quinta-feira, 3 de março de 2022

A situação internacional e a próxima Cimeira da NATO


Ángeles Maestro e David Ubico [*]
https://www.resistir.info/

Uma vez mais a confusão. Uma vez mais os meios de comunicação propriedade da oligarquia internacional e dos grandes bancos e multinacionais espanholas – junto com os meios “públicos” em mãos dos governos do Estado e da CCAA, alinhados todos com a NATO e preparando sua Cimeira em Madrid em fins de Junho, prepararam-nos o relato: a Rússia invade a Ucrânia, portanto “não à guerra”.

A partir das suas bem financiadas poltronas, o PSOE, Podemos, IU e o PCE, como forças de governo que se preparam para receber com todas as honras o presidente dos EUA e o resto de chefes de estado da aliança mais criminosa da história, clamam contra a Rússia pela “invasão” da Ucrânia. Pablo Iglesias, o mesmo que nos instava a guardar nossas bandeiras vermelhas porque eram arqueologia histórica, supera-se a si mesmo em cinismo e atreve-se a constituir-se em vara de medir comunismos para camuflar o seu abjecto apoio ao “natostão”.

Ao ritmo do mesmo guião marcham ONGs e outras organizações que, cada vez que a NATO ou a “coligação internacional” atacava diferentes países, mantiveram discursos que sistematicamente serviram para branquear os crimes do imperialismo. Basta recordar seus “Nem NATO nem Milosevic”, na guerra de destruição da Jugoslávia; “Nem Bush nem Sadam”, quando foi assolado o Iraque; “Nem NATO nem Kadafi”, quando se aniquilou a Líbia, ou a demonização de Al-Asad quando o imperialismo euro-estadunidense pretendia acrescentar a Síria ao cesto de nações destruir a expoliar.

Para neutralizar a capacidade da mobilização operária e popular perante tais crimes os grandes empórios da comunicação nos proporcionaram as mentiras mediáticas correspondentes. E não se pode esquecê-las. Recordamos: a gaivota empapada de petróleo porque Sadam Hussein era um eco-terrorista, os bebés arrancados das suas incubadoras no Kuwait, as armas de destruição maciça do Iraque, os falsificados bombardeios de Kadafi ao seu próprio povo, os ataques de Al Asad com armas químicas, etc.

A classe operária e quaisquer pessoas que pretendam ter uma ideia cabal do que acontece jamais deveriam esquecer que “a ideologia dominante é a ideologia das classes dominantes” e que os donos dos meios de comunicação, agora mais do que nunca, são os mesmos que trabalham para que os povos – como dizia Machado – não acertem a mão com a ferida.

Para isso, para poder avaliar a realidade do que acontece, é indispensável conhecer o processo histórico e situar os acontecimentos nas suas relações.

Como surge a NATO e o que fez desde então?

Expansão da NATO.
  • Após a derrota do nazismo alemão na II Guerra Mundial, para a qual contribuiu decisivamente a URSS com seus 27 milhões de mortos – a maior parte população civil exterminada pelas tropas fascistas – os EUA impulsionam a criação da NATO em 1949, na qual se integram as principais potências da Europa ocidental. A Aliança surge explicitamente para enfrentar uma URSS destroçada pela guerra, mas o objectivo é também subordinar os países europeus que iam deixar de ter exércitos próprios e subordinar sua soberania aos interesses dos EUA.

  • Seis anos depois, em 1955, ao contrário do que se crê, cria-se o Pacto de Varsóvia, aliança militar da URSS e países aliados, para contrapor-se às ameaças atlantistas.

  • O Estado espanhol, que com a ditadura franquista já tinha uma multidão de bases militares dos EUA no seu território, incorpora-se à NATO em 1982. Nesse mesmo ano de 1982 o PSOE ganha as eleições com o lema “NATO, não à entrada”, com uma opinião pública maioritariamente contrária à integração. Em 1986 convoca-se um referendo, assediado por ameaças caso ganhasse o NÃO. As condições para o SIM, que se tornou vencedor eram:   Não fazer parte da estrutura militar, não armazenar no estado espanhol armas nucleares e ir diminuindo progressivamente a presença militar dos EUA no nosso território. Como é bem sabido todas as condições foram incumpridas. Não só a Espanha integrou-se na estrutura militar como Javier Solana chegou a ser o seu secretário-geral; ampliaram-se e multiplicaram-se os tratados bilaterais com os EUA que incluíam não perguntar acerca das armas nucleares e o aumento das bases militares.

  • Após a queda da URSS em 1991, a NATO compromete-se com a Rússia a não se expandir “nem um centímetro” em direcção a Leste, em troca da dissolução do Pacto de Varsóvia. Uma vez desaparecido este, 14 países do Leste da Europa integraram-se na NATO.

