Uma reportagem internacional faz a radiografia do carrossel de dinheiro que entra no Grão-Ducado para fugir aos impostos noutros países.
Dezassete meios de comunicação social dedicaram-se a uma investigação sobre o Luxemburgo que durou mais de um ano. O objetivo? Descobrir o que está por trás deste que é considerado por vários especialistas um dos cinco principais offshores do planeta. Para já, uma das conclusões do estudo OpenLux é que há 55 mil empresas que gerem ativos de pelo menos 6.500 mil milhões de euros. Outra é que 67% dos fundos mundiais de investimento têm domicílio no Grão-Ducado. O setor de fundos de investimento só fica atrás dos Estados Unidos em tamanho e significado.
O Le Monde refere que são empresas fantasmas sem escritório ou sequer trabalhadores criadas por multimilionários para fazer crescer neste país as suas fortunas. É o caso de desportistas, políticos de topo, artistas e até famílias reais. A riqueza de nomes como Tiger Woods, a família Hermes, Shakira ou o príncipe herdeiro da Arábia Saudita convive com empresas como a LVMH, a Kering, a KFC, a Pfizer ou a Amazon. Mas a investigação foi mais longe e revelou fundos escondidos no Luxemburgo, suspeitos de estarem relacionados com atividades criminosas ou ligados a criminosos sob investigação judicial como é o caso de empresas ligadas à máfia italiana, à 'Ndrangheta e à máfia russa. Até a extrema-direita italiana esconde dinheiro no Luxemburgo atrás do qual estão as autoridades transalpinas. Nos resultados desta investigação aparecem também referidos familiares de dirigentes venezuelanos que terão reciclado fundos provenientes de contratos públicos.
É um verdadeiro carrossel de dinheiro que está na posse das 140 mil entidades investigadas, que representam 157 nacionalidades. Segundo o Le Monde, o Grão-Ducado é, ao contrário do que as autoridades luxemburguesas afirmam, um verdadeiro centro offshore, “a meio caminho entre Londres e as Ilhas Virgens britânicas”. Quase 90% destas empresas são controladas por estrangeiros. Entre os mais de 150 países da base de dados da OpenLux, os franceses aparecem em lugar destacado com 17 mil empresas.
Há um castelo da região de Paris que é propriedade de um príncipe saudita, uma vinha no departamento francês de Var que pertence a Angelina Jolie e Brad Pitt e algumas das principais jóias da economia do país vizinho: Yves Rocher, Hermès, JCDecaux e Decathlon. Mas a OpenLux aponta o dedo a sociedades luxemburguesas que são usadas por fundos de investimento anónimos para comprar bairros inteiros de metrópoles como Berlim ou Londres deixando estes negócios imobiliários no anonimato e sem terem de pagar os respetivos impostos.
No total, de acordo com o Le Monde, a lista de 64.458 beneficiários identificados pela OpenLux confirma que "o Grão-Ducado do Luxemburgo concentra uma grande parte da riqueza mundial". Pelo menos 279 dos mais de 2 mil multimilionários listados pela revista Forbes estão aqui. Mas também 37 das 50 famílias francesas mais ricas, como os Mulliez, Guerrand-Hermès ou Bernard Arnault, que estruturam os seus grupo, os seus ativos e os seus investimentos através de dezenas de holdings luxemburguesas.
Um oásis fiscal
Segundo as conclusões da investigação, há várias razões para escolher o Luxemburgo. Tem uma posição central na União Europeia, engenharia financeira de alta qualidade, regulamentos financeiros adaptados às empresas, acesso direto às instituições do país e uma vida política estável. Mas o que realmente atrai estas fortunas é a falta de tributação e a discrição. O Le Monde afirma que é consequência do resultado de escolhas políticas que remontam ao tempo do antigo primeiro-ministro luxemburguês Jean-Claude Juncker (1995-2013), que mais tarde se tornou presidente da Comissão Europeia.
Já em 2014, o Luxemburgo esteve no olho do furacão com o escândalo das revelações da LuxLeaks. As regras de transparência aumentaram mas o Grão-Ducado continua a ser um oásis para muitas empresas pelo seu regime fiscal, encorajando muitas vezes os abusos e a fraude. Dessa investigação, na qual já aparecia o nome de Jean-Claude Juncker, os principais denunciantes acabaram denunciados nos tribunais.
Refere ainda a OpenLux que dimensão deste centro financeiro é tal que o Grão-Ducado parece não estar suficientemente equipado para garantir um controlo eficaz sobre todos os fluxos que gere. A sua capacidade de fiscalização e a obrigatoriedade de cumprir com o registo comercial parece estar mais calibrada para a dimensão do país do que para conseguir analisar as mais de 100 mil entidades. A Comissão de Vigilância do Setor Financeiro (CSSF) tem apenas 900 empregados quando o setor financeiro representa um quarto da economia do país.
Apesar de o Luxemburgo ter sido um dos primeiros a implementar a diretiva da União Europeia para fazer frente ao escândalo dos Panama Papers, em 2016, através da criação de um registo público dos verdadeiros proprietários das empresas em todos os estados-membros, as falhas agora descobertas pela investigação OpenLux mostram que quase metade das empresas, fundos e fundações registadas no Luxemburgo não têm, até à data, um verdadeiro beneficiário identificável.
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