domingo, 22 de setembro de 2019

A militarização da rede de ensino e o fator “boquinha”, por Luis Nassif

            Por Luis Nassif
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Há uma explicação simples para o fato do Alto Comando das Forças Armadas reagirem contra essa história de transformação de escolas em colégios militares, e a bancada da bala ser entusiasticamente a favor.

O modelo proposto garante a chamada “boquinha”, que consiste no comandante da PM poder indicar, para cada escola, dois militares da reserva, mesmo sem nenhuma formação pedagógica, para ganhar complementos de aposentadoria de R$ 2 mil por mês. É o que consta dos acordos entre municípios baianos e a PM, para militarização das escolas.

A Recomendação No. 04/2019 da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal da Bahia, é um laudo definitivo sobre esse jogo das escolas militares, não apenas por desnudar os interesses menores envolvidos, mas por colocar em xeque um factoide disseminado: o de os colégios militares são melhores por dispor de uma pedagogia superior às da rede pública.

Na execução do projeto, o acordo prevê que

“a Polícia Militar indicará policiais militares da reserva remunerada ou reformados para as funções de diretor militar, diretor de disciplinas e tutores, que atuarão na unidade de ensino municipal conveniada, com remuneração mensal paga pela Prefeitura que varia entre R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00, resultando em custo anual de até R$ 162.000,00, por colégio”.

A norma atropela a Constituição Federal que, em seu artigo 206, inciso V, dispõe que os profissionais da educação escolar das redes publicas ingressarão na carreira exclusivamente por concurso publico de provas e títulos.

No caso dos PMs, serão selecionados livremente entre membros da própria corporação, sem nenhum tipo de exigência.

Pior que isso, os colégios desenvolverão projetos pedagógicos de acordo com instruções recebidas do Instituto de Ensino e Pesquisa da PM da Bahia. E a direção da escola será dividida entre um diretor escolar e um diretor militar.

Ou seja, PMs inativos serão responsáveis por “coordenar a elaboração e acompanhar o projeto pedagógico da unidade escolar, administrar a unidade escolar, acompanhar e avaliar os planos, programas e projetos voltados para o desenvolvimento do sistema de ensino da escola, estimular a produção de materiais didático- pedagógicos na unidade escolar, promover a politica educacional que implique no perfeito entrosamento entre os corpos docente, discente, técnico-pedagógico e administrativo, supervisionar a distribuição da carga horaria obrigatória dos servidores da escola, administrar os recursos financeiros, elaborar e executar os planos de cursos e ementas de instrução militar, coordenar a comemoração solene de datas cívicas, fomentar atividades esportivas, presidir diariamente as formaturas matinais e vespertinas, fiscalizar diariamente a apresentação pessoal dos alunos, realizar a fiscalização dos corredores; aplicar instrução militar, orientar diariamente os alunos para obtenção dos padrões disciplinares exigidos pelo regimento escolar, dentre outras”.

A disciplina militar em colégio

Quando ingressa em um colégio militar, o aluno pretende seguir carreira militar. Agora esses padrões serão aplicados indistintamente a todos os colégios municipais.

Os alunos terão que se submeter à seguinte disciplina:

* Para os alunos, corte de cabelo em padrão militar, com detalhamento rigoroso, além de proibir o uso barba e bigode;
* Para as alunas, é obrigatório cabelo de tamanho longo ou médio, “preso em conque, com redes, a qual deve ter a cor do cabelo”, sendo vedado o uso de penteado “exagerado (cheio ou alto)”.
* Os regimentos ainda proíbem o uso de brincos que ultrapassem o lóbulo da orelha e de piercings, além de limitar o tipo de maquiagem, batons e esmaltes, cujas cores e tipos permitidos são expressos.
* São previstas transgressões disciplinares para o descumprimento desses padrões estéticos, inclusive fora do ambiente escolar, quando fardados, podendo resultar até na exclusão do aluno do estabelecimento escolar.
* Também é considerado transgressão disciplinar o simples uso de óculos esportivo “sem autorização de quem de direito”, ou “namorar, quando devidamente uniformizado, dentro do Colégio ou fora dele”, além de outros comportamentos normais para jovens, sem qualquer justificativa plausível, senão puro moralismo e autoritarismo.
* Esses regimentos disciplinares autorizam o controle de conteúdo das publicações que os alunos portem ou divulguem, inclusive nas redes sociais, ao proibir “[t]er em seu poder, introduzir, ler ou distribuir, dentro da Escola, publicações, estampas, jornais ou através das redes sociais, que atentem contra a disciplina, a moral e a ordem publica”17 e “levar para a Escola qualquer material estranho às atividades escolares, sem autorização de quem de direito”1.
* Atos decorrentes do exercício da liberdade de expressão são considerados como transgressões disciplinares, tais como “provocar ou disseminar a discõrdia entre colegas” e “provocar ou tomar parte, fardado ou estando no Colégio, em manifestações de natureza política”
* Igualmente viola o direito à liberdade de expressão as transgressões disciplinares por: “travar discussões com seu colega”, “promover ou tomar parte de qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatõrio ou de crítica” e “dirigir memoriais ou petições a qualquer autoridade sobre assuntos da alçada do comandante do CPM” ou “[…] sobre assuntos da alçada do Diretor PM do CPM.

Como observa a PRDC, “diferente dos colégios militares, que possuem público específico, com a maior parte das vagas reservadas a filhos de militares, que buscam essa opção baseada na hierarquia e disciplina, cuja finalidade é formar futuros militares, os demais colégios públicos são voltados para a comunidade em geral, composta por pessoas de diferentes personalidades e vocações, devendo formar os alunos e alunas com base no pluralismo e na tolerância, com respeito e incentivo às individualidades e diferenças socioculturais”.

Os resultados dos colégios militares

O documento questiona a suposta superioridade pedagógica das escolas militares, especialmente em dois quesitos que nada têm a ver com projeto pedagógico.
O primeiro é o nível socioeconômico dos alunos dos colégios militares, em comparação com os alunos da rede municipal. O segundo é o gasto por aluno nas duas instituições. É evidente que há um gasto muito maior nos colégios militares, que não será acompanhado na rede municipal.

Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP sobre as notas do ENEN de 2015, o Colégio Militar de Salvador (federal), com a melhor avaliação entre as escolas públicas, tem alunos considerados com nível socioeconômico “muito alto”, enquanto os Colégios da Polícia Militar, com boas avaliações entre as escolas públicas, possuem alunos com nível socioeconômico entre “médio alto” e “médio”.

Ora, um dos elementos essenciais na formação de um aluno, segundo todas as pesquisas, é a família regularmente constituída e a presença permanente da mãe em casa, só possível em famílias de melhor nível socioeconômico. Meramente a transformação de um colégio em escola militar não possui a mágica de elevar o nível socioeconômico da família.

Além disso, questiona a falta de informações sobre as diferenças de estruturas físicas e valores gastos por estudantes nos Colégios da Polícia Militar e nas escolas públicas municipais da Bahia, para comparação.

Mesmo levando em conta todas essas diferenças, “não se tem conhecimento de estudo aprofundado que embasasse a conclusão que a melhor avaliação dos alunos dos Colégios da Polícia Militar, em comparação com a média dos colégios públicos, decorre da citada “metodologia e filosofia” dos colégios militares, e não da melhor estrutura, da forma peculiar de seleção e do nível socioeconômico de seus alunos”.

O documento analisa as pesquisas do INEP, sobre as notas do ENEM de 2015. Das 20 escolas públicas mais bem avaliadas na Bahia, 17 foram unidades do Instituto Federal da Bahia – IFBA ou do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IF Baiano, instituições públicas de ensino não militarizadas.
A “boquinha” na mudança das políticas sociais

A “boquinha” tem sido o maior fator de alterações nas políticas sociais do governo Bolsonaro. A volta do anacronismo “comunidades terapêuticas”, para atendimento de drogados, atende os interesses financeiros de grupos religiosos e de PMs envolvidos no combate ao tráfico. O combate à educação inclusiva visa garantir os currais das APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e sociedades Pestalozzi.

Todo esse movimento reflete a ampliação do baixo clero na composição da Câmara dos Deputados, com a ascensão da bancada da bala.

A conclusão final é que colégios militares são ótimos. Para formar militares.

Recomendação do Ministério Público Federal da Bahia no final da matéria.

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