segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A esquerda sul-americana tem algum problema com a produção de alimentos?

© Foto: Redes sociais

Bruna Frascolla

Uma falácia da esquerda financiada por ONGs, repetida pelo garoto da Fundação Ford, é a confusão entre o grande empresário do agronegócio e o pequeno agricultor.

O esquerdista Jones Manoel e o direitista Olavo de Carvalho têm muito em comum. Ambos se passam por intelectuais, mas em vez de ganharem notoriedade por seus escritos, ficaram famosos por causa do YouTube – uma Big Tech americana que, como toda Big Tech americana, tem uma relação promíscua com o governo. Então, além do primeiro ser de esquerda e o segundo de direita, eles atraem o mesmo tipo de público: a pessoa que quer se passar por letrada, mas não quer ler. Então essa pessoa ouve essa conversa boa, e talvez pague para ter algum tipo de contato com ela nessas coisas online que os incautos chamam de “cursos”. Esse deve ser o tipo de “intelectual” empurrado pela CIA para o Brasil: eles formam turbas sectárias dedicadas a odiar metade do país. E assim, quem não pertence à bolha às vezes nem sabe o que está sendo transmitido lá.

Outra coisa que une os dois é o compromisso de excomungar Aldo Rebelo de suas respectivas cercas políticas. No fim da vida, Olavo de Carvalho queria expulsar tal comunista dos círculos de direita. Há algumas semanas, Jones Manoel publicou um vídeo de meia hora em que condenava o “nacionalismo conservador e traidor (entreguista)” de Aldo Rebelo. Os nacionalistas demoraram a descobrir o atentado (porque Jones Manoel fala para sua bolha), e logo houve uma série de respostas feitas também no YouTube, respostas tão longas quanto um filme de Hollywood. Então vemos que escrever é uma ótima maneira de alocar tempo.

Embora Jones Manoel use um sórdido ad hominem – a insinuação de que as pessoas gostam de Aldo Rebelo porque ele é um homem branco hétero –, ele não foca tanto em Aldo Rebelo quanto no ataque à agricultura brasileira. E como esse ataque também apareceu na entrevista do ilustre e instigante Prof. Nildo Ouriques com meu colega do SCF Raphael Machado e com Carlos Velasco, acredito que seja um problema geral espalhado pela esquerda brasileira, seja ela abertamente americanófila ou anti-imperialista.

As alegações da esquerda americanófila são simples: o Brasil precisa parar de plantar por causa do aquecimento global e dos “povos originais” (que é como os caras financiados por ONGs começaram a chamar os ameríndios). Não importa se a produção global de alimentos cai; a pauta é dos malthusianos amantes da fome. Eles amam tanto a fome que inventam a ideia de que os ameríndios não podem e não devem ter plantações modernas; eles devem, em vez disso, viver na idade da pedra “preservando sua cultura”. Como Jones Manoel, apesar de sua estética soviética, recebeu (ainda recebe?) dinheiro da Fundação Ford, ele repetiu um pouco desses tópicos.

Mas, como mantém uma aparência de alinhamento com a União Soviética, ele levantou outras alegações comuns entre a esquerda anti-imperialista que ama a União Soviética e a Venezuela: a de que o Brasil precisa se industrializar – portanto, precisa despriorizar a agricultura – e que o agronegócio brasileiro é prejudicial à economia nacional porque está concentrado em grandes propriedades rurais.

Comecemos por esta última objeção. A área mais importante do país para as exportações do agronegócio é a região Centro-Oeste, composta pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, mais o Distrito Federal. Contiguamente, o mesmo agronegócio se expandiu para a chamada região do MATOPIBA, sigla dos estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, quase todos na região Nordeste. Sugiro aos leitores estrangeiros que olhem um mapa do Brasil com as divisões políticas dos estados.

O Brasil tem cinco regiões: Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. As duas regiões mais populosas do Brasil são o Nordeste e o Sudeste, que são banhadas pelo Oceano Atlântico e não têm fronteiras com outros países. Historicamente, a população do Brasil se concentra no litoral e nas proximidades, na antiga Mata Atlântica (a cidade de São Paulo, embora não seja costeira, foi fundada neste bioma). Além de ter tribos de língua tupi, que eram abertas a alianças, casamentos e trocas com os europeus, a área da Mata Atlântica tem solo fértil, no qual “quando se planta, tudo cresce”, segundo Caminha.

O mesmo não pode ser dito sobre outros biomas do país. Uma grande porção do Nordeste é semiárido, que tem uma população densa para um lugar tão inóspito. Fugindo da fome, muitos cearenses foram povoar a Floresta Amazônica. Ali, por sua vez, a população se concentra nas margens de grandes rios, que servem como rotas para percorrer a densa floresta. Para se ter uma ideia de quão difícil é explorar a Amazônia, um rio tão grande quanto o Rio Roosevelt só teve sua rota descoberta no início do século XX, com a Expedição Rondon-Roosevelt. A Amazônia fica na região Norte, que tem um porto no Atlântico e tem fronteiras pouco percorridas com países vizinhos.

