Por Luis Nassif
A última reportagem do The Intercept sobre a Lava Jato confirma suspeitas antigas e mostra coincidências curiosas em relação ao modo de operação dos financiamentos da indústria da anticorrupção. O político recebe pelo caixa 2 para financiar sua campanha, e parte do dinheiro vai para enriquecimento pessoal.
A reportagem do The Intercept mostra que o MUDE (Instituto MUDE – Chega de Corrupção) foi criado e, na prática, era dirigido por Dallagnoll, além de ser constituído por membros da Igreja Batista frequentada por ele.
Dallagnol nunca escondeu sua proximidade com o grupo. Ele costumava ceder a líderes do Mude espaço em suas palestras sobre as dez medidas, especialmente as realizadas em igrejas. Os integrantes, porém, eram apresentados publicamente apenas como membros da sociedade civil que haviam abraçado o projeto. Mas as conversas mantidas entre eles no Telegram deixam claro que o procurador coordenava o grupo e acompanhava todos os seus passos, ainda que desse a eles autonomia para decisões administrativas de menor porte.
‘próxima manchete será “o instituto que o dr Deltan criou como fachada pra fazer pressão nos deputados”’, preocupou-se uma voluntária.
Autor de várias iniciativas de divulgação das dez medidas, tais como um “ônibus outdoor” destinado a divulgar as propostas pela região de Curitiba, o Mude passou a ter CNPJ próprio em setembro de 2016. O objetivo era facilitar, entre outras coisas, a captação de recursos para suas ações. Em julho daquele ano, quando o grupo estava às voltas com as últimas burocracias para se formalizar, um dos líderes fez um pedido a uma colega em um grupo de Telegram composto apenas pela cúpula do movimento. “coloca aqui como seria a composição da diretoria estatutária e do conselho que conversamos ? Deltan precisa ver e indicar nomes”.
A nota oficial do MPF do Paraná, em resposta à reportagem, revela que Deltan usou parcela das palestras para financiar o MUDE.
“O procurador Deltan Dallagnol não lidera nem integra o Mude, mas apoia o instituto que é apartidário; conhece seus integrantes e seu compromisso com a causa pública e fez doações, que permitiram o desenvolvimento de um curso online de cidadania. O procurador jamais recebeu recursos do Mude. O procurador sugeriu a algumas pessoas interessadas no trabalho anticorrupção que conhecessem o Mude.
Suponha que setores interessados em derrubar o governo quisessem financiar ações pró-impeachment, mas sem se comprometer. Bastaria contratar uma palestra de Dallagnol, que repassaria parte das palestras ao Instituto. E pode explicar também o fato de o procurador Diogo Castor ter bancado um cartaz em Curitiba em favor da Operação.
Segundo o The Intercept:
Em 18 de novembro de 2016, a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, noticiou que Dallagnol havia visitado a redação do jornal, na capital paulista, acompanhado de Tiago Stachon, vice-presidente de Planejamento da Opus Múltipla. A agência de publicidade, sediada em Curitiba, fazia campanha publicitária contratada pelo Mude para divulgar as dez medidas.
Blogs de esquerda exploraram a ligação de Dallagnol com a empresa a partir dessa nota, o que preocupou a cúpula do Mude. Em um chat privado com o procurador, Patricia Fehrmann, do Mude, disse que a diretoria da Opus Múltipla não havia gostado da repercussão do caso e temia que a agência abandonasse a parceria com o instituto.
Dois dias depois, ela disse a Dallagnol que a crise com a Opus Múltipla ainda não havia sido resolvida e explicou seu temor de futuras repercussões: “próxima manchete será “o instituto que o dr Deltan criou como fachada pra fazer pressão nos deputados” – vão chegar no Mude por causa da ligação com a Opus, vão procurar o CNPJ, estatuto, vao ver os nomes e chegam aqui na igreja facil. todos da igreja do Deltan”.
Dallagnol procurou tranquilizá-la. “Concordo com providências, mas calma rsrs… segura a ansiedade. Se forem fazer isso, vão fazer de qq modo, fale eu ou não… é o endereço que ficou o da igreja, não.?”, perguntou. A líder do Mude confirmou. “Já pedimos pra alterar o endereço. Vai mudar essa semana. Mas o original ficou da igreja”.
