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A pilhagem neocolonial tem sido a principal razão por trás de uma série de levantes populares no Sahel
Desde que os militares nigerianos, sob o comando do general Abdourahamane Tchiani, tomaram o poder no último dia 26 de julho, houve um aumento exponencial das tensões entre Niamey e seus ex-senhores coloniais de Paris. E isso chegou ao ponto em que a França está agora considerando seriamente invadir o país da África Ocidental.
A exploração das “antigas” colônias francesas persistiu inabalável por mais de meio século, mesmo depois de lhes concedida uma independência aparente. E Paris tem sido a principal beneficiária dessa relação assimétrica. Combinada à incapacidade francesa de lidar com as variadas insurgências terroristas na região, essa legítima pilhagem neocolonial tem sido a principal razão por trás de uma série de levantes populares no Sahel.
Paris agora enfrenta um dilema estratégico. Se deixar o Níger seguir adiante rumo à independência real, a França não poderá mais continuar explorando os recursos naturais do país. Isso significa que, pelo fato de que várias de suas ex-colônias servirem de fonte de extração maciça de riqueza, e dados os problemas recentes que Paris enfrenta, tais recursos mostram-se mais importantes do que nunca.
Por outro lado, as recentes mudanças geopolíticas na região deixaram a França, aí, em grande parte impotente. Após a derrota da sua intervenção de quase uma década no Tchad no ano passado, Paris pôde manter bases militares na Costa do Marfim, Senegal e Gabão. Mas nenhuma delas pode ser usada de forma efetiva como campo de lançamento para uma invasão, por conta dos reduzidos efetivos militares aí estacionados.
No entanto, ainda que a França encontrasse efetivos suficientes para iniciar uma invasão, nenhum dos três países faz fronteira com o Níger. O Gabão seria a opção menos lógica, já que Camarões e Nigéria estão entre ele e o Níger, deixando apenas as bases no Senegal e na Costa do Marfim como possibilidades viáveis. Mas é aqui onde acabam os problemas franceses de geografia básica e começam os problemas geopolíticos reais. Ou seja, para fazer uso efetivamente de suas forças em ambos os países, tentando atingir o Níger, a França precisa passar por Mali e Burkina Faso, que já declararam que qualquer ação militar contra Niamey equivalerá a uma agressão contra eles. Assim, se a França quiser atacar o Níger, precisará atacar também mais dois países africanos.
Uma possível alternativa para Paris seria o uso de sua influência neocolonial na CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental). Isso, no entanto, deixará seus membros sob o risco de mais revoltas antiocidentais, uma vez que esse beligerante polo de poder se tornou profundamente impopular na região. Alguns membros da CEDEAO, como a Nigéria, poderiam ser a melhor opção geográfica, mas dado que Paris tem pouca ou nenhuma influência em Abuja, isso se torna extremamente improvável. Sem mencionar o fato de que a Nigéria tem problemas mais do que suficientes para si mesma, e a última coisa de que precisa é servir de palco para uma invasão neocolonial. Logicamente, isso deixa o Tchad como a única opção, o que também pode ser um tiro no escuro.
Para piorar as coisas para a França, a Argélia juntou-se ao coro dos aliados do Níger. O arquirrival da França, que liderou a independência de muitas de suas “antigas” colônias na década de 1960, é efetivamente uma potência africana, fortemente armada e altamente motivada a nunca mais permitir que Paris ou qualquer outra potência (neo)colonial ocidental estabeleça uma posição firme na região. Isso ainda deixa o Tchad como a única opção viável para uma invasão, já que o país foi a base instrumental de lançamento de praticamente todas as operações militares francesas recentes na África, incluindo a invasão ilegal da Líbia. No entanto, alcançar ao Tchad a essas alturas é algo mais fácil falar do que fazer, e isso mantém a maioria das questões geopolíticas sem solução.
Permanecem de pé, ademais, todas as outras considerações geográficas. Quais sejam, por exemplo: a capital Niamey, do Níger, está localizada no canto sudoeste do país, perto da fronteira com Burkina Faso. Assim, mesmo no caso improvável de que nenhum de seus vizinhos intervenha no possível conflito, o Níger ainda tem uma confortável janela de possibilidades para resistir à invasão. Isso poderia terminar em um desastre para a França, pois mais uma derrota militar na área levaria inevitavelmente ao colapso completo do sistema neocolonial que ela deixou em vigor a partir da década de 1960.
Por outro lado, se Paris não intervir pesadamente agora, isso pode se desdobrar, de qualquer maneira, ainda que num ritmo mais lento. De qualquer forma, o dilema inevitavelmente resulta em um beco sem saída geopolítico, já que deixar as coisas como estão também pode encorajar outros a se revoltarem contra o neocolonialismo ocidental em outras partes da África, e possivelmente mais além.
Quanto aos aliados da França na OTAN, eles têm estado bastante quietos e pouco assertivos, o que inclui até mesmo os Estados Unidos (algo bastante incomum para a sua política externa usualmente beligerante). Washington tem uma base militar na parte central do país, a Niger Air Base 201, gerida pelo US AFRICOM (African Command), mas sua capacidade operacional limita-se à ação de drones, com as tropas aí destacadas compostas em grande parte por um arcabouço de tripulação, que fornece a segurança básica. Frente ao recente esfriamento das relações Estados Unidos-França, é altamente improvável que o Pentágono dê sinal verde para qualquer tipo de envolvimento norte-americano em uma possível invasão francesa, ainda que seja do interesse de Washington manter o neocolonialismo ocidental na África vivo pelo maior tempo possível.
*Drago Bosnic é analista geopolítico e militar croata.
Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.Publicado originalmente no portal InfoBRICS.
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