quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Fugir do capital russo na União Europeia não é liberal

Fontes: Rebelião

Por Fernando G. Jaén
rebelion.org/

Na altura já apontei a contradição entre proclamar-se liberal em economia e aceitar as sanções contra a Rússia: https://rebelion.org/sanciones-economicas-y-comerciales-a-rusia-donde-estan-los-defensores- del-mercado livre/. Explorar o capital russo confiado aos países da UE através dos investimentos que os russos fizeram nas nossas economias é um ato de estupidez soberana quando mina a liberdade de empresa, a segurança jurídica e outras características do que é uma economia de mercado liberal.

Tornou-se claro que as sanções impostas pelos interesses dos Estados Unidos (ou, mais correctamente, daqueles que detêm o poder naquele país), não produziram o fruto esperado de forçar a Rússia a fazer uma genuflexão à submissão, se não a duplicar o colo do útero. Se a submissão foi pretendida através do estrangulamento económico, foi completamente errada. A falta de inteligência leva ao erro e isso leva ao infortúnio. Estamos nisso.

Se os investimentos russos foram em empresas da UE, e agora são punidos, não com impostos excessivos (um suposto alheio ao liberalismo económico), mas com a apropriação dos frutos dessas empresas, que devem devolver o capital investido, negamos a liberdade de empresa e o direito reconhecido de recompensar o investimento se este der frutos. Quantos países pensam agora que “quando vir a barba do seu vizinho raspada, molhe a sua”? Qualquer investidor, mesmo membro da UE, avalia os seus investimentos segundo os parâmetros de Liquidez, Segurança e Rentabilidade, admitindo o risco e a fortuna do negócio, mas sem contemplar qualquer outro saque que não os impostos.

Qualquer uma das crises económicas sofridas demonstrou a rapidez com que se tentam salvar o capital da empresa, interrompendo imediatamente os investimentos planeados. Não vamos dizer se a ameaça é o poder da UE de congelar e depois roubar a empresa. Quanto mais não fará uma empresa de investimento estrangeiro! As sanções já são um péssimo sinal, mas a apropriação dos frutos do capital marca os países membros da UE como inseguros para o retorno do investimento. Tanto a dizer sobre os países menos desenvolvidos que acabam por ter um desempenho pior do que eles.

Os investimentos imobiliários russos, um refúgio para o capital, à espera da sua remuneração, que servem para reavaliar os imóveis pertencentes aos locais devido ao efeito da procura acrescida, são pouco atrativos se deixarem de ser um ativo cujo proprietário pode vender e recuperar o seu capital e o benefício derivado do tempo de duração do investimento e da oportunidade de compra ou venda. Se prolongarmos o impacto destes investimentos na economia de alguns países da UE, especializados no turismo e, portanto, no correspondente setor imobiliário, a gravidade para os nativos será extrema. Quem, sendo de outro país, virá investir num activo real e visível como os do sector imobiliário, sujeitos ao controlo das diferentes administrações, sabendo que a qualquer momento podem ser espoliados por razões políticas? Será que os investimentos em Marbella, em Málaga ou na costa levantina serão vendidos desordenadamente antes que o Conselho da UE decida financiar com eles a sua ajuda aos Estados Unidos através e com a desculpa da guerra na Ucrânia?

E o que dizer do cidadão russo que confiou os seus depósitos aos bancos da UE? Se o setor bancário exige confiança máxima e sabemos que o dinheiro é evasivo, onde você irá depositar suas economias? Irá pensar em abrir uma conta em bancos da UE quando vir que o seu país está a ser fraudado? A confiança desaparece e a desconfiança persiste com o tempo. Se foi necessário criar um Fundo de Garantia de Depósitos para tranquilizar os depositantes, o que muitos cidadãos duvidam (o argumento bancário utilizado é que este ou aquele banco é mais fiável do que a garantia pública e se ocorrer uma crise generalizada, seria impossível cobrir contas dos depositantes). Por razões de interesse político dos EUA, vamos criar uma enorme desconfiança no sistema financeiro da UE.

E aqueles que se consideram liberais em economia, supostos defensores (oralmente) da livre iniciativa, permanecem calados porque sabem que a economia não é livre e é governada e baseada no poder, e é aí que reside o problema, que a União Europeia foi impelida desenvolver uma justificação ad hoc para podermos espoliar os lucros que revertem para os confiantes investidores russos, tão aplaudidos há não apenas alguns anos, tão desejados. Pense nas medidas que os investidores chineses terão de tomar e nas repercussões que terão. Tenhamos em mente o interesse dos Estados Unidos em Taiwan e a posição em que nos colocarão nesse caso, e como, tal como os russos e os chineses se livraram de uma parte das suas reservas em dólares, se livrarão do menor número possível de dólares. reservas que possuem em euros. Os cidadãos dessa União Europeia pagarão por isso.

Fernando G. Jaén. Doutor em economia. Professor Titular da Universidade de Vic-UCC.

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