segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Crônica de um teste anunciado

Fontes: Revolta [Imagem: Atos de vandalismo no Congresso Nacional durante o golpe de 8 de janeiro de 2023. Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil]

Por Atílio A. Boron
https://rebelion.org/

Neste artigo, o autor analisa 'o clima desta época', em que a tentativa de golpe no Brasil é resultado de um evento há muito preparado e sintonizado com a estratégia neofascista internacional.

O que aconteceu no Brasil é algo inédito na história daquele país. Mas, paradoxalmente, era algo previsível. Havia muitos sinais de que a direita radical, neofascista ou neonazista, não estava disposta a permitir que a posse de Lula como novo presidente do Brasil se consumasse em paz e com ordem. Indícios claros de que apostava num golpe militar, pelo que bateram às portas dos quartéis e acusaram publicamente os militares de cobardes por não “resgatarem o país” das garras do comunismo e da sua arma mortífera, a “ideologia de género”. 

O mesmo que se fez no Chile nos meses finais do governo de Salvador Allende. A receita é a mesma, “made in America”: mobilizar um segmento da “sociedade civil”, ganhar as ruas, precipitar a intervenção militar e derrubar o governo indesejável. Por isso, o que aconteceu foi algo que se fez presente no desastroso “clima da época” alimentado pelo declínio inexorável dos Estados Unidos como superpotência mundial e sua virulência recarregada.

O sinal dessa revolta de Bolsonaro guarda uma semelhança notável com o que aconteceu quase exatamente dois anos antes no Capitólio dos Estados Unidos. Neste país ocorreu em 6 de janeiro, no Brasil em 8 de janeiro. A coincidência não é acidental, dada a existência de uma internacional neofascista muito ativa e bem financiada, cujo guru ideológico e organizacional é Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trunfo. Mas as coincidências não param por aí. O objetivo era o mesmo: demonstrar como um grupo determinado e relativamente pequeno (no Brasil cerca de quatro mil pessoas) pode apoderar-se à vontade das sedes dos três poderes do Estado e, se surgirem certas condições, fazer as Forças Armadas darem um passo para o front e consumir a reedição do infeliz golpe de Estado de 1964. Por isso o que aconteceu é uma prova, uma prova.

É claro que isso depende muito do que o governo Lula fizer. Para começar, terá de decretar a intervenção do governo de Brasília, cúmplice necessário por sua passividade perante os desordeiros. Também terá que substituir a direção dos serviços de inteligência do Estado, que não souberam – ou não quiseram – antecipar esta situação e alertar as autoridades sobre o perigo que se aproximava. E o mesmo terá que ser feito com as forças armadas. Por outro lado, o presidente Lula terá que se convencer de que terá que mobilizar e organizar sua base eleitoral e retomar o controle das ruas e praças. Caso contrário, a estabilidade do seu governo poderá ficar seriamente comprometida. Nem as instituições nem os vários ramos do aparato do Estado respondem a ele como manda a Constituição.

Falamos acima do "clima da época" em que o ocorrido deve ser enquadrado. Vamos analisar: em 2021 aconteceu o evento Capitólio; 2022 foi pródigo em eventos semelhantes. Em julho, milhares de manifestantes no Sri Lanka invadiram a residência oficial e o escritório do presidente e incendiaram o do primeiro-ministro. O sinal político não era reacionário, mas a forma do protesto era. Em dezembro, uma tentativa neonazista de ocupar violentamente o Bundestag e vários parlamentos dos Landers alemães foi frustrada. Em setembro houve uma tentativa frustrada de assassinato contra Cristina Fernández de Kirchner, ainda longe de ser esclarecida; em dezembro, a demissão de Pedro Castillo no Peru; agora a tentativa no Brasil. E antes, para não esquecer, talvez inaugurando este ciclo, o sangrento golpe neofascista na Bolívia.

O óbvio mas sistematicamente negado “déficit democrático” dos sistemas políticos que se dizem democracias (e não o são!) E isso, politicamente falando, é dinamite. Desarmar essa bomba-relógio exigirá muita habilidade política, inteligência e força, para tomar decisões difíceis que provocarão debates acalorados. Espero que Lula possa mostrar que tem essas virtudes.

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