A última vez que o subtenente da PM do Rio Fabrício Queiroz esteve com os amigos antes de sumir foi na festa de aniversário do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL). Era 1º de dezembro de 2018. A comemoração, em um clube na Barrinha, na Barra da Tijuca, celebrava mais que os quarenta anos do novo parlamentar: era também uma celebração das vitórias eleitorais. A onda de direita varreu o Brasil e Jair Bolsonaro não apenas venceu como elegeu boa parte de seus candidatos para os legislativos estadual e federal.
Rodrigo Amorim ficou conhecido por quebrar uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco. Na foto do episódio, durante a corrida eleitoral de 2018, ele apareceu ao lado do candidato a deputado federal Daniel Silveira e de Wilson Witzel, postulante ao governo do Rio. E foi durante a campanha que ele se tornou íntimo de Queiroz.
Na festa, o policial tomou algumas caipirinhas e posou para fotos. Mas omitiu o seu real estado de ânimo e o que se passava em sua cabeça naqueles dias. Mencionou aos amigos que tinha coisas para resolver nas semanas seguintes, sem entrar em detalhes. Contou que estava fazendo um check-up médico e tinha umas questões de família para cuidar. A outros disse que pretendia viajar para os parques da Disney, nos Estados Unidos. Não falou que tinha deixado o cargo no gabinete de Flávio.
Queiroz havia sido exonerado da Alerj um mês e meio antes, logo depois que Flávio fora eleito senador. Em 16 de outubro de 2018, o Diário Oficial registrou a saída do policial após onze anos de serviço. No mesmo dia, Nathália, sua primogênita, foi exonerada do cargo de assessora de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
O ex-assessor vinha dormindo pouco, preocupado com a convocação para depor no MP nos próximos dias. Mas logo todo mundo ficou sabendo, devido a uma matéria do Estadão revelando o relatório do Coaf. Queiroz ficou desnorteado. Diversas pessoas lhe mandavam mensagens, perguntando. Os jornalistas encarregados de encontrá-lo notaram que ele tinha deixado o local onde vivia, um imóvel de fachada verde-clara localizado em uma vila simples na Taquara, na Zona Oeste do Rio. A casa, de três pisos, tinha jeito de puxadinho em área irregular.
Um ano e meio depois, ele iria admitir que sucumbiu: “Aí houve esse problema, a mídia começou a bater… começou a fazer… aconteceu o problema num dia, tinha dez repórter na porta da minha casa. Eu tinha separado da minha mulher. Tava na casa da minha filha. Eu liguei pro MP, falei que meu endereço era outro. Eu fiquei isolado né, eu não lembro ao certo se foi esse dia. Eu fiquei de cama, eu não conseguia comer, eu não entendia nada, eu não sabia que ia acontecer esse problema todo. Eu não me recordo. Eu fiquei mais dentro de casa por causa disso”.1
Apesar de dizer que estava mal, Queiroz não explicava o motivo daquela reação nervosa. Mas admitiu que encontrou Flávio para dar explicações em algum momento naquele dezembro de 2018. Muito tempo depois, já preso, ele narrou esse encontro na biblioteca de Bangu-8: “Eu tive um contato com o senador… ele não era senador, era deputado, mas já estava eleito, eu dei satisfação a ele do que aconteceu. Ele estava muito chateado, revoltado, ‘eu não acredito que tu tenha feito isso. Não acredito’ […]. Todo mundo falando, eu tinha que dar uma satisfação pra ele. Meu encontro com ele demorou cinco minutos, eu estava com muita vergonha. Porque aconteceu isso, um fato isolado meu. Ele falou que estava desorientado, ‘O que você fez? Não acredito!’. Eu resumi pra ele os documentos, e nunca mais tive com ele”.2 Ao falar desse episódio, Queiroz não disse por que estava com vergonha ou mesmo qual seria o “fato isolado”. Nem o motivo de Flávio “não acreditar” no que o ex-assessor “teria feito”.
A história, cheia de lapsos, tinha jeito de fabulação. Queiroz era íntimo dos Bolsonaro e sabia que a regra principal de trabalho junto ao clã era não desobedecer Jair. A ordem era a mesma desde o tempo do Exército.
