Nonato Menezes
Todas as Nações têm suas elites e quase todas são canalhas. Mas algumas são mais canalhas que as outras.
As elites brasileiras, por exemplo, numa eventual disputa para a escolha da pior do mundo, assegurariam, de longe, o primeiro lugar. Assumiriam o topo como as mais abjetas e desonestas com sua própria nação.
No quesito violação das regras políticas, elas são invencíveis e incomparáveis; basta observarmos a sequência de golpes de Estado perpetrados em tempos históricos relativamente curtos.
Se puxarmos o fio do novelo dos últimos setenta anos, veremos o que tem sido feito pelos donos do país em prejuízo dos direitos sociais, econômicos e políticos da sociedade brasileira.
O viés político nos mostra com clareza como as elites atuam para se manterem no poder. Por vezes, quase sempre por tempos mais curtos, elas seguem as regras definidas por elas mesmas, pelas quais e com as quais são estruturadas verdadeiras armadilhas sociopolíticas para que elas possam enganar o povo carente de instrução intencionalmente por elas sonegada, criando as condições objetivas para se perpetuarem no poder.
Passemos em revista os últimos anos da nossa “República”, que já foi República Nova, foi só República, chegou a Nova República e hoje quer ser simplesmente República – no sentido mais profundo do termo. Na verdade, achamos que hoje ela é uma divícia de meia dúzia de famílias, que pensam ter a fronte ungida e se julgam as donas deste país.
No cômputo geral, nesses últimos setenta anos, tem prevalecido a violência, a trapaça, o engodo, o desrespeito às regras democráticas e violação aos direitos e interesses da maioria da população.
Na década de cinquenta do século passado, Getúlio Vargas, acuado pelas elites não resistiu às trapaças, deu um tiro no peito, “saiu da vida e entrou para a História”. Seu gesto só serviu para adiar o golpe no sentido clássico, como mostram os dados históricos.
Nos anos seguintes, houve até eleições, mas um dos eleitos, o presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira, governou no fio da navalha. A despeito das dificuldades enfrentadas por ele, o fato concreto é que o processo eleitoral foi tolerado. E é absolutamente estranho que até a ditadura, Juscelino foi o único presidente a passar a faixa em plena ordem e harmonia.
Quando falamos de eleições presidenciais no Brasil do Século XX, há uma observação importante e necessária a ser feita sobre o quesito participação do povo nas mesmas. Sem a pretensão de aprofundar essa questão, pois esse não é o objetivo deste texto, julgamos oportuno lembrar que a legislação e suas regulamentações, não só das eleições presidenciais como também das estaduais e municipais, foram criadas com o claro objetivo de excluir do processo a participação dos extratos sociais mais desafortunados, das mulheres, dos escravos e de vários grupos minoritários. Ao estabelecer esse obstáculo, a legislação favoreceu em muito a usurpação do poder pelas elites e sua perpetuação no mesmo. Consequência dessa iniquidade idiota, tivemos até a década de 60 do século passado, um quórum de eleições no Brasil, em todos os níveis da Federação, simplesmente ridículo, não representando de forma alguma a vontade dos brasileiros.
Chegamos então à eleição presidencial de 1960, na qual foi eleito para a presidência do país o
Senhor Jânio Quadros, que obteve mais de 5 milhões de votos. Aí, o Homem da Vassoura, que foi o – primeiro bode colocado na sala –, tratou de mexer a primeira peça do xadrez político brasileiro, tentando dar um “autogolpe”. Alegando que forças ocultas conspiravam contra seu governo, renunciou ao cargo na tentativa de que o Congresso lhe desse poderes quase que absolutos.
As elites sabiam que Jânio Quadros era um tresloucado e que não tinha as mínimas condições de garantir uma governança equilibrada que assegurasse o caminho para aperfeiçoar o regime democrático. Mesmo sabendo dos riscos de se colocar um homem com tal perfil à frente do governo, a maior parte das elites o apoiou, sabendo evidentemente da estupidez que estava cometendo. Com trapalhadas e mais trapalhadas, Jânio renunciou. Como foi instrumento das elites, sequer foi perseguido e morto por elas como é de seu gosto e costume. Até prefeito da maior cidade do país veio a se tornar mais tarde.
A renúncia não trouxe exatamente a paz presumida pela fábula do bode, mas abriu caminho para ações, digamos temerosas, com resultados mais ou menos esperados.
Aceita a renúncia de Jânio, assume a presidência seu vice, João Goulart, que caiu como uma luva na preparação do golpe. Imagine, em condições normais de respeito às normas políticas um governante defender reformas de base: como Reforma Agrária, Reforma Fiscal, Reforma Financeira etc. Contexto ideal e perfeito para o presidente ser taxado de corrupto, comunista, violador dos valores da família cristã, entre outros motes. Tudo de bom no balaio das elites para justificar, moralmente, o golpe de 1964. Então vieram vinte e um anos de sombras, farsas, trapaças e crimes. Tudo do jeito que nossas elites sonham, conseguem e se sentem confortáveis.
