quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Do império ao caos: como as corporações estão golpeando o Estado americano por dentro

Uma bandeira americana e outra da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) em Washington (Foto: Annabelle Gordon / Reuters)

O jornalista Reynaldo Aragon também faz um alerta sobre a guerra pelo controle de agências do Estado norte-americano.

Reynaldo José Aragon Gonçalves
brasil247.com/

A crise política que assola os Estados Unidos hoje não se trata de um golpe de Estado tradicional, mas sim de algo ainda mais profundo e sistêmico: um golpe das elites contra o próprio Estado. O que está em jogo não é apenas a disputa entre republicanos e democratas, entre progressistas e conservadores, mas sim a transformação do aparato estatal em um instrumento cada vez mais subordinado ao controle privado das Big Techs e dos oligarcas do Vale do Silício. Esse processo se intensificou nos últimos anos com a ascensão do trumpismo e de sua corrente tecno libertária, que não busca tomar o poder para consolidar um governo convencional, mas sim dissolver as estruturas estatais e substituí-las por um novo modelo de administração baseado no domínio corporativo das plataformas digitais, da inteligência artificial, da segurança cibernética e das operações psicológicas. Nos últimos anos, os EUA têm vivido uma guerra interna pelo controle do Estado, e essa guerra envolve diretamente os interesses das Big Techs, da extrema-direita trumpista e dos setores tradicionalmente ligados ao deep state americano. Esse embate pode ser observado na disputa pelo comando de instituições como a USAID, o FBI, o Departamento de Estado e as diversas agências de inteligência que historicamente operaram como braços do imperialismo americano. O que se vê agora é uma fragmentação dessa máquina, impulsionada pelo avanço de bilionários como Elon Musk e Peter Thiel, que, ao contrário das elites políticas tradicionais, não têm interesse em preservar o Estado como estrutura de governança, mas sim em moldá-lo à imagem e semelhança de suas empresas e visões ideológicas. Esse processo avança em diversas frentes e está diretamente conectado à ascensão do tecno libertarianismo como alternativa ao modelo estatal tradicional.

O tecno libertarianismo é uma ideologia que rejeita o papel central do Estado e prega a substituição de suas funções por modelos privatizados e descentralizados, geralmente controlados por grandes corporações e plataformas digitais. Em sua essência, é um projeto de dominação que busca transformar a administração pública em um serviço prestado por empresas como Palantir, OpenAI, Amazon Web Services e SpaceX, que já operam de forma integrada ao aparato militar-industrial americano. Essa lógica vem se consolidando há anos, mas ganhou força com a expansão do trumpismo e a crise institucional que se aprofundou nos Estados Unidos. O objetivo final não é apenas conquistar eleições ou nomear aliados para cargos estratégicos, mas sim redefinir completamente o funcionamento do Estado, tornando-o refém das grandes corporações tecnológicas e seus interesses políticos e financeiros. O golpe contra o Estado dos EUA acontece dentro do contexto mais amplo da guerra híbrida e da guerra cultural. Por décadas, os Estados Unidos usaram essas estratégias para desestabilizar países ao redor do mundo, promovendo golpes suaves, disseminando desinformação e manipulando eleições para garantir sua hegemonia global. Agora, esse mesmo método está sendo aplicado internamente, e o país que tanto utilizou a guerra híbrida como arma de dominação se tornou vítima de sua própria estratégia. O trumpismo, aliado ao Vale do Silício e a setores estratégicos do capital financeiro, está reorganizando as estruturas de poder dentro do país, deslocando o controle do Estado para as mãos de corporações privadas que atuam sem qualquer tipo de regulação efetiva. O processo que se desenrola é um verdadeiro assalto à soberania estatal dos EUA, uma guerra pelo controle das instituições que, se concluída com êxito, significará o colapso da ordem política tradicional americana.

