Macron e Biden durante cerimônia comemorativa dos 80 anos do desembarque na Normandia REUTERS/Christian Hartmann (Foto: Christian Hartmann/REUTERS)
O “novo populismo” à esquerda e à direita, e o colapso do cordão sanitário “centrista”
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Originalmente publicado por Strategic-Culture em 15 de julho de 2024
As elites de Bruxelas soltaram um longo suspiro de alívio – a direita francesa foi bloqueada. Os mercados deram de ombros complacentemente; 'tudo deve 'mudar' para permanecer o mesmo'. O centro encontrará um jeito!
Macron conseguiu bloquear a direita e à esquerda ‘populistas’ através da criação de uma linha defensiva tática centrista para obstruir ambos os pólos políticos. E o bloqueio tático foi um sucesso.
O partido de direita de Le Pen – com 32% dos votos – ganhou 125 assentos (apenas 22% do Legislativo). A esquerda conquistou 180 assentos com 26% dos votos, e o bloco de Macron, Ensemble, reivindicou 159 assentos com 25% dos votos.
Nenhum partido, no entanto, tem cadeiras suficientes para governar (geralmente isso requer cerca de 240 a 250 assentos). Se isso é considerado um sucesso, certamente é um sucesso Pírrico. Os esquerdistas compreendem um espectro de opostos – de anarquistas a leninistas contemporâneos – cujo núcleo de Mélenchon nunca cooperará com os centristas de Macron, nem com os seguidores ressentidos de Le Pen.
O historiador Maxime Tandonnet diz que é uma interpretação heróica dos eventos pensar que Macron conseguiu algo além de um fiasco:
“A Operação Júpiter degenerou no pior cenário possível. É um impasse total”.
É impossível formar um governo funcional a partir desta confusão da Assembleia. (Macron recusou a renúncia do primeiro-ministro derrotado, pedindo-lhe para permanecer, ad interim).
Bem, como observa Henri Hude, ex-diretor de pesquisa da academia militar de Saint-Cyr:
“Ninguém pode duvidar que uma revolução está em andamento na França. Os gastos do estado e do estado de bem-estar social excedem em muito os recursos, que é quase impossível aumentar significativamente, seja através do crescimento econômico ou da tributação ...“A única maneira de o estado equilibrar as contas é contrair dívidas crescentes, que só podem ser sustentadas por taxas de juros muito baixas – mas, acima de tudo, pela capacidade de emitir dinheiro infinitamente, 'do nada', graças ao vínculo privilegiado do Euro com os títulos alemães [alta classificação de crédito para títulos de 10 anos].
Se essas facilidades cessarem, “os financistas estimam que a França teria que cortar os salários de seus funcionários públicos, ou reduzir seu número, em cerca de um terço, e as pensões de aposentadoria de todos em um quinto. Isso é obviamente inviável”.
“O que é na realidade um déficit orçamentário e comercial é disfarçado como dívida e teria sido purgado há trinta anos pela desvalorização da moeda nacional – mas esse artifício da dívida [beneficia cada vez mais os ricos] ... enquanto a população geral nunca para de resmungar, vivendo seu sonho cor-de-rosa – e mantida na ignorância cega sobre o estado de nossas finanças ... Dito isto, a classe dirigente está bem ciente da situação, mas prefere não falar sobre isso, porque ninguém sabe o que fazer”.“Não há dúvida de que no momento da verdade, quando os estados se declararem falidos ... o Ocidente será abalado até o núcleo – e alguns explodirão como rolhas de champanhe. A economia terá que ser reorganizada. Talvez também vejamos uma revolução cultural. Foi o fracasso do estado francês – não vamos esquecer – que provocou a Revolução Francesa ...“Mas você pode perguntar, por que isso [o desregramento monetário] não pode continuar indefinidamente? É isso que vamos descobrir, mas não agora”.“Hoje, mesmo antes de a falência ser declarada, a perda de confiança nas instituições - a impotência das autoridades públicas, privadas de prestígio e autoridade, e a detestação do presidente – permitem prever a energia da onda de choque que seria desencadeada pela revelação do fiasco. Um cenário ao estilo 'grego' é improvável na França. É melhor apostarmos em outra coisa” (inflação controlada e uma desvalorização do Euro?)”.
Claro, a França não está sozinha. “O sistema do Euro deveria forçar os países do Euro a serem financeiramente prudentes e 'virtuosos'. Mas o contrário aconteceu”. O bom crédito da Alemanha permitiu que outros estados da UE se apoiassem fortemente em uma classificação privilegiada alemã para se entregarem a uma dívida infinita – mantendo todos os níveis de dívida soberana da UE artificialmente baixos.