O cachorrinho e o cachorrão
As páginas do MUDE, no Facebook, são carregadas de posts atacando Ministros do Supremo e elogiando Dallagnol. Como a nota de 20 de abril passado:
“A Lava Jato é a a briga de um cachorrão contra um cachorrinho. E a gente é aquele cachorrinho bem bravo. E sabe porque ele não é esmagado? Porque não é um só, são 10, 20, 50 cachorrinhos. A nossa força é a força da sociedade, de um consenso social que vem se fortalecendo contra a corrupção e contra a impunidade no nosso país”
Intercept 2 – Dallagnol articulava com Luis Roberto Barroso
Outro ponto relevante é a informação de que Deltan conversou com o Ministro Luis Roberto Barroso, para articular sua indicação como novo relator da Lava Jato, um dia após a morte de Teori Zavascki. E articulou, junto às milícias digitais, ataques aos demais Ministros do Supremo. Como mostra a preparação de um vídeo para constranger Alexandre de Moraes a não votar contra a prisão após 2ª instância.
Alguns pontos chamam atenção.
O primeiro, de considerar Barroso melhor do que Luiz Edson Fachin, e acionar os movimentos de rua para apoiá-lo e de apoia-lo, apesar de considerar que Fachin “não seria ruim”.
O segundo, a extraordinária coincidência de Fachin ir para a 2ª turma e o algoritmo do Supremo escolhê-lo como relator. É mais uma daquelas coincidências espantosas que mostra a manipulação dos sorteios. Em um sorteio honesto, a probabilidade de sair Fachin seria de 20%. Ou seja, a probabilidade de não sair Fachin seria de 80%. Mesmo assim, deu Fachin.
Intercept – a incrível cobertura da Lava Jato
Incrível como as ações de um grupo de deslumbrados, que revelavam todas suas estratégias pelo Telegram, que arrotavam esperteza com os colegas, tenham passado totalmente em branco pela cobertura dos setoristas. Eles não faziam cobertura: davam cobertura.
Intercept 3 – a procuradora que quis ser a Dallagnol paulista
Em seu curto e intenso período como ativista política da Lava Jato, a procuradora Thamea Danelon expôs o Ministério Públco Federal a toda sorte de vexames.
Pelos primeiros movimentos, Thaméa representa a face mais comprometedora da Lava Jato.
É ativista política, conforme demonstrou participando ativamente das convocações do MBL (Movimento Brasil Livre) a favor do impeachment. Aliás, é sintomático o fato de terem sido abertas representações contra procuradores que participaram de atos contra o impeachment, e nada ter sido feito contra os que participaram ostensivamente dos atos a favor. Mas, enfim, esta é a cara do MPF.
Em São Paulo, Thaméa transformou-se em figura fácil de programas nitidamente partidários.
Em participação recente no Roda Viva, a procuradora expôs todo o Ministério Público, ao receber lições de direito de um jornalista. Sua reação foi ir ao programa da notória Joyce Hasselman, para poder distribuir afirmações taxativas sem risco de ser questionada, ocasião em que atacou o STF (Supremo Tribunal Federal), apontando-o como risco à Lava Jato.
No programa Pânico, da Jovem Pan, ela se permite criticar o hermetismo dos Ministros do Supremo, ou, como diz o apresentador do programa, “dos veinhos que ficam votando”.
Os diálogos revelados pelo The Intercept mostram que ela era um dos pontos de contato da Lava Jato com os movimentos de rua em São Paulo.
Os movimentos do MPF eram evidentes e foram ignorados pelos parceiros jornalistas da cobertura, como prova o artigo de um ano atrás.
Nesses tempos de Lava Jato, o Ministério Público Federal foi afetado de várias maneiras.
Primeiro, o jogo político, no qual os principais lances eram casados com eventos políticos. Depois, o protagonismo indesculpável de procuradores, se colocando como heróis nacionais e se apropriando (inclusive monetariamente, através de palestras) dos benefícios de uma investigação que era mérito das prerrogativas constitucionais do MPF. Some-se a atuação política indevida, com pregações em redes sociais, rádios e TVs. Finalmente, o vazamento escandaloso de informações visando conquistar espaço junto aos veículos de comunicação.
Com exceção dos vazamentos – porque, a rigor, não há ainda o que ser vazado – a procuradora Thaméa simboliza todos os vícios desse MPF, o salvacionismo, o ativismo político, a figura fácil em programas de rádio e TV.
No auge do deslumbramento, concedeu entrevista ao Estadão, onde se referia assim às milícias digitais:
Somente veio para nós pessoas que não têm foto privilegiado. Dificultar, não, é o nosso trabalho. Temos que investigar. Se vai ter manifestação a favor, militância, não diz respeito a nossa atuação. O que a gente tem de fazer é investigar o fato.
A tempo, o MPF afastou Danelon do comando da Lava Jato paulista e ela se recolheu ao anonimato anterior.
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