Mineiro de Belo Horizonte, Fabrício José de Queiroz nasceu em 8 de outubro de 1965. Conheceu Jair Messias Bolsonaro no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista do Exército, na Vila Militar do Exército, no Rio de Janeiro, quando o capitão chefiava o grupo havia um ano. O soldado também iria bater continência para o major Antônio Hamilton Martins Mourão, que anos depois se tornaria o vice de Bolsonaro.
Durante a ditadura militar que agora se encerrava, daquela brigada saíram alguns dos quadros mais violentos que atuaram na repressão. No auge da perseguição aos opositores do regime, foi entre os paraquedistas que os oficiais de inteligência lotados no gabinete de Orlando Geisel, então ministro do Exército, escolheram agentes para torturar os presos políticos e fazê-los desaparecer. Alguns, por exemplo, estão entre os acusados da morte do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971. Os paraquedistas também foram selecionados a dedo para atuar em cárceres clandestinos, como a Casa da Morte de Petrópolis, da qual apenas uma pessoa saiu viva. Inês Etienne Romeu, a sobrevivente, relatou que o grupo de militares que a torturou fez pelo menos dez vítimas fatais.
No fim da ditadura, a brigada não havia mudado muito. Ainda que a maior parte dos homens envolvidos nas mortes da repressão tenha sido afastada, os célebres trotes que mais pareciam sessões de tortura, com chutes e espancamentos, seguiam ocorrendo. Nesse ambiente, em meio ao fim do governo de João Figueiredo, o soldado Fabrício Queiroz conheceu o capitão Jair Bolsonaro. Mas entre tanta gente na tropa, o que os aproximou foi a corrida. Queiroz era bom corredor e Bolsonaro o treinava.
Queiroz chegou a presenciar a prisão de Bolsonaro por ocasião do artigo na revista Veja, em 1986. O episódio acompanharia o capitão para sempre e o levaria à política a partir de 1988. Como Bolsonaro, Queiroz também iria trilhar um caminho distante das Forças Armadas. No fim de 1987, ele foi aprovado no concurso para a Polícia Militar do Rio de Janeiro e deixou o Exército.
Apesar dos rumos distintos, os dois não iriam se afastar. Queiroz listou Bolsonaro como seu padrinho na PM. A amizade perdurou, e eles mantinham contato para uma pescaria ou para um eventual futebol. Queiroz é vascaíno e Bolsonaro, como se sabe, ora torce pelo Botafogo, ora pelo Flamengo, e ainda se diz palmeirense. E entre um jogo e outro, Queiroz fez carreira na PM, sobretudo no período em que esteve lotado no 18º Batalhão de Polícia Militar de Jacarepaguá, de 1994 a 2003. Lá ganhou fama de violento. “Fez muita mãe chorar”, disse uma moradora da Cidade de Deus.3 A patrulha em que trabalhava era chamada pelos moradores da Cidade de Deus de “bonde do madruga”.4 Nem o próprio negaria o caráter violento das ações. Chegou a dizer certa vez que, nas operações, “para não chorar a minha mãe, chora a dele”.
Em 1997, dez anos depois de entrar na PM, Queiroz já recebia a “gratificação faroeste”, benefício criado na gestão do ex-governador fluminense Marcello Alencar, entre 1995 e 1998. Como o nome sugere, a ideia era premiar em dinheiro policiais que participavam de confrontos com ditos bandidos. Na época em que garantiu esse “bônus”, Queiroz ainda era soldado. Do decreto que sacramentou seus novos ganhos, constava que ele havia participado de “ações policiais, demonstrando alto preparo profissional ao agir com destemida coragem para alcançar o sucesso das missões”. Um ano mais tarde, em 1998, Queiroz já era sargento e passou a “aperfeiçoar” a lista de episódios violentos em que esteve envolvido ao longo da carreira na PM do Rio. Especialmente na Cidade de Deus.
Em 2 de outubro de 1998, ele e Fábio Corbiniano de Figueiredo faziam um patrulhamento no bairro, a serviço do 18º Batalhão de Polícia Militar de Jacarepaguá. A ronda da manhã terminou com uma prisão e os dois tiveram que registrar um boletim de ocorrência na 32ª Delegacia de Polícia. Nada fora do usual. Na delegacia, contaram que quando patrulhavam um conjunto residencial na área da favela Karatê, um homem se pôs a correr depois de avistá-los. A dupla foi atrás dele e o rendeu. Durante a revista, encontraram “nos bolsos droga e na cintura a arma’’. Foi apresentada na delegacia uma pistola de marca Colt, calibre .45, com seis cartuchos, e um saco plástico da cor branca contendo 73 sacolés com um pó branco. Queiroz ainda contou ao delegado que o preso “confessou” que vendia droga e teria admitido estar em liberdade condicional depois de ter cumprido 24 anos de pena por roubo e homicídio.
