sábado, 14 de setembro de 2019

O grande vilão está de volta. Será mesmo?

Campanha contra o mosquito responsabiliza, de novo, inseto e sociedade — e esconde as causas sanitárias das moléstias. Leia também: políticos deleitam-se na Saúde privada; socorro do SUS ao incêndio na Rede D’Or



Por Maíra Mathias e Raquel Torres

QUASE TUDO IGUAL

Foi lançada ontem a campanha anual de combate ao mosquito Aedes aegypti. O mote é o de sempre: dizer que a população tem que fazer a sua parte. Nas peças, aparece as frases “E você? Já combateu o mosquito hoje?”. Arrematadas com um toque de bolsonarismo: “Proteja sua família.” Parece não haver no horizonte nada mais sofisticado do que a responsabilização/culpabilização das pessoas. Este ano, o Ministério da Saúde antecipou a campanha que começa tradicionalmente em novembro para setembro porque, segundo Mandetta, isso dará mais tempo aos gestores e à população para prevenção, antes que as chuvas cheguem.

PROPOSTA NA MESA

Temos falado aqui há muito tempo – graças à discussão constante promovida pelo pessoal d’O Joio e o Trigo – sobre a expectativa envolvendo uma nova proposta da Anvisa para a rotulagem de produtos com excesso de sal, açúcar e gorduras. Para quem não lembra, havia de um lado a pressão da indústria pela adoção de um modelo de semáforo (com as cores vermelha, amarela e verde para os componentes-chave); de outro, organizações da sociedade civil defendiam adotar um símbolo de advertência, como faz o Chile desde 2016. Ontem, a diretoria colegiada da agência apresentou sua proposta e anunciou a abertura para consulta pública. Sua decisão, afinal, foi por uma terceira via: nem semáforo, nem advertência, mas um sistema baseado no canadense. Os rótulos de alimentos com alto teor de sódio, gordura e açúcar teriam a simbologia de uma lupa, para que o consumidor possa visualizar nos produtos o que pode trazer de maior risco para a saúde.

Há problemas, como mostra João Peres, no Joio. A começar pelo fato de que, enquanto há pesquisas apontando o sucesso do sistema chileno para reduzir o consumo de sal, gordura e açúcar, o canadense ainda nem foi implementado. E a agência recuou em relação a um ponto importante. Previamente, indicou que poderia proibir produtos que tivessem excesso de algum dos ingredientes-chave de exibir mensagens positivas (como ‘contém a vitamina tal’). Isso caiu, e esse tipo de mensagem só não pode aparecer se for relacionada ao ingrediente em excesso: “Ou seja, um salgadinho não poderá dizer que reduziu o teor de sódio, mas poderá propagandear que tem vitaminas e minerais importantes para o crescimento saudável”.

Além disso, o prazo para adaptação é bem longo, de três anos. Tempo suficiente para que a indústria reformule os produtos de modo a reduzir sal, açúcar e gorduras – e substituí-los por outros que talvez também sejam nocivos. É o caso dos adoçantes. Havia propostas da sociedade civil para adotar selos se referindo a esses ingredientes, mas elas foram recusadas. “O que pode acontecer é que daqui a três anos pouquíssimos produtos recebam algum selo e aí a medida passa a ter efeito contrário: legitima produtos sem selos que estão longe de ser saudáveis”, escreve Peres. 

UM DINHEIRÃO PÚBLICO PRO PRIVADO

Hoje, a Folha traz uma interessante reportagem sobre os gastos da Câmara Municipal de São Paulo com planos privados de saúde. Em junho do ano passado, foi sancionada uma lei que permite o ressarcimento de despesas médicas e odontológicas para vereadores, servidores, policiais civis e militares lotados na Câmara e funcionários comissionados. Além de seus dependentes. Ao todo, 2.032 funcionários ativos e os 55 vereadores têm direito ao auxílio-saúde. O jornal descobriu que isso tem representado, todo mês, um gasto de mais de R$ 1 milhão. De julho de 2018 a julho deste ano, foram gastos mais de R$ 14,5 milhões. A lei prevê que o ressarcimento pode chegar a um valor de até R$ 1.079 mensais para funcionários e dependentes com mais de 59 anos. “Dessa forma, os beneficiados não precisam gastar seus recursos pessoais com planos de saúde privados nem se submeterem ao Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade, que há anos enfrenta dificuldades advindas da escassez de recursos”, observa o repórter Guilherme Seto, que obteve os dados via lei de acesso à informação. 