Ao perderem o entusiasmo, caírem no ridículo e sentirem o poder se esvair, militares e elites envergonhados foram forçados a flexibilizar o regime para que fosse dado o primeiro passo rumo à democracia: eleições diretas.
O evento Diretas Já recompôs, de certa maneira, alguns itens necessários à reorganização democrática retirados pela ditadura. A Constituinte foi o maior feito nessa recomposição, permitindo assim novos passos no rearranjo das forças políticas e seus consequentes desdobramentos.
Dentro disto, as elites negociaram com os militares uma anistia restrita, condicionada à ideia da redemocratização ampla, mas com a contrapartida de se perdoar os criminosos da ditadura, entre eles torturadores.
Na criação do rearranjo político, as elites perceberam que o risco de não ter um de seus membros ocupando o poder maior do Estado era iminente, justamente porque a sociedade, já amparada pela nova Constituição, estava ansiosa para escolher seu maior representante e nada apontava que a escolha fosse a de um candidato das elites mais poderosas do país.
Sob risco de não ganharem a primeira eleição pós ditadura, e tudo indicava que perderiam mesmo, os setores mais atrasados das elites, capitaneados pela grande mídia, tendo à frende a Rede Globo, se reorganizaram e com métodos trapaceiros escolheram Fernando Collor de Mello, o segundo bode do período, e o fizeram presidente.
Nem tão diferente do primeiro, o segundo bode fez o que se esperava dele: trapalhadas sobre trapalhadas. Ficou no poder durante os dois anos necessários para ser retirado. Apeado Collor do poder, a paz voltou à sala, dessa vez sob o comando de seu vice, Itamar Franco.
Itamar Franco não foi exatamente o mandante da sala preferido das elites, mas foi capaz de manter a ordem durante os dois anos necessários até que um nome, verdadeiramente delas, viesse a assumir o poder.
Fernando Henrique Cardoso foi o menino dos olhos das elites brasileiras que o mantiveram no poder o tempo possível. Tanto que em seus oitos anos no comando do país, teve total apoio, ainda que tivesse cometido vários crimes, além de violar a Constituição para lhes garantir a reeleição, numa flagrante compra de votos de parlamentes criminosos.
Mas o tempo possível para as elites se encerrou com os oito anos de mandato de Fernando Henrique. Findo o período, em meio a uma crise profunda e grande descrença social – mais uma vez –, com as eleições batendo às portas do poder, as elites não tendo um nome à altura – outra vez – o jeito foi entrarem na disputa do pleito, com quem tivesse, cabendo a vitória ao candidato da Frente Popular Luís Inácio LULA da Silva que exerceu o cargo de presidente por dois mandatos, sendo o maior responsável pela eleição de sua substituta por igual período.
Insatisfeitas por estarem fora do poder do Estado por tanto tempo, as elites brasileiras recorreram, mais uma vez, à lógica do escorpião, seu recurso de sempre, o golpe, pois nada lhes garantiria a vitória no pleito eleitoral subsequente.
A novidade tática do mais recente veio com o uso declarado do vice Michel Temer, o simplório, como timoneiro da nau sem rumo. Com a ajuda desse patife, centenas de parlamentares criminosos fizeram o que qualquer máfia faz para dar ares de legalidade às suas ações. Foi o que todos nós acompanhamos, a cores e ao vivo, no processo de cassação da Presidenta Dilma, sem que as elites carcomidas deste país conseguissem provar um único crime por ela cometido.
O período de Michel Temer como presidente, serviu mais para manter as aparências de legalidade do golpe, justamente porque a macroeconomia seguiu, em sua grande parte, o caminho que havia sido feito nos governos anteriores, de maneira a manter o povo iludido com uma possível melhoria de sua vida, o que nunca veio, pelo contrário, e preparar os caminhos para as elites saírem vencedoras no pleito de 2018. Destaque-se que nessa estratégia a maior contribuição veio das próprias instituições do Estado, com destaque para o judiciário e Ministério Público Federal.
O que resultou dessa trama, ainda recente, foi a escolha do terceiro bode para presidir o país.
O que faz jus, com todo mérito, ser ele o mais próximo do bode da fábula russa, cuja versão reproduzimos abaixo.
Pelas mesmas razões de seus dois antecessores, como todo bode que se preza, Bolsonaro chegará no máximo a dois anos no poder. A justificativa de nossa previsão reside no fato de que, como Jânio e Collor, ele não faz parte das elites de alta linhagem do Brasil. Assim, como os outros dois, ele só foi eleito para cumprir o papel de capataz, sendo usado apenas para garantir a “posse da Faixa Presidencial nas mãos das elites”. Para agravar ainda mais o caos em que se transformou o governo e o país, o inquilino do Planalto é absolutamente desequilibrado e completamente alheio a qualquer sentido de governança.
Sobre o prazo de validade da impertinência do bode, devemos observar o malabarismo das instituições para mantê-lo por esse tempo no poder. Haja vista que o TSE tem sido pródigo em proteger os casos, ainda que escabrosos, de evidentes crimes praticados por Bolsonaro nas eleições de 2018. Notícias falsas, caixa três e outros trambiques, muitos já denunciados, aguardam simplesmente o momento oportuno para serem julgados.