O homem era Jorge Marcelo da Paixão, conhecido como “Gim Macaco”. Na ficha, o delegado marcou que Paixão, “preto”, “solteiro” e “católico”, tinha 47 anos e era mecânico. Vivia na favela do Karatê com uma companheira e sua enteada. Pagava as contas com biscates. Ele não quis prestar depoimento no dia da prisão. Só falou perante o juiz um mês depois, quando já era réu na 2ª Vara Criminal do Foro Regional de Jacarepaguá. E a história que ele contou era bastante diferente.
Paixão falou à juíza Andréa Teixeira na tarde de 3 de novembro de 1997. Sem a orientação de um advogado, contou que não estava na rua quando foi detido pelos policiais, mas na casa de uma vizinha, trabalhando como mecânico. Em determinado momento, de surpresa, os policiais apareceram e disseram que se ele não desse 20 mil reais “seria embuchado”.5 Paixão revelou ainda que existiam testemunhas na comunidade que viram tudo o que ele estava relatando.
Dias depois, quatro pessoas foram ouvidas em juízo e confirmaram a versão do mecânico. Inclusive a dona da casa onde tudo aconteceu, Dulcelina Arcangela dos Santos — ela não teria presenciado o início da conversa, mas ouviu quando Paixão disse aos policiais: “Eu não tenho daonde tirar 20 mil reais”. O considerou “relevante dúvida” na versão dos PMs e pediu a absolvição do mecânico, que ficou quase cinco meses preso. Por fim, pediu que Queiroz e o colega fossem investigados por falso testemunho, denunciação caluniosa e abuso de autoridade.
Como muitos casos similares, abriu-se uma sindicância que não resultou em punição alguma. Dez anos depois, em 21 de dezembro de 2008, Jorge Marcelo da Paixão morreria em um tiroteio na Cidade de Deus. Queiroz continuaria a se envolver em outros episódios ainda mais violentos.
Nesse mesmo tempo, de 1998 a 2008, Queiroz participou de ações policiais que iriam resultar na morte de duas pessoas e que ainda deixariam mais um homem ferido.
Os BOLETINS DE OCORRÊNCIA registrados por policiais envolvidos em ações seguidas de morte, antigamente chamados de “autos de resistência”, começam quase sempre do mesmo jeito. O enredo é mais ou menos assim: os policiais faziam um “patrulhamento de rotina” quando depararam com “elementos armados que passaram a efetuar disparos contra a guarnição”. A partir disso justificam-se a reação, o confronto e mortos. Não foi diferente o que disse Fabrício Queiroz no dia 16 de novembro de 2002.
Na versão de Queiroz, ele e os colegas reagiram ao ataque dos criminosos. Os “meliantes” correram para o interior da Cidade de Deus, os policiais foram atrás. Em certo momento, Queiroz teria encontrado um desses “elementos caído, baleado, portando a arma de fogo”. Na sequência, outro homem, também baleado em uma das pernas, apareceu dizendo ter sido atingido por um dos disparos dos criminosos.
A lembrança que o confeiteiro Antônio Rabelo tem do episódio é bem diferente. Ele estava indo para um baile funk na comunidade, era a primeira vez que ia à Cidade de Deus. A poucos metros do local da festa, Rabelo e os amigos ouviram estampidos que vinham de trás de onde eles estavam. Todos começaram a correr para tentar fugir, e ele acabou dando de cara com um comboio policial que atirava na sua direção. Levou tiros nas pernas, no joelho e no pé. Caiu. Nos minutos seguintes, viu um homem bastante ensanguentado ser posto dentro de uma viatura. “Não foi só eu e esse rapaz que foi atingido. Teve moradores que foram atingidos”, contaria ele, muito tempo depois.
Socorrido, Rabelo foi levado pelos policiais para o Hospital Lourenço Jorge, na Zona Oeste, e mais tarde, transferido para o Hospital Miguel Couto. Ficou internado por semanas. Sobreviveu, mas teve sequelas e hoje caminha com dificuldade. O homem ensanguentado não teve a mesma sorte. Gênesis da Silva, dezenove anos, foi atingido por um tiro que entrou na parte de trás do pescoço e saiu pelo nariz. Morreu meia hora depois de dar entrada no hospital.