Enquanto o privilégio do dólar estadunidense persistir, o do Euro deve permanecer – exceto que a guerra na Ucrânia está arruinando a indústria alemã, antes de tudo. A França já enfrenta um procedimento de déficit excessivo da UE. O mesmo acontece com outros estados da UE. A Alemanha tem seu freio de dívida e deve fazer cortes de 40 bilhões de euros. A austeridade está em andamento na maior parte da zona do Euro.
O dólar dos EUA – no ápice desta pirâmide de dívida liberal – está desmoronando, juntamente com a ‘Ordem baseada em Regras’ ocidental. As ‘placas’ geoestratégicas do mundo – assim como seu zeitgeist cultural – estão mudando.
Simplificando, o problema inadvertidamente exposto por Macron é insolúvel.
“Podemos chamar o ethos emergente de ‘o novo populismo’”, escreve Jeffrey Tucker:“Não é nem de esquerda nem de direita, mas toma emprestados temas de ambos no passado. Da chamada ‘direita’, deriva a confiança de que as pessoas em suas próprias vidas e comunidades têm uma capacidade melhor de tomar decisões sábias do que confiar nas autoridades do topo. Da velha esquerda, o novo populismo tira a demanda pela liberdade de expressão, direitos fundamentais e uma profunda suspeita do poder corporativo e governamental.“O tema de ser cético em relação às elites empoderadas e entrincheiradas é o ponto saliente. Isso se aplica em todos os setores. Não é apenas sobre política. Afeta mídia, medicina, tribunais, academia e todos os outros setores de ponta. E isso é em todos os países. Isso realmente representa uma mudança paradigmática. Parece não ser temporário, mas substancial; e provavelmente duradouro”.“O que aconteceu ao longo de quatro anos desencadeou uma onda massiva de incredulidade [e uma sensação de ilegitimidade das elites] que vem se acumulando há décadas”.
O filósofo Malebranche escreveu (1684) em seu 'Traité de Morale': “Os homens perdoam tudo, exceto o desprezo”:
“Uma elite que falha em seus deveres é chamada de elitista; à partir daí, a sua atividade parece injusta e abusiva, mas, mais importante, sua própria existência é um afronta. Esta é a fonte do ódio, da transformação da emulação em ciúme, e do ciúme em sede de vingança – e consequentemente das guerras”.
O que então deve ser feito?
Para restabelecer a chamada “Ordem Americana” e silenciar a dissidência, uma vitória da OTAN foi considerada necessária:
“O maior risco e maior custo para a OTAN hoje é o risco de vitória russa na Ucrânia. Não podemos permitir isso”, disse o Secretário-Geral Stoltenberg no aniversário da OTAN em Washington. “O resultado desta guerra determinará a segurança global nas próximas décadas”.
Tal resultado na Ucrânia – contra a Rússia – teria sido visto por alguns em Washington como talvez sendo o suficiente para trazer qualquer estado rebelde que negocia em dólares à razão e re-instaurar a primazia ocidental em todo o globo.
Por muito tempo, ser um protetorado estadunidense era tolerável, até vantajoso. Não mais: os EUA não ‘assustam’ mais. Tabus estão sendo quebrados. O motim contra o Ocidente pós-moderno é mundial. E está claro para a maioria global que a Rússia não pode ser derrotada militarmente. É a OTAN que está sendo derrotada.
Aqui está o ‘buraco no centro’ do empreendimento: Biden pode provavelmente não estar por aí por muito mais tempo. Todos podem ver isso.
Alguns líderes da UE – aqueles que estão perigosamente perdendo apoio político em casa, à medida que seus cordões sanitários contra a esquerda e a direita se fraturam – podem ver a guerra como a saída para uma UE que se aproxima de um desastre fiscal insolúvel.
A guerra, inversamente, permite que todas as regras fiscais e constitucionais sejam quebradas. Líderes políticos se transformam repentinamente em comandantes-em-chefe.
Enviar tropas e oferecer aviões de combate (e mísseis de longo alcance) poderia ser interpretado como uma intenção deliberada de provocar uma guerra europeia mais ampla. O fato de que os EUA aparentemente pensam em usar bases de F-16 na Romênia pode ser a maneira de causar uma guerra na Europa e salvar várias fortunas políticas atlantistas que estão afundando.
Em contraste, há claras evidências de que os europeus (88%) dizem que “os países membros da OTAN [deveriam] pressionar por um acordo negociado na Ucrânia” – com apenas uma minoria minúscula dos entrevistados acreditando que o Ocidente deveria priorizar objetivos como “Enfraquecer a Rússia” ou “Restaurar as fronteiras da Ucrânia pré-2022”.
Em vez disso, o público europeu demonstra, esmagadoramente, favorecer objetivos como “evitar escalada” e “evitar guerra direta entre potências nucleares”.
O que é mais provável, aparentemente, é que o sentimento anti-guerra reprimido na Europa irrompa – talvez até levando, finalmente, à rejeição da OTAN em sua totalidade. Trump pode então se ver empurrando uma porta aberta com a sua postura sobre a OTAN.
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