  • Desde então as guerras de destruição perpetradas directamente pela NATO ou pelos seus países membros camuflados no que chamam “coligação internacional” multiplicaram-se, deixando atrás de si milhões de mortos, países destruídos e múltiplas organizações terroristas que actuam às suas ordens e às quais financiam, armam e treinam. A lista de horrores é longa: Iraque (1991); Jugoslávia (1991-2001); Afeganistão (2001); Iraque (2003); Líbia (2011); Síria (2011), Iémen (2014). Governos de países com uma trajectória criminosa, como a Colômbia e Israel, que nunca cessou de massacrar o povo palestino desde 1948, actuam como membros de facto da NATO.

  • A isto é preciso acrescentar a participação directa ou encoberta dos EUA e das potências europeias numa multidão de golpes de Estado, instigação de guerras civis, desestabilização da países, sanções e bloqueios que provocaram a morte de milhões de pessoas, a fome e a doença na América Latina, África e Oriente Próximo.

  • Desde que a Rússia e a China se opuseram aos planos do imperialismo dos EUA e da UE, criando alianças e apoiando os países atacados, foram identificados como inimigos da NATO e cercados militarmente.

O que se passa na Ucrânia?

  • Na Ucrânia, país que tem fronteiras directas com a Rússia, houve um golpe de Estado em 2014, instigado pelos EUA e a UE, que pôs no governo, no exército e na polícia organizações fascistas, herdeiras directas dos nazis ucranianos que colaboraram com Hitler no genocídio perpetrado contra a população civil da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia durante a II Guerra Mundial. Uma boa mostra da sua natureza foi a matança de trabalhadores e trabalhadoras – 50 mortes e 150 pessoas desaparecidas –, queimadas vivas, na casa dos sindicatos de Odessa, em 2 de Maio de 2014.

  • Perante o golpe fascista e o terror desencadeado contra a população de língua e cultura russa, no Donbass, em 2014, proclaram-se as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que se armaram para resistir aos ataques governo fascista da Ucrânia. Desde então os bombardeios da população civil, de infraestruturas como escolas e hospitais, violações e massacres provocaram 14 mil mortes, reconhecidas pela ONU.

  • Em 2015, firma-se o Acordo de Minsk entre a Ucrânia, Rússia, Alemanha e França. O acordo incluía uma série de medidas para o cessar-fogo no Donbass e a solução do conflito por via do diálogo. Todas elas foram sistematicamente violadas pela Ucrânia que continuou os ataques no Donbass; massacres que não cessaram de aumentar perante o silêncio criminoso dos meios de comunicação e a cumplicidade directa dos EUA e da UE.

  • Os EUA e a UE continuaram a armar o governo fascista da Ucrânia, que continuou a atacar o seu próprio povo, e preparam a incorporação deste país na NATO. Está previsto que esta integração da Ucrânia culmine na Cimeira que terá lugar em Madrid no próximo mês de Junho.

As contradições inter-imperialistas entre os EUA e a UE

Como dizíamos no princípio, um dos objectivos centrais da NATO desde a sua criação foi e é, sobretudo depois do desaparecimento da URSS, assegurar aos EUA o domínio da Europa. Isso significa impedir, mediante o controle militar da UE, qualquer aliança ou relaçáo, inclusive comercial, desta com a Rússia. Dois exemplos recentes:

  • Todas as sanções contra a Rússia pagam-nas os países da UE. Agora mesmo, todos os países membros, inclusive o Estado espanhol, estão a ver fechadas as suas exportações para a Rússia. Muitas empresas afundarão, como já está a acontecer com empresas agrícolas.

  • O encerramento do gasoduto Nord Stream II que devia proporcionar gás russo à UE, mais barato e de melhor qualidade do que o abastecido pelos EUA, uns 40% mais caros. A quanto vai pagar a energia e todos os produtos que dela dependem a classe operária dos países da UE? O imperialismo não é só dominação militar, é também a garantia de negócio dos EUA à nossa custa.

Por outro lado, todos os governos da Espanha participaram activamente na cadeia imperialista, mostrando um alinhamento maior com os EUA do que outros países europeus.

Diante do cenário de guerra aberta que se prepara, qual é nossa responsabilidade e quais são nossas tarefas imediatas?

  • Sabendo que a Rússia é um país capitalista e que é importante não confundir o governo da Rússia com um governo comunista, o que as trabalhadoras e trabalhadores não devem esquecer é que a única linguagem que o imperialismo entende é a da força. E que, neste caso, o governo da Rússia, apoiado sem excepção por todas as forças parlamentares, está a enfrentar tanto um governo fascista como o mais agressivo imperialismo, representado pela NATO.

  • A decisão da Rússia de reconhecer as Repúblicas Populares do Donbass e de acudir em sua ajuda, defendendo-as militarmente e levando a cabo uma intervenção militar na Ucrânia, deve ser analisada no contexto da guerra contra a Rússia, preparada há anos pela NATO, e do massacre da população do Donbass cometido pelo governo da Ucrânia, durante os últimos oito anos, penetrado até a medula por organizações fascistas.