Na 32ª DP, o sargento Queiroz registrou o tiroteio e disse que Gênesis era traficante, embora não constasse nenhuma anotação criminal sobre ele, cujo sonho era ir para o Exército. Feito o comunicado, a polícia empilharia o inquérito em meio a diversos outros. Após os relatos dos policiais, nada mais importava. Nem o que o sobrevivente do tiroteio tinha a dizer. Ele não seria ouvido por muitos anos.
O tiroteio não gerou nenhuma repreensão. Seis meses depois, a madrugada do dia 15 de maio de 2003 terminaria com a morte de um jovem. Mais uma vez a versão de Queiroz, acompanhado do então tenente Adriano da Nóbrega, começava com um relato de que a patrulha de cinco PMs fazia ronda na Cidade de Deus quando se deparou com “vários indivíduos armados” que fizeram disparos contra eles, que revidaram. Findo o confronto, eles viram o corpo de um homem negro no chão junto de uma “bolsa preta”. Os policiais pegaram o corpo e o levaram para o Hospital Cardoso Fontes, supostamente para uma tentativa de socorro. O homem chegou ao local já sem vida. Era Anderson Rosa de Sousa. Ele não sobreviveu aos três tiros que levou, dois deles nas costas. O laudo cadavérico registraria um na parte de trás da cabeça e outro na região lombar. No bairro, testemunhas relataram à família que foi uma execução. “Contaram que eles entraram, levaram ele lá pra trás, tiraram a vida dele, né? Ele pedia pelo amor de Deus, mas não teve jeito, executaram ele com três tiros”, diria a viúva.6
As circunstâncias da morte de Gênesis da Silva e de Anderson Rosa de Sousa nunca seriam totalmente esclarecidas. As armas não seriam periciadas, testemunhas e familiares não seriam ouvidos. A versão dos policiais se imporia por quase duas décadas.7 Mas, mesmo que as investigações não avançassem, Queiroz estava incomodado com o acúmulo de “problemas” na ficha disciplinar da PM-RJ. Ele então foi pedir ajuda a Jair Bolsonaro para deixar o trabalho nas ruas do Rio de Janeiro.
Três meses depois da morte de Anderson Rosa de Sousa, Flávio Bolsonaro solicitou à PM que Queiroz fosse designado para seu serviço na Alerj. O documento foi assinado em 25 de agosto de 2003. Ele largaria o Batalhão de Policiamento em Vias Expressas para ser lotado na DGP, Diretoria-Geral de Pessoal, embora por mais quatro anos ele ainda transitasse entre a PM e a Alerj, sem ser formalmente nomeado assessor de Flávio.8 A retomada de uma convivência mais próxima com os Bolsonaro, porém, iria render uma aproximação maior com seus companheiros na polícia.
Queiroz levou para o convívio dos Bolsonaro o tenente Adriano da Nóbrega, que tinha sido transferido para o 16º BPM, em Olaria, havia pouco tempo. Nessa época o tenente Nóbrega tinha deixado o Batalhão de Operações Especiais (Bope), os chamados “caveiras”, e era o comandante de um Grupamento de Ações Táticas (GAT). Na boca do povo, Nóbrega e o grupo eram conhecidos como a “guarnição do mal”.
Nóbrega passou a ser visto como alguém próximo à família Bolsonaro; Flávio até tomou aulas de tiro no quartel do Bope. Marcelo Nogueira lembra do tenente, figura marcante, durante caminhadas em campanhas eleitorais.
A aproximação com os Bolsonaro rendeu a Nóbrega e a Queiroz uma série de homenagens de Carlos, na Câmara Municipal, e de Flávio, na Alerj. Em novembro de 2003, ambos ganharam, junto com toda a “guarnição do mal”, moções de louvor das duas casas legislativas. Semanas depois da homenagem, Nóbrega e seu grupo seriam presos em flagrante pela morte de um rapaz que havia denunciado o grupo por tortura e extorsão. Mas nem mesmo a prisão no momento do crime demoveria o apreço do clã, que continuaria a defender o tenente por muito tempo, independentemente da péssima avaliação que os superiores do militar faziam de sua conduta.
