Desde a consumação da tragédia nacional em dois atos, em abril de 2016 e outubro de 2018, analistas políticos foram unânimes em apontar que haveria uma destruição sistemática de conquistas e direitos trabalhistas.
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O abono do PASEP, a cachaça e a gorjeta
por Luiz Fernando Juncal Gomes
O primeiro pagamento do abono do PIS/PASEP teve início entre novembro e dezembro de 1975, 5 anos após a sua criação (Lei 07, de 07.09.1970). Era uma novidade que estava a cargo dos bancos públicos administradores, o Banco do Brasil (Pasep), e a CEF (PIS).
Havia acabado de entrar no BB (out/1975), em Ponta Porã (MS), o chefe chamou, informou do início dos pagamentos dali a uma semana, entregou os relatórios com os cupons destacáveis para pagamento, e um calhamaço de instruções e cartas circulares para estudar. O público alvo eram os servidores públicos, no caso local, os ferroviários, militares, entre outros.
Naquela manhã de agência O ferroviário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil NOB), ramal de Ponta Porã, chegou até a minha mesa logo na primeira semana de iniciado o pagamento, entre ressabiado e incrédulo, temendo ter caído em um trote aplicado pelos colegas de trabalho. Indagou se era verdade que havia um dinheiro para eles de um tal Pasep. Confirmei e pedi a CTPS que já tinha visto no bolso. Carimbo do cadastramento na página certa, o cartão de identificação do participante grampeado na contracapa da carteira, número conferido e assinatura colhida, tudo OK.
Antes de encaminhar para o caixa, fiz uma longa explicação sobre o que era o Pasep, de onde tinha surgido, finalidade. O ferroviário ouvia a explicação atentamente, ainda com cara de incrédulo. Encaminhei para a fila do caixa e entreguei o cupom para a retaguarda dos caixas para liquidação.
Cerca de meia hora depois, manhã de agência cheia, entretido em um atendimento, só vi quando o ferroviário chegou muito perto de mim, com um bafo de cachaça inacreditável para aquela hora da manhã e perceptível de muito longe, e disse baixinho no pé do ouvido, “Isso aqui é pra você”, e enfiou uma cédula de dinheiro no bolso da camisa , virou no pé e foi em passos largos em direção à saída.
Em uma fração de segundo me dei conta do que tinha acontecido, pedi licença para o cliente na mesa e saí atrás do ferroviário praticamente correndo, peguei-o já na porta, e a duras penas consegui convencê-lo a aceitar de volta a “gorjeta”, agradeci muito, que ele não se ofendesse, mas não era necessário, etc. Concordou e foi embora embalado e feliz da vida.
O ferroviário estava tão eufórico com o abono inesperado que ali mesmo no boteco ao lado comemorou com duas ou três cachaças. Mas Sentiu que estava em falta com alguém, e voltou ao banco para gratificar o responsável, na sua concepção, por tudo aquilo, na sua imensa bondade e simplicidade. Não passava pela sua cabeça que não era um favor, uma concessão, mas um direito. Certamente não estava acostumado com aquilo,
Conclusões:
1) Em meio século de existência, os fundos do PIS/PASEP serviram de funding para inúmeras linhas de crédito operacionalizadas pelos bancos públicos BB e CEF, voltadas para o financiamento de micro e pequenas empresas. Em tempos de Selic na estratosfera, as linhas de capital de giro e investimento de longo prazo com recursos do Pasep eram um bálsamo;
2) Desde a consumação da tragédia nacional em dois atos, em abril de 2016 e outubro de 2018, analistas políticos foram unânimes em apontar que haveria uma destruição sistemática de conquistas e direitos trabalhistas. E que a conta a ser paga recairia sobre os ombros dos vulneráveis, como se comprova diariamente, de forma dramática.
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