desastrados, pelos conflitos internos do governo e pelo embate ideológico proposto pelos bolsonaristas.

A desorientação da oposição

por Aldo Fornazieri

O que o Brasil tem hoje é um presidente que não governa, um presidente que desorganiza o próprio governo, um presidente que estimula conflitos políticos e institucionais, um presidente que desune o país, um presidente que agride a consciência democrática e o Estado de Direito, um presidente que despreza a Constituição, um presidente que tece elogios a ditadores sanguinários, um presidente que desmoraliza o próprio cargo e perde autoridade, um presidente desmoralizado no plano internacional, um presidente que não tem um plano e nem um projeto de governo. Várias outras constatações acerca da conduta de Bolsonaro poderiam ser elencadas. Mas, em que pese tudo isto, é preciso ser franco e afirmar que a oposição está desorientada, mesmo com as várias brechas que a atuação desastrada do governo permite para uma oposição forte e consistente.

Ouve-se de muitos oposicionistas e articulistas dizerem que Bolsonaro estaria no fim de seus dias como presidente, mesmo que não haja nenhuma evidência disto. Admita-se, por hipótese, que essas afirmações estejam corretas. Mesmo assim, pouco ou nada acrescentariam à oposição, pois se Bolsonaro caísse seria pela sua incompetência e não por um movimento de massas, não através da ação da oposição democrática. Então, ao propalar esta tese, o que oposicionistas e articulistas estão fazendo é propalar uma ilusão enquanto se espera a queda de um presidente desastrado. É aquela velha história aventureira: quer-se apanhar o fruto sem plantar a árvore.

O fato é que as oposições vêm sendo pautadas pelos posts e pelas declarações de Bolsonaro, pelos seus ministros desastrados, pelos conflitos internos do governo e pelo embate ideológico proposto pelos bolsonaristas. Não que os desatinos de Bolsonaro e dos governistas não devam ser combatidos. Mas esta deve ser uma subpauta das oposições. As oposições deve ter a sua própria pauta vinculada aos problemas reais da sociedade. Em política, operar apenas na defensiva resulta em colher derrotas.

Na semana passada houve um encontro de líderes oposicionistas em Brasília visando buscar uma atuação unificada. O encontro em si é alvissareiro. Mas as diretrizes que saíram do encontro são precárias. O primeiro ponto da nota assinada pelos líderes oposicionistas é mais ou menos óbvio: combater a Reforma da Previdência que quer impor o regime de capitalização e tirar direitos dos mais pobres. Já, o segundo ponto, prima pela confusão: “Do mesmo modo, convidamos para a defesa da soberania nacional”, acrescentando que por trás do discurso nacionalista de Bolsonaro há atitudes antinacionais, o que é verdade. Mas, “convidamos” quem? Ir para onde e fazer o que? Qual a tática? Uma diretriz tão vaga e desprovida de senso prático como essa não pode ser levada a sério. Os militantes e ativistas precisam de orientações concretas, com formas de luta objetivas, com líderes e partidos ativos no exercício de seu papel dirigente.

O terceiro e último ponto chama a atenção para a decisão de Bolsonaro de comemorar o golpe de 1964 e define como centralidade da luta a defesa da democracia, contra a criminalização dos movimentos sociais e dos mais pobres. Aqui também, a orientação fica no declaratório. No epílogo, a nota pede tratamento isonômico para Lula e a sua liberdade porque a sentença ainda não transitou em julgado. A nota deveria ter dito que Lula está condenado sem crime e sem prova e que a sua prisão é política.

Por onde quer que se queira olhar esta nota, no seu conjunto, ela é vaga e frouxa e não orienta as ações das oposições e das esquerdas. As oposições estão passando ao largo dos principais problemas do país que são os mais de 13 milhões de desempregados, o aumento da estrema pobreza e da miséria, a volta da fome, e as tragédias da saúde, da educação, da habitação e da violência. Chega a ser espantosa a pouca incidência que os partidos progressistas tiveram acerca da tragédia de Brumadinho – um crime brutal e coletivo praticado pelos executivos da Vale.

Quem transita pelas periferias ou tem contato com pessoas que vivem nas periferias sabe da trágica decomposição social em que elas se encontram. Não existe renda e emprego. As pessoas vivem de escambo. Trocam serviços, não por dinheiro, mas por comida. Muitos prestam serviços a pessoas das classes médias e sofrem calotes porque as classes médias também se empobreceram. Há um crescimento exponencial do uso de drogas, de tráfico e de prostituição. Há o crescimento da violência interpessoal e, principalmente, da violência doméstica, na qual, mulheres e crianças são as maiores vítimas. Há crescimento de abandono do lar pelos pais/companheiros/maridos. Crescem o número de pessoas que vivem nas ruas e aumenta o número de camelôs, de trabalhadores informais. Não é que as pessoas não têm acesso ao atendimento hospitalar. As pessoas sequer estão tendo acesso a médicos. A tragédia social se avoluma e se agiganta e as oposições e os sindicatos não têm estratégias ou táticas para enfrentar esses problemas. A grande maioria dos pobres estão abandonados à sua própria sorte. Não são muitas as pessoas das periferias que são tangenciadas o articuladas por movimentos sociais organizados.

As oposições, claro, devem travar a luta superestrutural, institucional. Mas, acima de tudo, precisam ter uma pauta para o povo desesperado, para o Brasil abandonado. É verdade que existem movimentos combativos como o MTST e o MST. Mas isto é pouco para o tamanho do desastre social em que o Brasil está mergulhado. Isto é pouco para o crescimento da fome, da miséria e do desemprego. Os partidos políticos têm a responsabilidade principal de colocar a luta em movimento para buscar saídas ante o agravamento da crise social. O fato é que sem lideranças e partidos fortes e competentes deteriora-se a qualidade geral da política e as perspectivas de um país.

As oposições não podem mais ficar apenas na conclamação à “resistência aos retrocessos”, pois os retrocessos, principalmente os retrocessos sociais e de direitos, já estão dados. Os retrocessos são brutais, pois geraram multidões, milhões de pessoas que não têm esperanças, que não tem destinos e que não são capazes de se dar um destino. Milhões de pessoas estão sendo tragadas pela desgraça social e pela falta de acesso a uma dignidade humana básica.

O bônus das expectativas positivas em relação ao novo governo evapora rapidamente. Caem as expectativas positivas do comércio e da indústria, assim como a intenção de consumo das famílias, pois, passado o primeiro mento de euforia com o novo governo, a sociedade começa a perceber a agudeza da crise em toda a sua gravidade.

Se as oposições não agirem agora poderão perder o momento, como o perderam várias vezes em 2015 e 2016 e como o perderam em relação a uma campanha popular em defesa de Lula. Se as oposições perderam o momento outras forças poderão aproveitá-lo caso o governo não consiga governar ou Bolsonaro se recuse a governar, agravando a crise. No caso da hipótese do governo se recuperar, as oposições progressistas, se não agirem agora, terão perdido a chance de agregar força e organizar a sociedade e os movimentos sociais.

A longa crise brasileira tem vários momentos críticos em seu interior. Ao que parece, a conjuntura está entrando em um novo momento crítico que exige soluções, mesmo que parciais. Os militares que estão no governo já perceberam esta situação e começam a operar para superar este momento em favor do governo. As oposições precisam despertar para esta situação. Precisam dizer qual a estratégia, quais as táticas, qual a pauta, quais as lutas e quais os meios para enfrentar esta crise. É preciso sair da ação meramente reativa ao que o governo faz e da oposição declaratória e ter capacidade para passar para uma tática ofensiva.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)

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