Na prática, Bolsonaro não se preocupava em saber se a atuação dos policiais seguira os protocolos, se estava correta ou não. Bastava a palavra dos colegas de farda. Desse modo, por décadas, os Bolsonaro ainda iriam condecorar 75 policiais que responderam por homicídios e casos de corrupção.9
O então deputado Flávio foi ao presídio visitar Nóbrega e os demais policiais, sempre acompanhado de Queiroz. Em 9 de setembro de 2005, ele chegou a levar ao Batalhão Especial Prisional a medalha Tiradentes concedida ao tenente, que ainda respondia pelo homicídio de 2003. Jair Bolsonaro foi junto. Quando Nóbrega foi a julgamento, um mês e meio depois de receber a medalha, e foi condenado, Bolsonaro pegou o microfone no plenário da Câmara dos Deputados e pediu a palavra. Era 27 de outubro de 2005.
Sr. Presidente, sras. e srs. Deputados, antes de iniciar, peço à deputada Juíza Denise Frossard que ouça minhas palavras, pois não tenho experiência nessa área e quero depois me aconselhar com s. exa.
Na segunda-feira próxima passada, pela primeira vez compareci a um tribunal do júri. Estava sendo julgado um tenente da Polícia Militar de nome Adriano, acusado de ter feito incursão em uma favela, onde teria sido executado um elemento que, apesar de envolvido com o narcotráfico, foi considerado pela imprensa um simples flanelinha. Todas as testemunhas de acusação — seis no total — tinham envolvimento com o tráfico, o que é muito comum na área em que vivem. O tenente Adriano era o décimo militar a ser julgado pelo episódio. Cinco haviam sido condenados e quatro absolvidos.
O curioso é que o militar que apertou o gatilho e matou aquele elemento foi absolvido, e o tenente, que era o comandante da operação, condenado a dezenove anos e seis meses de prisão, sendo enquadrado inclusive em crime hediondo. O que é importante analisar no caso?
Não considero que a Promotoria o condenou, deputada Denise Frossard. Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente, acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar.
Terminado o julgamento, ao conversar com a defesa, fiquei sabendo que ela não conseguira trazer para depor o outro coronel que havia comandado o tenente acusado. Por quê? Porque qualquer outro coronel que fosse depor favoravelmente ao tenente bateria de frente com o coronel Meinicke, e, com toda a certeza, seria enquadrado por estar chamando de mentiroso o colega coronel.
Esse fato não poderia ter passado despercebido pelo juiz. Se bem que, nesse episódio, o juiz só entrou na parte final, na sala secreta. Apesar disso tudo, poderia ter sido discutido o porquê de a defesa não ter podido trazer nenhum outro superior ou comandante de batalhão em que tivesse servido o tenente.
E o que serviu para fazer com que os jurados o condenassem por 5 a 2 foi exatamente o depoimento do coronel Meinicke, que falou sobre uma sindicância feita por ele à época.
Não vou entrar em detalhes sobre a desqualificação dos acusados ou sobre o fato em si. Entendo também, e v. exa deputada Denise Frossard deve concordar comigo, que o que tem de ser discutido é o que está nos autos, o que está fora dos autos não existe. Mas a palavra do coronel foi considerada.
Estou completando 16 anos de Brasília. É importante saber a quem interessa a condenação pura e simples de militares da Polícia do Rio de Janeiro, sejam eles culpados ou não. Interessa ao casal Garotinho, porque a Anistia Internacional cobra a punição de policiais em nosso país, insistentemente. É preciso ter um número xis ou certo percentual de policiais presos. O Rio é o estado que mais prende percentualmente policiais militares e, ao mesmo tempo, o que mais se posiciona ao lado dos direitos humanos.
Então, sr. Presidente, não sei como podemos colaborar. O advogado vai recorrer da sentença, mas os outros coronéis mais modernos não podem depor, senão vão para a geladeira, vão ser perseguidos. E o tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado. Mas não foi ele quem matou, deputada Denise Frossard! Quem matou foi o sargento, que confessou e, mesmo assim, foi absolvido no tribunal do júri.
A decisão, portanto, tem de ser revista.
Ao que parece, há um interesse muito grande por trás disso. Eu não sei como funcionam as promoções na magistratura, mas está mais do que comprovado que coronel Meinicke está ao lado do governo do estado, que, repito, quer atender à Anistia Internacional e simplesmente punir por punir.
