segunda-feira, 6 de julho de 2020

O papel da China na África: imperialismo ou cooperação?

         Por Alberto Rodríguez García 

A cooperação comercial entre a China e os países do continente africano vem marcando um renascimento das relações para o desenvolvimento sul-sul, à margem da influência europeia e estadunidense. Há quem considere essa situação como uma espécie de neocolonialismo. Contudo, o desenvolvimento está sendo bilateral, e ao contrário do que costumam fazer as potências coloniais, os chineses não usam essa presença para derrubar ou eleger governos que lhe favoreçam, nem criam protetorados, nem utilizam a África como seu quintal, como os Estados Unidos fazem com a América Latina.

Embora seja inegável que as relações sino-africanas se baseiam na lógica de mercado, o fato é que os interesses próprios de cada uma das partes estão sendo satisfeito, criando uma relação de “ganhar-ganhar”, que responde às necessidades das economias emergentes. A China está na África porque quer os seus recursos, e África abre suas portas à China porque necessita dos seus investimentos.

Não é justo nem injusto, nem bom nem mau

Pequim conseguiu se estabelecer no continente africano de uma forma que não é justa nem injusta. Que não é boa nem ruim. Porque a política não deve ser entendida assim. Nessa relação, a China recebe recursos a um bom preço, e em troca, os países da África (principalmente Angola, Nigéria, Quênia, Burundi, África do Sul, Egito, Zâmbia, Malaui e Etiópia) têm a possibilidade de entrar na era da globalização, e viver ares mais de acordo aos padrões do Século XXI. E parece que ambas as partes estão satisfeitas com os resultados. Tanto é assim que a colaboração comercial não para de crescer desde o ano 2000. Até 2009, o investimento direto da China no continente era de 48 bilhões de dólares, mas na última década esse valor saltou para 251 bilhões. Traduzindo esses números ao sentimento popular: de acordo com um estudo realizado pelo instituto Afrobarometer, em 2016, cerca de 63% da população africana via a influência da China em seus países como algo positivo.

Embora a África seja uma das regiões do mundo com maior crescimento de população, a realidade é que são os que têm menor fluxo de Investimento Estrangeiro Direto per capita. A África precisa de empresas, e ao ser um lugar onde ninguém explorava todo o seu potencial pareceu muito atraente para os chineses, que também tinham a vantagem de ter criado, décadas atrás, os devidos laços políticos com muitos países do continente. A China tinha tão claro a ideia de que chegava na África para ficar que, em outubro de 2018, anunciou um investimento de 60 bilhões de dólares em negócios dentro do continente, visando seu desenvolvimento. Para ter um pouco de perspectiva: isso é praticamente o dobro do que eles mesmo investiram em cada um dos anos anteriores.

Uma Europa paternalista, moralmente complexada pelos séculos de escravidão negra, não consegue entender que a lógica de mercado é exatamente o que os africanos pediam, como alternativa à humilhante caridade. Se a África precisa de dinheiro, deve começar a produzir riquezas por si mesma, e a China –insisto, também por seu próprio interesse – é quem está fazendo isso possível.

Enquanto Pequim recebe matérias primas necessárias para seu desenvolvimento industrial, a África percebe uma melhora importante em sua saúde pública, um desenvolvimento em sua infraestrutura, além de se beneficiar com a transferência de tecnologia chinesa, aumentando a alfabetização graças à formação da população local para trabalhos especializados. Todo isso se traduz em uma melhora da qualidade de vida.

Além disso tudo, é preciso salientar que quanto mais a economia chinesa se desenvolve, mais aumenta a demanda, e assim há mais benefícios para o continente. E os chineses não só investem em matérias primas como também o fazem em indústria, agricultura e no setor de serviços.

Um dos projetos mais ambiciosos que estão realizando é o “Standard Gauge Railway Project”, que tem como objetivo criar uma rede ferroviária capaz de conectar as principais cidades do Quênia com as capitais de Uganda, Burundi, Sudão do Sul e Ruanda, chagando a um total de 2,9 mil quilômetros de linhas férreas. A primeira fase do projeto, que conecta Nairóbi e Mombaça, foi finalizada em 2017. Se trata de um impulso enorme para as oportunidades comerciais dos países que participam do projeto, já que a melhor forma de crescer é aprimorando as rotas comerciais, como estradas e redes ferroviárias. Por isso, a China também está participando do esforço na construção de uma rede de autopistas transafricana, que conecte o norte ao sul do continente, e também o leste ao oeste, em um total de nove grandes estradas que juntas terão quase 60 mil quilômetros. Embora alguns chamem isso de imperialismo, parece ser mais uma questão de cooperação.

Todas as luzes também têm sombras

É fato dizer que se existe crescimento na África, é graças à China, mas isso provoca também uma inevitável relação de desigualdade e dependência. O desenvolvimento do continente africano depende da necessidade chinesa de comprar recursos e mercadorias. Após um fortíssimo “boom” na década passada, e na primeira metade da década atual, o crescimento econômico chinês vem se desacelerando – como era de se esperar –, o que repercute numa desaceleração, por consequência, da economia dos países africanos com os que ela se relaciona, principalmente aqueles que exportam ferro, cobre e petróleo, as matérias que mais interessam a Pequim.

