sábado, 8 de fevereiro de 2025

"Os inimigos dos países estão dentro deles mesmos", afirma Saint- Pierre

(Foto: Brasil247)

Brasil precisa repensar sua autonomia na política externa, afirma professor de Relações Internacionais


Em entrevista ao programa Forças do Brasil, da TV 247, o professor de Relações Internacionais da UNESP Hector Saint-Pierre afirmou que os principais desafios para a autonomia política e estratégica do Brasil estão dentro do próprio país. Segundo ele, as elites nacionais, incluindo setores financeiros, industriais, militares, acadêmicos e jornalísticos, desempenham um papel fundamental na manutenção da dependência externa do país.

"Os inimigos dos países estão dentro deles mesmos", afirmou Saint-Pierre, explicando que as próprias classes dominantes brasileiras impedem a conquista da autonomia estratégica ao manterem relações de dependência política e econômica com grandes potências, especialmente os Estados Unidos. "São elites comprometidas com a dependência econômica, epistémica e estratégica", disse.

Na entrevista, o professor criticou a influência das Forças Armadas na formulação da política externa brasileira. "As Forças Armadas têm uma aliança estratégica pré-definida com os Estados Unidos. Como podemos pensar em uma política externa autônoma se uma das principais gramáticas de decisão já está comprometida?", questionou. Ele ainda alertou para a presença de um general brasileiro no Comando Sul dos Estados Unidos, ressaltando que essa decisão nunca passou pelo Congresso Nacional nem foi amplamente debatida na esfera política.

Saint-Pierre também abordou o impacto do governo de Donald Trump na política internacional e suas consequências para o Brasil. Ele destacou que a administração Trump aposta em uma política de isolacionismo e guerra comercial, o que pode criar desafios para os parceiros tradicionais dos Estados Unidos. "O mundo parou para ver o que Trump vai fazer", observou, indicando que o governo norte-americano pode adotar medidas protecionistas que afetariam o Brasil. "Se o Brasil for taxado em 25% na exportação de produtos para os Estados Unidos, o Brasil pode aplicar a reciprocidade diplomática. Mas a questão é: vamos estar preparados para isso?", questionou.

Sobre a crise na Ucrânia e o reposicionamento global das potências, Saint-Pierre ressaltou que a guerra deixou claro que a hegemonia militar dos Estados Unidos foi abalada. "Hoje, a Rússia conseguiu demonstrar capacidade de dissuasão não nuclear, algo que era impensável há alguns anos", explicou. Ele mencionou também o avanço tecnológico da China e do Irã, que desenvolveram armamentos avançados e mais baratos, desafiando o tradicional complexo industrial-militar ocidental.

No cenário brasileiro, Saint-Pierre criticou mudanças na postura do governo Lula em relação à Venezuela e ao BRICS. "A política externa é definida por pressões internas e, hoje, o governo brasileiro se encontra cercado por uma imprensa corporativa hostil, um Congresso adverso e uma aliança de governo que vai do centro à direita", explicou. Ele apontou que a negativa do Brasil à entrada da Venezuela no BRICS foi mal recebida por aliados estratégicos como China e Rússia. "Putin recebeu Maduro calorosamente, enquanto o Brasil deu sinais contraditórios", afirmou.

A respeito da crescente polarização política, o professor criticou a perda de identidade ideológica dos partidos políticos, que, segundo ele, buscam apenas a sobrevivência eleitoral. "O bolsonarismo foi derrotado eleitoralmente, mas não politicamente. A extrema direita tem um discurso agressivo e provocações claras, enquanto a esquerda tem medo de perder votos e adota uma linguagem neutra", analisou. Para Saint-Pierre, essa falta de identidade política compromete a capacidade da esquerda de formular um projeto de poder efetivo.

Ao longo da entrevista, Saint-Pierre reforçou que a política externa não é apenas uma questão de diplomacia, mas um reflexo das estruturas de poder internas do país. "A diplomacia é um instrumento da política internacional. Mas quem define a política internacional é o governo, e esse governo é fruto de correlações de forças dentro do país", destacou. Segundo ele, para que o Brasil alcance uma posição mais independente no mundo, é necessário enfrentar as barreiras internas que limitam a soberania nacional. "Se quisermos ter uma política externa autônoma, precisamos primeiro resolver nossos conflitos internos", concluiu. Assista:







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