O SUS ESTAVA LÁ

Ontem, um hospital da Rede D´Or pegou fogo no Rio. Foi no final da tarde que o incêndio começou no Badim, localizado na região do Maracanã. A causa foi um curto-circuito em um gerador no subsolo de um dos dois prédios do complexo hospitalar. Pelo menos 11 pessoas que estavam internadas morreram. Ainda não há informações sobre a identidade das vítimas. A rua em frente ao hospital precisou ser interditada para que os pacientes fossem colocados na calçada e recebessem os primeiros socorros. Todos tiveram que ser transferidos, e a Rede D´Or se encarregou de parte disso. Mas o SUS mostrou, mais uma vez, sua importância: a secretaria estadual do Rio disponibilizou ambulâncias e leitos em vários hospitais e UPAs. Alguns feridos foram atendidos no Instituto de Assistência aos Servidores do Estado, que fica a poucos metros do Badim. 

MAIS SOBRE A VACINA

Ontem, o presidente da Anvisa e o ministro da Saúde discutiram uma nova visita às instalações da fábrica da empresa indiana Biologicals, fabricante da vacina pentavalente, que está escasseando em vários postos de saúde. O encontro ocorreu no Ministério, a pedido de Luiz Henrique Mandetta que, esta semana, foi procurado por representantes da Biologicals. A empresa, que fornece vacinas para o Brasil há dez anos e teve o último lote embargado, afirmou que todas as pendências de boas práticas que tinham sido apontadas pela Anvisa foram resolvidas. Uma nova permissão de importação só poderá ser concedida com inspeção no local, que deve acontecer o mais rápido possível, de acordo com o presidente da agência reguladora brasileira.

CROWDFUNDING PRA SE TRATAR

Vasculhando o GoFundMe e outras plataformas de financiamento coletivo em busca de menções aos 20 tipos mais comuns de câncer nos EUA, pesquisadores encontraram nada menos que 37,3 mil campanhas. Selecionaram aleatoriamente cerca de mil para uma análise mais detalhada – e viram que 26% delas eram cabeceadas por pacientes que tinham seguros de saúde insuficientes. A meta média de captação era de US$ 21 mil, mas as campanhas só conseguiam levantar, em média, US$ 5 mil. Cerca de 40% das campanhas pediram fundos para pagar contas médicas, seguidos por 25% para viagens médicas e 23% para contas não médicas.

“O uso do GoFundMe nos mostra muito do que já sabemos: que para muitos, a atual rede de segurança é inadequada e pode criar ruína financeira”, disse à Reuters o professor Benjamin Breyer, um dos autores do estudo, que foi publicado no JAMA Internal Medicine.

SOLTOS

Ontem, o ministro do STF Gilmar Mendes concedeu habeas corpus aos empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita. Eles foram acusados de comandar um esquema de fraudes na compra de materiais para hospitais públicos do Rio durante o governo Cabral. Presos em Bangu há mais de um ano por ordem do juiz Marcelo Bretas, Iskin e Estellita foram detidos na operação SOS. Segundo O Globo, entre os argumentos apresentados pela defesa para soltar os empresários, está o fato de Estellita ter sofrido três “apagões” no período em que ficou preso. Eles serão obrigados a comparecer em juízo, mas não precisarão usar tornozeleira eletrônica. 

PRÓS E CONTRAS

Médicos e pesquisadores já estão usando dados públicos de mídias sociais para investigar doenças. Por um conjunto de técnicas chamado fenotipagem digital, esses dados são coletados e sistematizados para criar algoritmos e, por exemplo, determinar “o comportamento de transmissão do vírus HIV, detectar o Mal de Parkinson e avaliar o risco de suicídio de um determinado indivíduo”, segundo a matéria do Nexo. É que dá pra saber muito da nossa rotina a partir das nossas relações com a tecnologia. A reportagem exemplifica com caso real de diagnóstico psiquiátrico apoiado nisso: era uma paciente que, num dia, passou a maior parte do tempo em casa, vendo Netflix e pedindo comida pelo celular (quem nunca?) e no dia seguinte saiu 12 vezes de casa e gastou US$ 3 mil num site de compras. Os indícios eram de que pudesse ter transtorno bipolar, e a condição depois foi diagnosticada. 

Obviamente, há implicações éticas. Imagine o que dados indicando certos comportamentos ou doenças podem gerar indo para as mãos erradas… A matéria cita alguns artigos que discutem isso. Especialistas observam que é preciso garantir a segurança dos dados coletados e que os usuários controlem totalmente o que querem ou não compartilhar. E, claro: que softwares e apps não sejam permitidos a repassar dados a terceiros sem consentimento. 

PROIBIÇÃO À VISTA

Na última quarta-feira, Donald Trump afirmou que os cigarros eletrônicos são um “grande problema”. A declaração foi dada no salão oval, ao lado de autoridades da saúde, e foi o primeiro passo do governo dos EUA rumo à proibição da venda de cigarros eletrônicos com sabor. O anúncio acontece em meio à pressão da opinião pública para que sejam tomadas medidas de proteção aos jovens. Por lá, como dissemos por aqui, já foram registrados mais de 500 casos relacionados a uma doença ainda desconhecida, comprovadamente ligada a esses dispositivos.

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