Por outro lado, enquanto os chineses importam matérias primas, a África compra produtos terminados, o que faz com que alguns bens produzidos pelos africanos sejam substituídos por produtos chineses, muitas vezes de questionável qualidade. A solução passa, inevitavelmente, por uma “globalização” dos acordos comerciais, e uma “diversificação do mercado”, mesmo que nenhum estado desenvolvido do hemisfério norte esteja disposto a ter alguma relação de igual para igual com os países do Sul, o que faz com que a China se mantenha (e parece que assim será por vários anos) como o sócio preferencial.

Ainda assim, a China parece que não pretende impor obstáculos à ideia de uma “diversificação” do mercado africano, desde que estejam assegurados os seus interesses. Aliás, os países africanos importam quase tudo da China e exportam quase tudo à China, enquanto Pequim importa a maioria dos seus produtos de outros países asiáticos. Do mesmo modo, a maioria de exportações chinesas são para os Estados Unidos, Hong Kong, Japão, Alemanha e Coreia do Sul, demostrando, assim, que seu interesse na África é meramente comercial (comprar recursos e vender infraestrutura) e não colonial. O país africano ao que mais exportam é a África do Sul, que representa somente 0,65% do total das exportações chinesas.

A armadilha da dívida que não existe

Há quem fale de uma “armadilha da dívida” por parte da China, para atar os países africanos. É uma completa bobagem.

A delirante teoria de que a China está forçando os países africanos a se endividar acima de suas possibilidades, para mantê-los e dominados, numa espécie de neocolonialismo, se desmonta sozinha, quando Pequim anunciou medidas como a de estender o prazo de pagamento a Angola de 10 a 30 anos, com o fim de não arrebentar a economia do seu sócio. Além disso o gigante asiático decidiu, recentemente, cancelar 78 milhões de dólares em dívidas de Camarões, outros 160 milhões de dólares devido pelo Sudão, além de todos os empréstimos sem juros adiantados que havia entregue à Etiópia. E estes são só alguns exemplos. Esta política é parte da estratégia chinesa em sua relação com outros estados do Sul, na qual chegou a renegociar com seus sócios, somente nesta última década, cerca de 50 bilhões de dólares.

E a verdade é que a China sequer utiliza a dívida para se apropriar dos ativos de terceiros, como alguns insinuam por aí. Só existe um caso registrado em que os chineses embargaram ativos de um sócio. Aconteceu em 2016, e não foi na África: na ocasião, o Sri Lanka decidiu entregar o controle do porto de Hambantota para não ter que pagar sua dívida, o que tampouco poderia se considerar um embargo de ativos, já que se fez dentro das regras nas que se estabeleceu o acordo. A política exterior chinesa consiste em buscar a máxima cooperação e a mínima confrontação. É uma herança da filosofia da“grande harmonia”, ou “grande comunidade”, oriunda do confucionismo, mas também presente no socialismo chinês.

Recomendo aos técnicos dos think tanks ocidentais, que usam o argumento da “armadilha da dívida” para atacar o papel da China na África que poupem seus esforços. Primeiro, por respeito aos seus próprios currículos, já que se desgastam teorizando com base numa falácia. Em segundo lugar, porque a África tem mais dívida com países e instituições ocidentais que com a China. É destacável o fato de que os países africanos com maior risco de cair em uma crise provocada por dívida são os que possuem empréstimos com países ocidentais. Sem ignorar, justificar ou minimizar o impacto que a dívida africana com a China significa para a população, o que pretendo é observar que utilizar essa questão contra os chineses é uma forma de hipocrisia, para dizer o mínimo.

Independente disso tudo, também está presente o fato de que o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a África Subsaariana será umas das regiões do mundo que terá maior crescimento no período entre 2018 e 2022, estimando um aumento do PIB de entre 3,5% e 3,95%.

Se, nestas alturas, nada do exposto aqui vale como argumento para o leitor, e este ainda acredita que o papel da China na África não passa de mero neocolonialismo, e que não é benéfico o desenvolvimento do continente baseado no comércio em vez da caridade, gostaria de concluir não com uma reflexão, mas sim com dados, que sempre são mais frios e irrefutáveis.

Desde que a China começou a investir seriamente na África Subsaariana, no começou deste século, o PIB do subcontinente saltou de 378 bilhões de dólares a 1,8 trilhão (em 2014), seu melhor momento histórico. A renda média per capita aumentou de 531 dólares (ano 2000) a 1803 dólares (também em 2014).

Naquele histórico 2014, o comércio entre chineses e seus sócios africanos foi de 215 bilhões de dólares. Mesmo com a desaceleração da economia chinesa, com um impacto negativo para este comércio, os números já estãose recuperando, se aproximando cada vez mais dos níveis daquele sonhado 2014, fechando 2018 com um intercâmbio total de 204 bilhões de dólares e um aumento das importações que se traduz na maior porcentagem de crescimento do mundo.

*Publicado originalmente em rt.com | Tradução de Victor Farinellli

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