Esse novo modelo de poder não se baseia apenas no controle do governo formal, mas sim na captura dos principais sistemas de vigilância, inteligência, segurança cibernética e defesa do país. Cada vez mais, os setores sensíveis do aparato estatal estão sendo entregues a empresas privadas que oferecem “soluções tecnológicas” para problemas que antes eram administrados diretamente pelo governo. A Palantir, de Peter Thiel, já controla parte das operações de inteligência do Departamento de Defesa; a SpaceX, de Elon Musk, detém contratos bilionários com o Pentágono para fornecer infraestrutura de comunicação e defesa espacial; a Microsoft e a Amazon operam sistemas críticos para a segurança nacional, como o armazenamento de dados confidenciais do governo e a administração de redes de inteligência artificial. O que está acontecendo não é apenas a terceirização de serviços públicos, mas sim a substituição do próprio Estado por uma rede de corporações privadas que operam sem qualquer tipo de transparência ou controle democrático. O grande paradoxo desse processo é que, enquanto as elites do Vale do Silício se posicionam como supostos defensores da liberdade e da inovação, na prática, estão criando uma nova forma de autoritarismo digital. O tecno libertarianismo que elas promovem não significa a libertação do indivíduo ou o fortalecimento da democracia, mas sim a entrega do poder para uma elite corporativa que governa sem prestar contas à sociedade. O Estado, que antes exercia um papel regulador e de contenção do poder econômico, está sendo reconfigurado para servir exclusivamente aos interesses dessas mega corporações. Essa transição tem implicações profundas não apenas para os EUA, mas para o mundo inteiro, pois a captura do Estado americano pelas Big Techs redefinirá as relações de poder na geopolítica global.

A disputa entre os setores tradicionais do deep state e a nova elite tecno libertária já se manifesta em diversas frentes, desde as tentativas do establishment de frear o avanço das Big Techs até as reações desesperadas do sistema jurídico e das agências de inteligência contra a influência do trumpismo. A recente ofensiva da USAID contra redes de desinformação ligadas a Musk e Thiel mostra que o governo americano ainda tenta conter esse processo, mas a questão central é que o próprio modelo de governança dos EUA está se tornando disfuncional diante dessa guerra interna. O controle do Estado está sendo transferido, pouco a pouco, para uma nova elite corporativa que não responde a nenhuma estrutura política tradicional e que está disposta a destruir o sistema vigente para impor sua própria ordem. A grande questão que se coloca é: quem governará os EUA nos próximos anos? Será o Estado tradicional, com seus mecanismos de regulação e poder institucional, ou as megacorporações tecnológicas, que cada vez mais assumem funções estratégicas dentro do aparato estatal? Esse embate definirá o futuro do país e terá repercussões globais, pois os Estados Unidos não são apenas uma potência econômica e militar, mas também o centro da arquitetura digital do mundo. Se esse golpe contra o Estado for bem-sucedido, veremos a ascensão de um novo modelo de poder, baseado no controle total da informação, da segurança e da tecnologia por uma elite empresarial sem qualquer compromisso com a democracia ou a soberania nacional. O que está em curso não é apenas uma transformação política, mas sim uma revolução silenciosa que redefinirá a estrutura do poder global no século XXI.

A ascensão das Big Techs como Complexo Industrial-Militar da Guerra Híbrida

As Big Techs não são mais apenas empresas de tecnologia; tornara-se a espinha dorsal do novo complexo industrial-militar da guerra híbrida. O modelo tradicional do complexo militar-industrial, formado por gigantes da defesa como Lockheed Martin, Boeing e Raytheon, agora compartilha espaço com um novo eixo de poder baseado no controle da informação, inteligência artificial, cibersegurança, redes sociais e vigilância digital. Empresas como Palantir, Microsoft, Google, Amazon, OpenAI e SpaceX passaram a ocupar funções estratégicas dentro do aparato de defesa e inteligência dos EUA, muitas vezes com mais autonomia e poder do que as próprias agências estatais. Essa transição não aconteceu de forma abrupta. Desde os anos 2000, as gigantes da tecnologia foram gradativamente se infiltrando nas operações militares e governamentais, vendendo a ideia de que seus algoritmos, inteligência artificial e infraestrutura digital eram indispensáveis para a segurança nacional. Hoje, a realidade é que os EUA não apenas dependem dessas empresas para sua defesa e inteligência, mas também entregaram a elas o monopólio do controle informacional global. Esse novo modelo de poder consolidou-se dentro da lógica da guerra híbrida, onde a manipulação da percepção pública, a vigilância em massa e o controle dos fluxos de informação são armas tão ou mais eficazes do que mísseis ou porta-aviões. O exemplo mais emblemático desse processo é a Palantir, empresa fundada por Peter Thiel e que se tornou o cérebro da vigilância dos EUA. A Palantir fornece serviços essenciais para a CIA, o FBI, o Pentágono e outras agências governamentais, utilizando big data e inteligência artificial para analisar informações de forma preditiva. Em outras palavras, o governo americano terceirizou sua capacidade de inteligência para uma empresa privada que opera sem qualquer controle democrático. Essa dependência da Palantir mostra como as Big Techs não apenas se integraram ao Estado, mas passaram a moldá-lo de acordo com seus interesses corporativos.