Isso não pode acontecer. Essa prática desqualifica, desmoraliza o tribunal do júri. E o tenente, como qualquer outro policial militar, não tem dinheiro para pagar um bom advogado, tem de se valer de um profissional sem muitos conhecimentos, que, numa hora dessas, não levanta todos os fatos. Eu, que não sou advogado, percebi isso e depois comprovei.10
No discurso, de pouco mais de seis minutos, se evidenciava a relação que a família Bolsonaro tinha com Adriano da Nóbrega. Pela primeira vez na vida, o deputado tinha ido a um tribunal do júri e, nesse caso, foi para ver a defesa de Nóbrega. Ele chegou a mencionar a possibilidade de a Câmara atuar para rever a condenação. Nóbrega já era ligado a bicheiros naquele momento e seu trabalho era tirar do caminho quem atrapalhasse seus chefes. O significado disso era matar.
A atuação de pistoleiros e a existência de grupos milicianos também eram outra realidade que Bolsonaro fingia não saber. Contudo, depois da enfática defesa no episódio da condenação, Jair passou a ser mais discreto quanto à relação da família com Nóbrega. É impossível imaginar que o clã não tenha tomado conhecimento das denúncias feitas contra o ex-capitão do Bope, inclusive a Operação Tempestade no Deserto, em 2011, quando Adriano foi apontado como um dos matadores da família Garcia. Três anos depois, em 2014, seria justamente o envolvimento com os crimes da contravenção que faria com que ele fosse expulso da polícia.
Nos anos seguintes, Queiroz seria o principal responsável pelo trânsito dos Bolsonaro entre os batalhões e ainda em algumas comunidades. Essa agenda seria importante para ampliar o voto do clã para além dos militares.
NOS PRIMEIROS ANOS da carreira política de Bolsonaro como deputado, seu discurso quase sindicalista em defesa dos salários dos militares sempre ressoou em alguma zona eleitoral do estado. A partir de 1998, ele passou a ter ao menos um voto em todas as zonas eleitorais do Rio de Janeiro. Afinal, em toda cidade há um grupo de militares ou de aposentados das Forças Armadas e da polícia.
Com o passar do tempo, sua votação começou a ficar mais distribuída pelo território fluminense. Segundo os dados do TSE, em 1998, a 15ª Zona Eleitoral, que contempla a Vila Militar e abrange Marechal Hermes e Bento Ribeiro, era o local onde o capitão conseguia o maior número de votos. Mas essa vizinhança foi perdendo esse papel decisivo. Em 2002, a 7ª Zona Eleitoral, distribuída pela Tijuca, foi a região onde Jair teve a maior parcela de seus votos. Em 2014, em seu último pleito para deputado federal, seu capital político já se encontrava muito além das urnas próximas aos militares. Naquele ano, foi a 9ª Zona Eleitoral, com urnas localizadas na Barra da Tijuca, Camorim, Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande e Vargem Pequena, a responsável por dar a maior parcela dos votos para o capitão. Resende, por sua vez, correspondeu à metade do que havia sido oito anos antes.
Esse espraiamento da popularidade do patriarca pelo território fluminense acabou beneficiando os filhos. No caso de Carlos, candidato a vereador desde 2000, isso fica mais evidente. Vereadores costumam ter forte ligação com uma região da cidade. Muitos deles conseguem votações expressivas em determinadas regiões, mas passam em branco em outras. Carlos conseguiu ter presença em todo o território carioca, mesmo quando tinha dezessete anos. No caso de Flávio, ocorreu o mesmo. Nas urnas onde o pai conseguia a maior parcela dos votos, o filho também conseguia. E o mesmo acontecia com o menor número de votos. Sempre foi muito difícil encontrar uma urna onde o pai ia mal e os filhos iam bem.
Os números permitem ver a expansão dos votos de Bolsonaro para além dos militares das Forças Armadas e identificar um crescimento por toda cidade, incluindo as regiões de milícias. Na 179ª Zona Eleitoral (Anil, Cidade de Deus, Gardênia Azul, Pechincha e Rio das Pedras), com muitas urnas localizadas em regiões dominadas por diferentes grupos milicianos, os votos dobraram entre 1998 e 2014.
E quem abriu as
portas para esses bairros foi Fabrício Queiroz. Candidatos a deputado no Rio
comentavam como o policial os ajudava a organizar as agendas de rua durante as
campanhas. Ele cumpriria essa tarefa até ser flagrado no escândalo do relatório
do Coaf, em dezembro de 2018, e se ver obrigado a submergir.
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