Aguardar tal momento, tem sido também a estratégia do Congresso para a apreciação de mais de uma dezena de pedidos de despejo do inquilino do Planalto o que nas palavras do presidente da Câmara, “... serão apreciados no momento certo”.
No Supremo Tribunal Federal – STF, o tempo tem sido o verdadeiro “senhor da razão”. A ele se demandam chicanas visando prorrogar e ampliar os prazos de investigação, alimentando assim a rotina da Corte.
À luz do sol e sob o luar do cerrado, estão, mais uma vez, claras a artimanhas das nossas elites para se manterem no poder, quaisquer que sejam as metáforas utilizadas.
Por fim, Bolsonaro é, dos três citados, o melhor dos bodes, justamente por ter chegado ao poder para – desmanchar, jamais para construir”– como ele mesmo disse. É ou não é o bode perfeito?
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“O bode na sala”
Uns dizem que a fábula é russa, outros asseveram ser chinesa. Independente da origem, vale usá-la como boa metáfora.
Ocorreu com uma família de cinco pessoas: pai, mãe e três filhos. Um acabara de chegar à idade adulta, outro na adolescência inquieta e uma ainda criança.
Em uns tempos difíceis de crise profunda. O pai perdera o emprego e a mãe, forçada pelas circunstâncias, recorreu a algumas atividades para prover o mínimo à sua família. Tudo muito difícil, quase insustentável.
Depois de muitas preocupações, insônias como rotina, reclamações e cobranças, brigas e a fome dando as caras, o pai resolve recorrer a um amigo de infância, de muita confiança, para ouvi-lo.
Contou sobre a perda do emprego. Descreveu as terríveis condições da moradia. Falou das cobranças que recebia e das brigas que, até então, não faziam parte da rotina familiar.
Pontuou todas as dificuldades e, por fim, concluiu:
– O mínimo que posso dizer é que não estou aguentando mais e não sei o que fazer.
O amigo ouviu tudo/ sem esboçar uma palavra, apenas disse ao final que tinha uma sugestão.
Com o devido respeito que sempre tivera a ele e que, num momento daquela gravidade, não se negaria em sugerir uma saída para a família e emendou:
– Arrume um bode e o ponha dentro de casa, com direito a passar o dia e dormir.
O susto do pai aflito foi inevitável e a incredulidade veio com uma pergunta:
– Você ficou louco, quer acabar de matar todos nós?
– Não, disse o amigo. Jamais sugeriria algo a você que não fosse para melhorar as coisas.
E reafirmou:
– Faça isso e no momento que achar necessário me procure para voltarmos a conversar.
Ali mesmo a conversa se encerrou.
O pai voltou para casa em pânico. O que já era difícil, com um bode dentro de casa, seria o caos, pensava ele.
Passou o resto do dia pensando na sugestão e, sem outra saída, mas ainda muito confiante nas palavras do amigo, resolveu avisar apenas à esposa e arrumou o bode.
Ao chegar em casa com o caprino a surpresa. Um dos filhos perguntou:
– É para a gente comer?
Não, não, infelizmente não! Ele vai ficar aqui em casa com a gente por uns dias.
Respondeu o pai.
O silêncio só foi quebrado em seguida com o primeiro berro do bode.
O resto do dia foi horrível e a noite muito pior. O bode sequer cochilou e não deixou ninguém dormir. Subiu no sofá, sujou a sala inteira, berrou o quanto pôde, fez do ambiente, que já era difícil, um verdadeiro inferno.
Nem bem o dia amanhece, o filho mais velho chega para o pai e diz:
– Pai, vou sair de casa e só voltarei quando o senhor tirar este bode daqui.
Vou dormir debaixo daquele viaduto.
Completou.
O filho adolescente ouviu a conversa e foi logo dizendo:
– Eu também vou!
Os dois pegaram um cobertor cada, os colchões finos e saíram.
Em casa, o inferno só piorava. Ninguém conseguiu dormir novamente.
Sob o viaduto, o caos. Frio, barulho de ratos, formigas, outro inferno.
Uma semana se passou e ninguém suportava mais. Todos no limite da resistência e da paciência.
Foi quando o pai resolveu procurar o amigo novamente.
Ao encontrá-lo, foi logo dizendo:
– Por favor, nos ajude a não morrer... estamos exaustos!
Disse em desespero.
O amigo, sem pestanejar, falou:
– Agora, retire o bode.
O pai, atônito, perguntou:
– É isso que você tem a me sugerir?
– Sim, é!
Respondeu o amigo.
O pai, ao voltar para casa, passou no viaduto e convidou os filhos:
– Vamos para casa, vou retirar o bode.
E foi o que ele fez.
O silêncio voltou. Todos conseguiram dormir e reencontram a paz, perdida há semanas.
O pior tinha passado. Viaduto e bode, melhor era caírem no esquecimento.
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