Outro exemplo crucial é Elon Musk e sua SpaceX, que monopolizou o setor de comunicações e infraestrutura espacial do governo americano. Seu serviço de internet via satélite, Starlink, já é usado por forças armadas e governos ao redor do mundo, tornando-se um ativo estratégico em conflitos como a guerra na Ucrânia. O problema é que Musk tem total controle sobre esse sistema, podendo decidir unilateralmente quando e como fornecer acesso à comunicação, o que representa um risco sem precedentes para a soberania estatal. Na prática, o Pentágono e outras instituições dependem das decisões individuais de Musk para operar suas comunicações militares em várias partes do mundo. Além disso, empresas como Microsoft e Amazon Web Services (AWS) controlam a infraestrutura de armazenamento de dados da CIA e do Departamento de Defesa, consolidando o domínio das Big Techs sobre o aparato de segurança americano. A OpenAI, com seus avanços em inteligência artificial, também se posiciona como uma peça-chave nesse tabuleiro, utilizada para operações psicológicas e manipulação da informação em larga escala. O que estamos testemunhando é a fusão entre o setor privado e o aparato de guerra dos EUA, criando um modelo de neoliberalismo militarizado, onde corporações assumem funções antes exclusivas do Estado. Isso significa que decisões estratégicas de segurança, inteligência e vigilância não estão mais sob controle das instituições governamentais, mas sim das Big Techs e de seus CEOs, que operam sem prestar contas à população. Esse novo complexo industrial-militar da guerra híbrida não apenas influencia a política interna dos EUA, mas também molda conflitos globais, controlando o fluxo de informações e promovendo operações psicológicas em escala internacional. A ascensão desse modelo coloca em xeque a própria definição de soberania estatal, pois governos ao redor do mundo agora dependem dessas corporações para suas comunicações, segurança cibernética e operações militares.

A guerra pelo Controle da USAID e outras agências do Estado

A disputa pelo controle da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) é um dos campos de batalha mais estratégicos dentro do golpe das elites contra o Estado americano. Tradicionalmente, a USAID tem sido utilizada como um braço do imperialismo dos EUA, operando como fachada para operações de desestabilização, financiamento de grupos políticos alinhados aos interesses americanos e aplicação da doutrina neoliberal em países estratégicos. No entanto, nos últimos anos, uma guerra interna se instaurou dentro da agência, revelando o embate entre o deep state tradicional, que deseja manter a USAID sob controle governamental, e os novos tecnolibertários trumpistas, que buscam capturá-la para seus próprios interesses. O que está em jogo não é apenas o comando da USAID, mas sim a reconfiguração do Estado americano e de sua política externa. A extrema-direita trumpista e suas conexões com o Vale do Silício querem transformar a USAID em uma máquina de guerra híbrida ainda mais privatizada, onde as operações de desestabilização sejam conduzidas diretamente por empresas privadas, sem qualquer supervisão estatal. Esse movimento faz parte da ofensiva das Big Techs para assumir setores estratégicos do Estado e consolidar seu domínio sobre a política interna e externa dos EUA. O caso de Elon Musk ilustra bem essa transição. Sua empresa Starlink, que fornece internet via satélite, já foi utilizada em diversas operações de desestabilização ao redor do mundo, incluindo conflitos na Ucrânia, em Taiwan e até na América Latina. O problema central é que Musk, como dono da infraestrutura, decide unilateralmente quando e como seus serviços serão usados, sem qualquer transparência ou controle governamental. Isso significa que operações de inteligência que antes eram conduzidas por agências estatais agora estão sendo controladas por um bilionário com ambições políticas próprias.