Descendo até as fronteiras com o Paraguai e a Argentina, temos as regiões Centro-Oeste e Sul. Esta última, de clima subtropical, recebeu colonos italianos e alemães no século XIX e possuía muitas pequenas propriedades produtivas (além das de descendentes de ibéricos e indígenas que já estavam ali antes da imigração). O Centro-Oeste, onde predomina o bioma Cerrado, entrou no século XX como um local pouco povoado, que sequer tinha comunicação terrestre com o restante do Brasil, exigindo que o jovem Rondon descesse o Rio da Prata e fosse até Buenos Aires para pegar um navio que chegasse à antiga capital, o Rio de Janeiro.

Havia uma razão para isso: as terras do Cerrado não eram férteis. Os brasileiros chegaram lá no século XVIII – falava-se português, apesar da distância –, mas o acesso era feito por canoas, segundo critérios sazonais, e com o objetivo de buscar ouro (as monções).

Com tudo isso, quero dizer que, grosso modo, o Brasil tinha gente no leste e era despovoado no oeste, principalmente na área do Cerrado, e que isso tinha um motivo: a terra do Cerrado era inútil. Era uma savana onde não se podia plantar muita coisa e, para chegar lá de São Paulo sem sair do país, era preciso passar por uma área alagada cheia de cobras e jacarés. Hoje, o Cerrado é o celeiro do mundo. O que aconteceu? Uma revolução tecnológica liderada pela Embrapa, que transformou solo estéril em fértil. Um nome importante nesse processo é o do cientista Alysson Paolinelli (1936 – 2023).

Dito isso, uma terra que exige mais tecnologia para produzir também demanda mais capital. Assim, aqueles fazendeiros do Sul e de São Paulo que tinham produção mecanizada estavam comprando terras no Cerrado e expandindo a fronteira agrícola do Brasil – chegando ao MATOPIBA, que é uma área de Cerrado no extremo oeste da região Nordeste. Não se tratava de um saque de terras que pequenos fazendeiros deixaram de cultivar; era uma expansão da fronteira agrícola. Essa expansão foi acompanhada de crescimento econômico e populacional nas regiões de fronteira, o que é importante para a soberania do país, porque na América do Sul o uti possidetis se aplica à demarcação de fronteiras.

Agora fica a pergunta: se o Brasil abrisse mão da receita do agronegócio, como ele se industrializaria? Não é o oposto: com a entrada de dólares (e agora yuan), não conseguiremos financiar nossa indústria? Críticas ao sistema tributário são válidas. No entanto, espero que os críticos dos subsídios brasileiros estejam cientes do fato de que os EUA e a Europa, que são industriais, também subsidiam seus agricultores. Até hoje, nunca vi ninguém culpar a agricultura pelo Rust Belt.

Uma falácia da esquerda financiada por ONGs, repetida pelo garoto da Fundação Ford, é a confusão entre o grande empresário do agronegócio e o pequeno agricultor. Certamente, os grandes empresários são mais vocais contra os obstáculos inventados pelos órgãos públicos de sempre (os do meio ambiente e dos indígenas, além dos ministérios públicos) que impedem a abertura de ferrovias ou a exploração de minas de potássio. Alguns grandes empresários, produtores de arroz do Rio Grande do Sul, foram, na última década, expulsos do estado de Roraima – que, depois disso, teve sua economia destruída e hoje vive de auxílios. Ainda assim, podemos estimar que a maioria dos agricultores punidos pelos órgãos federais são brasileiros pobres da Floresta Amazônica que cuidam da própria subsistência. Foi o que ficou evidente com a CPI das ONGs. Nela, o senador Plínio Valério, do Amazonas, mostrou imagens de pobres tendo suas casas destruídas pelo Estado; mães impedidas de ter uma vaca para dar leite aos filhos. Foi como os israelenses expulsando os palestinos, com a diferença de que um deserto humano está sendo preparado na Amazônia. Esse território brasileiro está sendo “desantropizado”, para usar a expressão de Aldo Rebelo. Depois de dizer que os brasileiros pobres da região só queriam estradas para circular, a misantrópica Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, teve que acusar o senador de racismo por usar a expressão “caixa preta”, e abraçou Lula em lágrimas diante das câmeras.

Por fim, não acho que seja uma boa ideia usar a União Soviética e a Venezuela como exemplo ao lidar com a produção de alimentos. Ambos os países têm sérios problemas com a produção de alimentos. A Rússia de hoje certamente estaria mais confortável sem o espectro da Fome Ucraniana, e a Venezuela, que não consegue alimentar toda a população nascida lá, depende de importações de alimentos. O chavismo merece crédito por ter um exército soberano e anti-imperialista. No entanto, quando as famílias têm que escolher entre o imperialismo e a fome, elas escolhem a primeira opção.

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