quarta-feira, 4 de novembro de 2020

No jornalismo, ser bom companheiro passou a ser critério profissional, por Luis Nassif

O perfil do novo jornalismo valoriza o capacidade de relacionamento dos jornalistas, por que esse modelo só funciona em um ambiente colaborativo, que não pode ser comprometido por disputas de ego, por estrelismo comuns no jornalismo televisivo.

          Por Luis Nassif

Sempre me interessou um aspecto pouco analisado nas mudanças da mídia: o padrão. O Jornal Nacional e a Veja não se transformaram nos maiores veículos brasileiros por décadas unicamente devido ao poder financeiro das Organizações Globo e da Editora Abril. Mas por emular um novo padrão de mídia televisiva e escrita.

Em geral, a programação televisiva brasileira copiava modelos bem sucedidos internacionalmente. Como havia uma enorme diferença entre o padrão Globo e os demais canais, e pouco acesso aos canais internacionais, ficava-se sem parâmetro para comparar com o produto original.

Com a CNN entrando no país, ficou mais fácil identificar as diferenças de padrão.

O ponto central da CNN – que a Globonews ainda não conseguiu alcançar – consiste na contextualização dos principais fatos do dia. Define-se a pauta e repórteres e analistas entram em cena juntando peças para se entender o todo.

Há uma ênfase total em trazer novas informações e novas análises.

A amarração se dá através do seguinte modelo:

1. Par de jornalistas-apresentadores, incumbidos de amarrar as entrevistas e apresentar as reportagens e comentaristas.

2. Informalidade no relacionamento entre eles, fazendo o tipo, “somos pessoas iguais a você”.

O modelo contrasta com alguns características do telejornalismo tradicional, que ainda recorre a apresentadores e repórteres impessoais, distantes, parecendo estar permanentemente lendo teleprompter. Ao contrário, na CNN há um amplo espaço para improvisar.

Esse modelo impõe uma política distinta de recursos humanos para o jornalismo, especialmente o televisivo, que costuma afetar muito o ego dos jovens jornalistas. A idéia do jornalista rompedor, sem limites e sem escrúpulos, mal humorado. cede lugar ao jornalista bem humorado, falante e sociável. Antes, ser mal visto pelos colegas era pré-condição para o jornalista ascender a posições de chefia. Era um termômetro de que se comportaria como representante da empresa, não da redação.

Aliás, é gozadíssimo comparar a vitalidade da nova geração com a sede de viver de um Fernando Gabeira.

Por isso mesmo, o perfil do novo jornalismo valoriza o capacidade de relacionamento dos jornalistas, por que esse modelo só funciona em um ambiente colaborativo, que não pode ser comprometido por disputas de ego, por estrelismo comuns no jornalismo televisivo.

O fator caráter passa a ser essencial e o estrelismo torna-se pecado mortal. Daí se entende as últimas contratações da CNN: além da competência, jornalistas conhecidos pelo chamado bom caráter nas relações com colegas. Ou seja, ser bom companheiro passou a ser critério profissional.

Na frente das câmaras, é divertida a maneira como os jornalistas tentam se enquadrar nesses novos princípios. Há uma profusão de elogios, declarações de amor recíprocos entre colegas, uma competição de quem elogia melhor o outro. O que mostra que a avaliação do grupo sobre cada jornalista será levada em conta na sua carreira.

Ao mesmo tempo, há sinais de desconforto em algumas duplas, quando uma parte se destaca mais, ou fala além da conta. Por enquanto, sob controle. Percebe-se na direção de redação a preocupação em modificar as duplas, até encontrar a melhor combinação. Não será tarefa fácil.

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