Além da USAID, outras instituições estratégicas do Estado americano estão sendo infiltradas por esse novo bloco de poder tecnolibertário. O Pentágono, por exemplo, passou a terceirizar diversas operações para empresas privadas como a Palantir e a Amazon Web Services, que controlam boa parte dos dados de segurança nacional. Essa privatização da inteligência militar faz parte de um processo maior de captura do Estado pelos interesses das Big Techs, onde a segurança e a defesa dos EUA passam a ser administradas por corporações que não respondem a nenhum mecanismo de fiscalização democrática. A captura da USAID e de outras agências governamentais pelos tecnolibertários não é apenas um processo de privatização, mas sim uma mudança de paradigma na estrutura do poder americano. Se antes o Estado servia como um mediador entre interesses privados e públicos, agora ele está sendo reconfigurado para operar exclusivamente em função das megacorporações tecnológicas, eliminando qualquer vestígio de governança democrática. Esse é o verdadeiro golpe em curso: a transformação do Estado em um mero instrumento das Big Techs e de seus aliados ideológicos.

O projeto tecnolibertário e a privatização do Estado

O avanço das Big Techs dentro do aparato estatal dos EUA não se trata apenas de uma infiltração oportunista para capturar contratos bilionários e obter influência política. O que está em curso é algo muito mais profundo: a imposição do tecnolibertarianismo como modelo de governança, substituindo o Estado tradicional por uma administração baseada no controle absoluto das corporações tecnológicas. Esse movimento não é apenas econômico, mas ideológico, e pretende reconfigurar completamente as funções do Estado, tornando-o irrelevante ou subordinado aos interesses das elites empresariais do Vale do Silício. O tecnolibertarianismo é uma corrente radical do pensamento neoliberal que propõe o fim do Estado como regulador e administrador da sociedade, substituindo suas funções por soluções tecnológicas privadas. Em sua visão extrema, instituições como a saúde pública, a educação, a segurança, a defesa nacional e até o sistema jurídico deveriam ser administradas por empresas e algoritmos, reduzindo ao máximo o papel da governança pública. Esse modelo, promovido por bilionários como Peter Thiel, Elon Musk e Marc Andreessen, busca transformar as sociedades em territórios de governança algorítmica, onde a soberania não pertence mais aos cidadãos ou ao governo, mas sim às plataformas digitais e seus proprietários. Nos últimos anos, essa ideologia deixou de ser apenas um conjunto de ideias futuristas para se tornar um projeto real de tomada de poder. A privatização do Estado já está em andamento nos EUA, com diversos setores estratégicos terceirizados para empresas privadas. O setor de vigilância e segurança cibernética é um dos exemplos mais evidentes: hoje, boa parte da infraestrutura de inteligência dos EUA está nas mãos de empresas como Palantir, Amazon Web Services e Google, que controlam a coleta, processamento e análise de dados sensíveis. Em vez de um governo operando suas próprias redes de segurança, o que temos é um modelo onde as informações mais sigilosas do país estão armazenadas e gerenciadas por companhias que não prestam contas a ninguém além de seus acionistas. Outro exemplo claro é a privatização da defesa nacional. O Departamento de Defesa dos EUA fechou contratos bilionários com a Microsoft e a Amazon para o gerenciamento de suas operações em nuvem, incluindo sistemas de comando e controle militares. Isso significa que, em um cenário de conflito global, a infraestrutura digital do exército americano não está mais sob controle exclusivo do governo, mas sim de empresas privadas que podem, se desejarem, condicionar o funcionamento desses sistemas a interesses próprios.

