segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Por que o governo e STF não querem Bolsonaro preso agora

Fachada do Palácio do Planalto, Anderson Torres com Bolsonaro e fachada do STF (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil | Ueslei Marcelino/Reuters | STF)


"O cenário de um Bolsonaro retornando ao Brasil e, tal qual Anderson, indo direto do avião para a cadeia, é, por enquanto, afastado", aponta a jornalista

Por Helena Chagas

Ministros do STF e integrantes do governo Lula com quem falei neste fim de semana convergem, neste momento, na avaliação de que a investigação e a captura do ex-ministro Anderson Torres vão fechando o cerco em torno da responsabilidade de Jair Bolsonaro — por incitar ou até planejar — nos atos golpistas do 8 de janeiro. A eventual prisão de Bolsonaro no curto prazo, porém, é vista por esses personagens como um fator de perturbação. Essa cautela indica que, no que depender dessas autoridades — e, claro, salvo o aparecimento de alguma prova bombasticamente irrefutável — isso só ocorrerá, se ocorrer, após as diversas etapas de um processo instruído com elementos probatórios consistentes para condená-lo.

O cenário de um Bolsonaro retornando ao Brasil e, tal qual Anderson, indo direto do avião para a cadeia, é, por enquanto, afastado por integrantes das cúpulas do Judiciário e do Executivo. Além da necessidade de forte amparo jurídico, do ponto de vista político a visão é de que, preso dessa forma, o ex-presidente poderá se vitimizar. Alegando perseguição, pode reaglutinar seguidores e radicalizar o ambiente político, ainda muito tenso. Haveria risco de novos atentados da extrema direita — que, mesmo após a dura repressão ao vandalismo contra os poderes, continua perpetrando atos terroristas, como a derrubada de torres de energia.

Embora fortalecido politicamente na defesa da democracia, Lula precisa de um espaço mínimo de tranquilidade para fazer seu governo deslanchar. Até porque, em pouco tempo, o discurso anti-golpe não será mais suficiente para preencher o debate e satisfazer a população. A volta de Bolsonaro ao país com uma narrativa de preso político monopolizaria o debate e impediria o país de virar a página. A situação fica muito diferente se for preso após um processo que pode se arrastar por meses, expondo diariamente revelações desgastantes, dentro de um rito legal em que terá direito de defesa. Esvazia-se o argumento da retaliação — e seria possível até manter Bolsonaro sob certo controle, com medidas cautelares como confisco de passaporte e banimento das redes sociais.

No cronograma das autoridades da República, enquanto Bolsonaro se desgastaria no processo por golpismo, que deve correr no STF se o PGR Augusto Aras oferecer a denúncia — uma variável importante — o TSE faria seu dever de casa. Ou seja, julgar mais de uma dezena de ações que, sem o poder de jogar o capitão na cadeia, podem torná-lo inelegível. Uma espécie de morte política, que obriga a direita a se reorganizar em torno de novas lideranças, possivelmente não tão radicais, capazes de desativar a bomba terrorista.

Não há, porém, segurança quanto ao desenrolar desse cenário teoricamente “benigno”, que pode ser afetado por fatores diversos, começando pelas investigações. Se as expectativas são de que Torres não fará delação premiada nem entregará o ex-chefe — como os bons profissionais de organizações criminosas — , há chances de os investigadores esbarrarem em novas minutas de decretos golpistas ou elementos que vinculem diretamente o ex-presidente aos atos terroristas.

Nesse caso, pode ficar difícil não agir de imediato. Até porque, ainda que o Supremo se paute pela cautela e não decrete a prisão de Bolsonaro, outro juiz de instância inferior poderá fazê-lo. Sem foro privilegiado, ele agora está sujeito a processos na primeira instância país afora. E haverá muitos Moros por aí de olho na notoriedade que essas sentenças dão.

Depois da prisão de Torres, no sábado, as atenções da República se voltam aos passos de Bolsonaro na Flórida. Com a ação de deputados democratas para expulsá-lo dos EUA, e a antipatia de Joe Biden, ele deu sinais de que pensa em voltar ao Brasil. Mas há também indícios de que pode protagonizar uma fuga espetacular — para a Itália, quem sabe. Seus filhos chegaram a pedir cidadania italiana há tempos, e não se sabe se o pai já não a teria. Certa inquietação da mídia italiana denuncia a movimentação, mas nem a direita quer saber dele lá.

Restaria a opção de asilo mais exótico, o território autocrático da Arábia Saudita, cujas autoridades possuem boas relações com a família Bolsonaro. Hipótese fantasiosa, na opinião de alguns. Mas que não deixa de ser interessante para o governo Lula.

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