segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

O lobo dentro do rebanho: alerta às esquerdas brasileiras e latino-americanas em geral

Marco Rubio e Donald Trump (Foto: Reuters)

A esquerda tem neste momento a oportunidade de deixar de estar desnorteada e encontrar o seu “norte”

Boaventura de Sousa Santos
brasil247.com/

Tem-se escrito muito sobre o desnorte da esquerda, sobre a sua paralisia ante o avanço da extrema-direita, sobre as suas decisões internas que só a debilitam, sobre os tiros no pé ao destruir aliados e alianças, em suma, sobre a sua falta de alternativa. Não é este o momento para reflexões prolongadas sobre como chegámos aqui e como vamos sair daqui. Mas há decisões urgentes a tomar para mostrar ao povo latino americano que as esquerdas ainda estão vivas e estão do lado do povo martirizado pela carestia de vida e sufocado por um sistema financeiro predador. Este momento chegou e as decisões impõem-se.

Marco Rubio iniciou uma visita aos países laltino-americanos. Todos o conhecemos. É um governante de ascendência cubana que fez carreira política com um único objectivo: liquidar a esperança que Fidel Castro trouxe ao povo cubano. Tem da América Latina a mesma ideia que presidiu à doutrina de Monroe em 1823: a América Latina é um território sob influência dos EUA e nada pode ocorrer nele que ponha em causa os interesses dos EUA na região. Nessa altura, o inimigo a manter longe da AL era a Europa. Dois séculos depois, o inimigo é a China.

A retórica oficial da visita é conhecida. Marco Rubio vem explicar aos governos latino-americanos que a política de Trump, apesar de bombástica, é respeitadora dos tratados e da diplomacia e que modos de acomodação serão possíveis com benefícios mútuos desde que se respeitem certas regras que, afinal, serão as mesmas de sempre. Mas a realidade é bem distinta. Rubio vem à América Latina com três objetivos. Primeiro, dividir os países latino americanos, impedindo posições comuns que fortaleçam as negociações como o Big Brother.As tarifas de importação vão ser o grande instrumento de fragmentação da América Latina. Só a divisão dos países permitirá a diplomacia entre desiguais que ele vem propor. O Presidente Gustavo Petro da Colômbia afirmou paradigmaticamente que está disposto a discutir “tu a tu” com os EUA, ou seja, entre iguais. É um desejo nobre mas isoladamente dificilmente os países latino-americanos conseguirão tal objetivo ainda que todos o desejem. O segundo objectivo é neutralizar a influência da China no continente. É o objectivo mais difícil porque os EUA nada têm a oferecer que se compare ao que a China tem “oferecido” para consolidar os seus desígnios de império ascendente. Em terceiro lugar, Rubio vem começar o processo de neutralizar (e eventualmente destruir) os BRICS+, sobretudo no plano financeiro, uma vez que qualquer moeda alternativa ao dólar (em que os Bancos centrais confiam cada vez menos para suas reservas) precipitará o colapso económico dos EUA. Neste terceiro objectivo o Brasil é o grande alvo.

Não são precisas grandes análises geoestratégicas para concluir que, qualquer que sejam as diferenças entre as esquerdas, nenhum destes objectivos convém às esquerdas porque vai significar a prazo a degradação ainda maior do nível de vida das populações já demasiado vulnerabilizadas. A história ensina que quando os países latino americanos ganharam capacidade de manobra ou relativa autonomia em relação aos EUA foi quando conseguiram satisfazer melhor as necessidades das classes sociais mais vulneráveis. A primeira década do século XXI aí está a provar isto mesmo.

Sendo assim, a esquerda tem neste momento a oportunidade de deixar de estar desnorteada e encontrar o seu “norte”. O seu norte é o inimigo de sempre que agora chega na pessoa de Marco Rubio. Será o lobo entre o rebanho, ou o lobo com pele de cordeiro. Escolham a fábula, mas a realidade não engana. Assim sendo, a esquerda deve deixar o seu governo receber diplomaticamente um governante de outro país,mas deve vir para as ruas gritar bem alto que nem Trump nem Rubio são bem-vindos no continente. Porque todos os acordos que satisfizerem Rúbio serão danosos para o povo latino-americano. As ruas têm de voltar a ser de esquerda e esta é uma oportunidade soberana para as reconquistar. Este um objectivo é minimalista mas é por isso que pode ser organizado a curto prazo, pode ser massivo e ter impacto político a curto e médio prazo. É de recordar que em países como Brasil, Chile, Colômbia, Bolívia e Equador há eleições no próximo ano. É crucial não deixar normalizar Rubio com um político amigo que até fala a nossa língua. Desrubializar a América Ltina deve ser a mais importante palavra de ordem. Se a esquerda não der neste momento um sinal forte que existe dificilmente o dará quando povo se preparar para ir às urnas depois de um ano de rubialização.



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