A ascensão das cidades privadas e das zonas de governança independente também faz parte desse projeto. Peter Thiel, um dos maiores entusiastas do tecnolibertarianismo, já investe em iniciativas como as Seasteading Cities, cidades flutuantes privadas onde as regras são determinadas por contratos corporativos em vez de leis nacionais. Esse conceito radical está diretamente ligado ao plano de desmantelamento do Estado, pois sugere que a solução para os problemas da governança pública não é reformar o sistema, mas sim abandoná-lo completamente e criar novas estruturas de poder baseadas na soberania das Big Techs. Elon Musk segue a mesma lógica com seu projeto de colonização de Marte, que não é apenas uma aventura espacial, mas sim um experimento de governança privada em larga escala. Musk já declarou abertamente que deseja estabelecer um regime autônomo e independente no planeta vermelho, sem a interferência de governos terrestres. A ideologia por trás desse plano é a mesma que guia o golpe contra o Estado nos EUA: a crença de que bilionários e empresas de tecnologia devem administrar a sociedade sem a interferência da política tradicional. O maior perigo desse modelo é que ele não apenas desmonta o Estado, mas também cria uma nova forma de autoritarismo digital, onde o poder está centralizado nas mãos de corporações privadas sem qualquer controle democrático. O que está sendo construído não é um mundo mais livre, como pregam os tecnolibertários, mas sim um sistema de dominação algorítmica onde decisões sobre segurança, direitos e políticas públicas serão tomadas por CEOs e programadores, e não por representantes eleitos. O processo de privatização do Estado americano já passou do ponto de retorno. O governo não apenas terceirizou funções estratégicas para as Big Techs, mas também se tornou dependente delas, tornando-se incapaz de operar sem seus serviços. O próximo estágio desse golpe será a completa substituição de setores públicos por infraestruturas privadas, consolidando um modelo de governança onde o poder estatal será uma ilusão e as corporações tecnológicas serão os verdadeiros administradores da sociedade.

A conexão entre o trumpismo, o Vale do Silício e o projeto 2025

O avanço do tecnolibertarianismo como modelo de governança não ocorre no vácuo. Ele está diretamente ligado à ascensão do trumpismo e à reconfiguração das forças políticas dentro dos EUA. Enquanto a extrema-direita tradicional sempre teve uma relação ambígua com as grandes corporações, o trumpismo conseguiu criar uma aliança inédita entre setores ultraconservadores e os bilionários do Vale do Silício, consolidando uma coalizão cujo objetivo é demolir o Estado tradicional e substituí-lo por um sistema corporativo privado. No centro dessa estratégia está o Projeto 2025, um plano elaborado por think tanks ultraconservadores e impulsionado por setores da extrema-direita para remodelar completamente o governo americano a partir de um eventual retorno de Donald Trump ao poder. O Projeto 2025 não é apenas um plano de governo. Ele representa um roteiro detalhado para o desmonte das instituições do Estado e a substituição de sua burocracia por pessoas leais alinhadas ao trumpismo. O objetivo central desse projeto é aparelhar o governo com agentes que defendam a agenda ultraliberal e tecnolibertária, eliminando qualquer resistência institucional à sua implementação. Isso significa que, caso Trump ou um sucessor de sua linha política retome a Casa Branca, os setores estratégicos do governo serão ocupados por pessoas que defendem a destruição da regulação estatal, a privatização total dos serviços públicos e a entrega de funções essenciais para as mega corporações tecnológicas.