  • O governo da Rússia não fez mais do que antecipar-se aos planos da NATO, que tem utilizado a Ucrânia como ariete. O governo de Kiev ameaçava até há poucos dias invadir a Crimeia e solicitar a instalação de armamento nuclear da NATO. Todos os acordos, como os de Minsk, para encontrar saída pacífica, ou como a promessa de não expandir a NATO para Leste, há muito tempo foram pisoteados.

  • Uma vez mais os meios de comunicação que servem aos seus donos, os grandes Fundos de Investimento – nunca devemos esquecê-lo – e se constituem propagandistas da NATO, difundem todo tipo de mentiras. Tal como em outras guerras, dirigem o foco do interesse em direção a um ponto, enquanto ocultam tragédias e agressões quotidianas perpetradas pelos seus aliados, como – entre outras – o massacre diário do povo palestino pelo Estado sionista.

Em meio a uma gravíssima crise económica do capitalismo, que não foi provocada pelo Covid mas que foi agravada pelas medidas adoptadas pelos governo, afundaram na miséria milhões de famílias trabalhadoras e destruíram-se dezenas de milhares de pequenas e médias empresas.

Após a alta insuportável de preços, sobretudo da energia, anuncia-se agora um importantíssimo incremento dos gastos militares, com dinheiro público retirado dos gastos sociais. A Alemanha já iniciou o caminho. O Parlamento alemão sem oposição institucional, aprovou em 28 de Fevereiro o montante astronómico de 100 mil milhões de euros para a “defesa”. Este facto recorda a votação dos orçamentos para a guerra de 1914, apoiada pela social-democria e que deu origem à criação do Partido Comunista da Alemanha (KPD) de Rosa Luxemburgo.

As sanções dos EUA e da UE, com a paralização de exportações para a Rússia, está a causar a ruína de milhares de agricultores que vendiam citrinos e outros produtos agrícolas para a Rússia. Por outro lado, de forma mais geral provocará o ainda maior encarecimento do gás em consequência do encerramento de mercados com a Rússia e a compra do mesmo aos EUA, uns 40% mais caro e de pior qualidade.

Tudo isso está a configurar um cenário de rápida deterioração das condições de vida de milhões de pessoas e de prováveis explosões sociais que os governos tentarão dominar intensificando a repressão e a propaganda.

Cabe às organizações comunistas e aos sectores mais conscientes da classe operária preparar-se para que os trabalhadores e trabalhadoras, especialmente a juventude, e os sectores mais golpeados do povo, dirijam a sua ira contra aqueles que desde há anos estão a construir um cenário de guerra na Europa e esfregam as mãos diante do grande negócio da escalada armamentista.

O papel de organizações como o PCE, IU ou Podemos, colaborando nesta estratégia de guerra ao serviço dos EUA, hipotecando nossa soberania e colocando-nos como objectivo directo num mais que provável cenário de guerra, situa-os, juntamente com o PSOE, como lacaios do imperialismo.

Por tudo isso, tendo em conta aqueles que integram a autêntica organização criminosa que perpetrou e perpetra a destruição de países engendrando e apoiando o fascismo, nosso dever é enfrentar com todas as nossas forças a NATO e o governo que em nosso nome e com o nosso dinheiro, vai aumentar os gastos militares enquanto desmantela e privatiza os serviços públicos. A luta pela saída imediata da NATO, o desmantelamento das bases dos EUA e da NATO, contra o aumento dos gastos militares e contra a participação do Estado espanhol na guerra, deve concretizar-se na luta contra a Cimeira da NATO.

A provável intensificação da luta de classes, com milhões de pessoas cujas condições de vida se afundam, pode permitir que as massas trabalhadoras percebam – se as organizações comunistas efectuarem decididamente esta tarefa essencial de luta ideológica – a íntima relação entre a exploração capitalista e as guerras, bem como entre o capitalismo e o fascismo.

A desestabilização e a agudização das contradições internas entre as classes dominantes, que toda guerra implica, historicamente abriram janelas de oportunidade para processos revolucionários. A vitória exige iniludivelmente que exista uma estratégia, uma direcção e uma organização, hoje mais do que nunca de carácter internacional, que enfrente aquilo que objectivamente está unido:   o capitalismo e a guerra. Sua criação é a tarefa fundamental dos comunistas.

01/Março/2022

Ver também:
  • Sentido e sem sentido sobre a Ucrânia, Stephan Gowans
  • Parar a guerra! Exigir um caminho de diálogo e de paz!, declaração do PCP
  • [*] Responsáveis da Coordinadora de Núcleos Comunistas, Espanha

    Esta declaração encontra-se em resistir.info

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