Leite renunciou ao mandato que os eleitores concederam-lhe nas urnas, mas deixou no Palácio Piratini a necropolítica destrutiva de Bolsonaro
Luiz Marques (*)
Vivemos um tempo em que um economicismo fornece as doses diárias de alienação, abstraindo os elementos que importam para o entendimento da conjuntura. A insistente pergunta aos candidatos presidenciais sobre o futuro ministro da Fazenda prova a importância desmesurada conferida à economia, tout court, interpretada como a panaceia para os problemas do estado e do país. Os jornalistas que atuam na área, em geral, não possuem o título de economistas. Aprendem o ofício pela cartilha do neoliberalismo.
As alternativas são desclassificadas como interferência do Estado na dinâmica do mercado. Coisa que, na narrativa neoliberal, inspirou experiências fracassadas. É suficiente afirmar, não é necessário provar. As fontes primárias dos comunicadores midiáticos expõem o ponto de vista de empresários, que se pautam também por indicadores que isolam a economia das dimensões social e política. O dicionário de economês que usam, qual uma bíblia sagrada, tem poucos verbetes: equilíbrio fiscal, austeridade, parcerias público-privada, privatizações. Os investimentos públicos são vistos com desconfiança, a livre iniciativa como competente e incorruptível. A fórmula é sempre a mesma. É fácil decorar e dispensa a reflexão crítica.
À exceção de uns poucos que sabem do que trata o assunto, a exemplo de Luís Nassif, a grande maioria dos profissionais de comunicação faz propaganda ideológica, quando pensa estar informando, e nem ao menos percebem. A culpa não é dos que, por suposto, pretendem realizar o seu trabalho de modo honesto. Mas da linha editorial adotada pelas famílias que controlam a opinião pública, ou melhor, publicada. As categorias de pensamento que são passadas, para o desempenho do ofício de jornalista econômico, sofrem do vezo dogmático que se lê nos dez mandamentos do Consenso de Washington. Por isso, não importa a estação de rádio, a emissora de TV ou o jornal. Se ouve, vê e lê a mesmíssima cantilena. Que tédio.
Na verdade, o que se oferece à população é a versão sobre uma “crise” que coincide com o período de hegemonia das finanças e o descenso do capital produtivo. Desde os anos 1980, é de crise que os economistas ortodoxos mais falam para impor o ideário fiscalista, cuja expressão perversa se encontra no “teto de gastos” herdado do golpista Michel Temer, em nível nacional. Replicado, regionalmente, agora, no acordo encomendado pelo governo Bolsonaro-Guedes, e aceito pelo governador Leite, para aplicar no estado aquilo que dá errado no país. Que falta de criatividade, que medo de ousar atender as necessidades dos que sofrem os efeitos do cassino financeiro. Leite renunciou ao mandato que os eleitores concederam-lhe nas urnas, mas deixou no Palácio Piratini a necropolítica destrutiva característica da governança de Brasília, em todas as áreas. Na economia, idem.
O que os governistas na Assembleia Legislativa denominaram “recuperação fiscal”, ao aprovar o pacto, é um passo para a “destruição fiscal” como expôs o ex-ministro dos governos Lula e Dilma, Miguel Rossetto, no artigo “Um ato de traição ao Rio Grande do Sul”, neste espaço do Sul 21. Ou seja, a escola de Hayek e Mises que, durante duas gerações, na maior parte do tempo fez a cabeça dos governantes, que não sabem governar para quem precisa de um governo justo para qualificar a vida, – fracassou. Basta olhar os índices de desemprego, o preço dolarizado dos combustíveis, a quantidade de trabalhadores em situação de rua, o aperto que alcança as classes médias. Não enxerga quem não quer.
Por quê? Porque a lógica das finanças determina o caos. O rentismo, que não investe na produção, mas na Bolsa de Valores, ganha com os juros da dívida pública, logo, com a pobreza e a miséria que se espalha na sociedade. Significa que o problema está na economia? Não, o problema está na política que determina a economia, a qual Marx condensou na expressão “política econômica”. Os eleitores em 2022 têm a oportunidade de escolher uma política que busque o bem comum, não das “elites” que detêm o controle do Executivo e do Legislativo, sem mostrar a cara. A boa política, calcada na participação cidadã e em uma bancada progressista, é o antídoto para a lavagem cerebral economicista.
Não foi por causa da economia que as classes dominantes provocaram a morte de Getúlio (o “pai dos pobres”), derrubaram o governo Jango (o mentor das “reformas de base”), encarceraram Lula (o “melhor presidente da nação”), destituíram Dilma (a “primeira presidenta do Brasil”). Foi por causa da orientação política de classe que ousaram assumir. O processo de conscientização dos eleitores, durante a campanha nestas eleições, passa por entender que o seu voto vai decidir, não sobre um modelo econômico, mas sobre uma política: econômica, social, educacional, cultural, ambiental.
(*) Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul
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