A conexão entre o Projeto 2025 e o Vale do Silício é um dos aspectos mais importantes dessa transformação. Bilionários como Peter Thiel, Elon Musk e Marc Andreessen não apenas financiam esse movimento, mas também estão ativamente envolvidos na formulação de políticas que colocam as Big Techs no centro do novo modelo de governança. O trumpismo e o tecnolibertarianismo compartilham um objetivo comum: acabar com a burocracia estatal e transformar o governo em um braço das corporações privadas. Essa fusão de interesses se manifesta de várias formas, mas uma das mais evidentes é a captura das agências reguladoras e sua neutralização como mecanismos de contenção do poder corporativo. Peter Thiel, um dos principais financiadores da campanha de Trump e defensor do Projeto 2025, é um exemplo emblemático desse processo. Ele já declarou abertamente que a democracia é incompatível com a prosperidade do Vale do Silício, defendendo que um modelo tecnocrático e corporativo deve substituir as instituições democráticas tradicionais. Sua empresa, Palantir, está no centro desse golpe contra o Estado, pois fornece tecnologia de vigilância e análise de dados para diversas agências governamentais, consolidando um modelo onde as funções de inteligência e segurança nacional são controladas por interesses privados. O Projeto 2025 aceleraria esse processo, colocando empresas como a Palantir no coração da administração pública, tornando-as não apenas parceiras do governo, mas donas efetivas da máquina estatal. Elon Musk, por sua vez, tem usado suas empresas para fortalecer essa aliança entre o Vale do Silício e o trumpismo. Desde sua compra do Twitter (agora X), Musk transformou a plataforma em um bunker da extrema-direita, promovendo desinformação, censurando vozes progressistas e permitindo a volta de figuras ultraconservadoras banidas anteriormente. Além disso, ele tem contratos estratégicos com o governo americano para fornecer infraestrutura de comunicações, inteligência artificial e operações espaciais, consolidando sua posição como um dos principais atores do novo complexo industrial-militar da guerra híbrida.

O Plano 2025 também visa desmantelar órgãos como o FBI, a CIA e a NSA para transferir suas funções para empresas privadas. Isso significaria que a vigilância estatal não seria mais controlada por instituições públicas, mas sim por plataformas como Palantir, Microsoft, Amazon e Meta, que operam sem qualquer supervisão democrática. Essa nova configuração do poder transformaria o próprio conceito de segurança nacional, pois as decisões estratégicas não estariam mais nas mãos de representantes eleitos, mas sim de bilionários do Vale do Silício, que definiriam quais dados são analisados, quais ameaças são prioritárias e como os cidadãos devem ser monitorados. Outro ponto essencial da aliança entre o trumpismo e as Big Techs é o avanço da inteligência artificial e da automação como mecanismos de controle social. O Projeto 2025 propõe o uso massivo de tecnologias de reconhecimento facial, vigilância algorítmica e sistemas preditivos para substituir agentes humanos na administração pública. Isso significa que os cidadãos não mais lidarão com governos e servidores públicos, mas sim com sistemas automatizados controlados por corporações privadas, que decidirão sobre tudo, desde benefícios sociais até investigações criminais. Esse modelo de tecnofeudalismo coloca as empresas de tecnologia no centro do poder, eliminando a participação popular e consolidando um regime de controle total baseado em algoritmos e inteligência artificial.

O risco desse projeto não se limita aos EUA. Se implementado com sucesso, o modelo tecnolibertário do Projeto 2025 pode se espalhar para outros países, especialmente aqueles que já dependem das infra estruturas tecnológicas das Big Techs. Governos de países periféricos podem ser pressionados a adotar sistemas semelhantes, onde serviços públicos são substituídos por plataformas digitais operadas por corporações sem qualquer compromisso com a soberania nacional. Isso consolidaria um império digital transnacional, onde as leis e regulações estatais seriam irrelevantes diante do poder absoluto das megacorporações. O que está em jogo nessa aliança entre o trumpismo, o Vale do Silício e o Projeto 2025 não é apenas o futuro dos EUA, mas sim o futuro da governança global. Se esse modelo for implementado, veremos o colapso definitivo do Estado moderno e sua substituição por uma nova ordem tecnofeudalista, onde o poder não estará mais nas mãos de governos, mas sim nas de um pequeno grupo de bilionários que controlam os fluxos de informação, segurança, finanças e inteligência artificial. Esse não será um regime autoritário tradicional, baseado na repressão estatal, mas sim um autoritarismo algorítmico, onde o controle social será exercido de forma invisível, por meio de plataformas digitais que moldam o comportamento da população sem que ela perceba.

A vulnerabilidade da "Maior Democracia do Mundo"

Os Estados Unidos construíram sua hegemonia global utilizando ferramentas de guerra híbrida, desinformação, lawfare e operações psicológicas contra governos ao redor do mundo. Durante décadas, desestabilizaram democracias, manipularam eleições, fomentaram golpes de Estado e aplicaram sanções econômicas para garantir seu domínio sobre países estratégicos. No entanto, o que antes era um mecanismo de dominação externa agora está sendo aplicado internamente, e os EUA se tornaram vítimas de sua própria estratégia de guerra híbrida. O golpe contra o Estado americano, liderado pelas Big Techs e pela extrema-direita trumpista, não se dá com tanques nas ruas ou exércitos armados, mas sim através da captura das instituições, da manipulação da percepção pública e do controle absoluto das infraestruturas digitais. O próprio modelo de guerra híbrida desenvolvido pelos EUA para enfraquecer adversários geopolíticos agora está sendo utilizado para destruir suas próprias instituições e remodelar a governança americana em favor das elites tecnolibertárias. O maior exemplo desse processo é a fragmentação das instituições democráticas dos EUA. As agências governamentais, que antes atuavam como mecanismos de controle e regulação do poder econômico e militar, foram progressivamente esvaziadas, corrompidas ou substituídas por corporações privadas. O Departamento de Estado, o Pentágono, o FBI e até a Casa Branca enfrentam uma crise de autoridade e influência, pois cada vez mais suas funções são transferidas para empresas como Palantir, Amazon, Microsoft e SpaceX, que operam sem qualquer tipo de prestação de contas à sociedade.

Além disso, o desmonte da governança tradicional dos EUA abriu espaço para o crescimento do autoritarismo digital, onde a manipulação algorítmica e o controle da informação se tornaram as principais ferramentas de dominação. A ascensão das redes sociais como veículos de propaganda e radicalização política, combinada com a captura das agências de inteligência pelas Big Techs, consolidou um cenário onde a opinião pública é moldada por corporações tecnológicas e seus interesses ideológicos. O caso do Twitter (agora X) sob o comando de Elon Musk ilustra bem esse processo. A plataforma, que antes operava sob um modelo de moderação de conteúdo baseado em diretrizes institucionais, foi transformada em um instrumento de guerra cultural da extrema-direita. A reabilitação de contas banidas, a amplificação de discursos extremistas e o enfraquecimento de mecanismos de verificação da verdade consolidaram o Twitter como um centro de radicalização política e desinformação controlado diretamente por um bilionário com conexões diretas com a extrema-direita global.

A vulnerabilidade institucional dos EUA também pode ser observada na erosão do Estado de direito e na instrumentalização da justiça. O lawfare, que foi amplamente utilizado pelos EUA para perseguir líderes políticos de países latino-americanos, africanos e do Leste Europeu, agora se volta contra a própria classe política americana. A instrumentalização do sistema judiciário para perseguir adversários políticos tornou-se um método recorrente, gerando uma crise de legitimidade nas instituições. Esse fenômeno é visível tanto na perseguição judicial a Donald Trump, que usa suas acusações como ferramenta de mobilização política, quanto na resistência do deep state contra sua reeleição. O que antes era um modelo exportado para desestabilizar governos estrangeiros agora está desestruturando as próprias bases do sistema americano.

Outro aspecto crítico da vulnerabilidade dos EUA é o controle estrangeiro sobre suas infraestruturas estratégicas. Enquanto as Big Techs dominam as instituições internas, o cenário externo também se torna mais desafiador. A ascensão da China, da Rússia e dos BRICS como forças geopolíticas alternativas significa que os EUA já não podem projetar seu poder de maneira unilateral. Os acordos estratégicos entre China e Rússia, o fortalecimento das relações entre o Sul Global e as novas alianças tecnológicas estão enfraquecendo a hegemonia americana. O paradoxo dessa situação é que o próprio modelo de guerra híbrida que garantiu a supremacia dos EUA agora está destruindo suas fundações internas. O desmonte das instituições democráticas, o crescimento da influência das Big Techs sobre o Estado, a fragmentação do deep state e o colapso da governança tradicional indicam que os EUA caminham para um cenário de crise permanente, onde o poder estará concentrado nas mãos de um pequeno grupo de bilionários e suas corporações tecnológicas.

O golpe contra o Estado e o futuro da governança global

O que estamos testemunhando nos Estados Unidos não é apenas uma crise política passageira ou uma disputa eleitoral intensa, mas sim uma reconfiguração estrutural do poder dentro da maior potência mundial. A ofensiva das Big Techs e da extrema-direita trumpista contra o Estado americano é um golpe silencioso, onde instituições são esvaziadas, processos democráticos são minados e a soberania estatal é progressivamente substituída por uma governança corporativa baseada na vigilância, na inteligência artificial e no controle algorítmico da sociedade. O desmantelamento do Estado tradicional nos EUA não é um acidente ou uma consequência inesperada da ascensão das novas tecnologias. Trata-se de um processo deliberado, impulsionado pelo tecnolibertarianismo e pela aliança entre bilionários do Vale do Silício, grupos ultraconservadores e setores do capital financeiro global. O objetivo não é apenas reduzir o papel do Estado, mas sim eliminá-lo como mediador das relações sociais e econômicas, substituindo-o por um sistema onde corporações tecnológicas controlam infraestrutura, segurança, inteligência e comunicação.

A tomada do poder pelas Big Techs já está avançada. Empresas como Palantir, Amazon, Microsoft, OpenAI e SpaceX não apenas fornecem serviços para o governo americano, mas assumiram funções essenciais do Estado, como vigilância, segurança nacional, operações cibernéticas e até a gestão da infraestrutura militar. O que se desenha não é apenas a privatização do setor público, mas sim a fusão entre o setor privado e o aparato estatal, onde as corporações não prestam contas à população, mas ditam as regras da governança. O Projeto 2025 representa o plano mais concreto para acelerar essa transformação, consolidando um modelo de tecnofeudalismo onde o poder político é diluído e os cidadãos passam a ser administrados por sistemas de inteligência artificial e plataformas digitais. Esse modelo se encaixa perfeitamente no ideal das cidades privadas, das zonas de governança independente e da colonização espacial proposta por Elon Musk, onde o conceito de Estado-nação é substituído por uma lógica de soberania corporativa.

O grande paradoxo desse golpe contra o Estado dos EUA é que ele é uma extensão da própria guerra híbrida que os americanos aplicaram contra o mundo durante décadas. O modelo de desestabilização, lawfare, controle informacional e manipulação psicológica que os EUA usaram para derrubar governos progressistas e consolidar sua hegemonia global agora se volta contra suas próprias instituições, fragmentando sua democracia e tornando o país vulnerável a crises internas e disputas entre suas elites. As consequências desse processo não serão limitadas aos EUA. Se essa transformação for bem-sucedida, o modelo tecnolibertário pode se expandir para outras nações, impondo um novo regime de controle baseado na privatização da soberania estatal. Governos ao redor do mundo já são reféns das Big Techs, e a tendência é que, em um futuro próximo, muitas funções essenciais dos Estados sejam substituídas por redes privadas operadas por conglomerados digitais sem qualquer compromisso com direitos sociais, participação democrática ou soberania popular. O futuro da governança global está em jogo. Se os Estados falharem em conter a ascensão desse novo modelo, a democracia como a conhecemos será irreversivelmente alterada. O poder estará concentrado nas mãos de uma elite tecnológica, que usará inteligência artificial, algoritmos e vigilância total para moldar sociedades inteiras sem qualquer controle político real.

A guerra pelo controle do Estado americano não é apenas uma disputa interna dos EUA, mas sim um experimento que definirá os rumos da política global no século XXI. A pergunta que se coloca agora é: os Estados resistirão a essa ofensiva ou serão dissolvidos dentro dessa nova ordem tecno libertária? O que segue dependerá da capacidade de governos, instituições e sociedades de compreender a profundidade dessa transformação e de construir mecanismos para frear a captura do poder pelas corporações tecnológicas. Caso contrário, veremos o fim do Estado como mediador social e o nascimento de um império digital transnacional, onde as decisões políticas e econômicas serão tomadas não por representantes eleitos, mas por CEOs e programadores escondidos atrás de códigos e algoritmos. A era da soberania digital e do autoritarismo algorítmico já começou. A questão agora é: quem terá o poder para definir o futuro?



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