SANTO GUTEMBERG! FOLHA E ESTADÃO JÁ DISSERAM QUE DAR GOLPE DE ESTADO SIGNIFICA REESTABELECER A DEMOCRACIA
Para os jornais paulistanos, o golpe militar foi a defesa da lei e da ordem
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“Os comunistas invadiram o Brasil”. Era esta a impressão de qualquer
leitor de jornais no início dos anos 1960. Desde a posse de João Goulart na
Presidência, em 1961, setores militares já planejavam sua queda. Matérias,
manchetes e editoriais veiculados pela imprensa nesse período dão ideia do
clima tenso, e é importante entender que essas informações divulgadas pelos
jornais paulistanos Folha de S. Paulo eO Estado de S. Paulo não
eram neutras ou meramente “informativas”.
Defendendo a “ordem”, a Folha teceu fortes críticas ao
comício pelas Reformas de Base, ocorrido no dia 13 de março de 1964 na
Guanabara, afirmando que foi organizado por extremistas que tentavam subverter
a ordem. No dia seguinte ao comício, publicou um editorial sobre o assunto:
“preferiu o Sr. João Goulart prestigiar uma iniciativa vista com justificada
apreensão por toda a opinião pública (…). Resta saber se as Forças Armadas (…)
preferirão ficar com o Sr. João Goulart, traindo a Constituição, a pátria e as
instituições”. O Estadão também exigiu um posicionamento das
Forças Armadas no episódio. O editorial “O presidente fora da lei”, do mesmo
dia, acusa João Goulart e alega que isso é apenas uma parte: “É, evidentemente,
a última etapa do movimento subversivo que (…) é chefiado sem disfarces pelo
homem de São Borja. E é também o momento de as Forças Armadas definirem,
finalmente, a sua atitude ambígua ante a sistemática destruição do regime pelo
Sr. João Goulart, apoiado nos comunistas”.
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorrida em São Paulo em 19
de março, foi uma resposta ao comício da Guanabara, e sobre essa manifestação a Folha apresentou
a seguinte manchete: “São Paulo parou ontem para defender o regime”. Já O
Estado de S. Paulo dizia em 20 de março: “Meio milhão de paulistanos e
paulistas manifestaram ontem em São Paulo, no nome de Deus e em prol da
liberdade, seu repúdio ao comunismo e à ditadura e seu apego à lei e à
democracia”. Nesse editorial, o jornal buscou resgatar a memória de 1930 e 1932
[Ver RHBN nº 82], “da luta contra os caudilhos e a ditadura”, mostrando
que o povo de São Paulo saberia lutar bravamente para garantir a Constituição
de 1946.
A Revolta dos Marinheiros, em 26 de março, nada mais foi do que a gota
d’água de um movimento golpista que já vinha caminhando a passos largos. Nesse
episódio, mais uma vez, a Folha se colocou ao lado da “ordem”,
criticando o movimento e lançando ataques à ação do presidente no incidente. “A
solução dada pelo presidente (…) tem todas as características de uma
capitulação.”
Na noite de 30 de março, o presidente compareceu ao Automóvel Clube, na
Guanabara, para a comemoração do 40° aniversário da fundação da Associação dos
Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar. Nesta solenidade, Goulart proferiu
o seu discurso mais radical. No dia seguinte, a repercussão na imprensa foi
negativa: os jornais se levantaram novamente contra o presidente. O discurso de
João Goulart acabou sendo a senha para o início do golpe militar, que seria
deflagrado na madrugada seguinte. A Folha também circulou
nesse dia com um suplemento especial intitulado “64 – O Brasil continua”,
repleto de anúncios de grandes empresas, mostrando que o Brasil cresceria em
1964, que esse seria um novo tempo. Cadernos como este – lançando previsões –
normalmente circulam no início do ano. A data de publicação comprova que a sua
elaboração ocorreu antes do início do golpe militar.
No dia seguinte ao golpe, o jornal afirmou que Goulart governou com os
comunistas, tentou eliminar o Congresso atacando a Constituição, e, desta forma,
a intervenção militar teria sido justa. Para a Folha, “não houve
rebelião contra a lei. Na verdade, as Forças Armadas destinam-se a proteger a
pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”.
Com a subida de Castello Branco ao poder, a Folha do
dia 16 de abril não poupou elogios ao novo presidente em seu editorial. “É com
satisfação que registramos ter seu discurso de posse reafirmado todas as nossas
expectativas e revigorado a nossa esperança de que uma nova fase realmente se
descerrou para o Brasil”.
Durante o governo Goulart, o jornal atacava o presidente e seu governo
como uma ameaça aos direitos legais. Mas o editorial do dia seguinte ao golpe,
“O sacrifício necessário”, defendia a necessidade de suprimir direitos
constitucionais: “Nossas palavras dirigem-se hoje (…) aos que se acham
dispostos ao sacrifício de interesses, de bens, de direitos, para que a nação
ressurja, quanto antes, plenamente democratizada.”
No dia 3 de abril, o Estadão, estampou a seguinte manchete:
“Democratas dominam toda a Nação”. É inegável que houve um árduo trabalho por
parte dos jornais para desestabilizar o governo Goulart.
Tanto o Estadão quanto a Folha defenderam
a deposição de um presidente eleito pelo povo e derrubado pelas Forças Armadas
como “defesa da lei e do regime”. A imprensa paulistana, apresentando-se como
porta-voz da opinião pública, saudou a instalação de um governo autoritário e
ilegítimo como se fosse democrático e legal. Os aspectos éticos dessa “ação
jornalística” e a falta de críticas – ou autocrítica – aos jornais e
jornalistas é tema que merece reflexão.
Luiz Antonio Diasé professor da PUC-SP e autor de “Informação e
Formação: apontamentos sobre a atuação da grande imprensa paulistana no golpe
de 1964. O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo”.
In:ODÁLIA, Nilo e CALDEIRA, João Ricardo de Castro (orgs.). História
do Estado de São Paulo: a formação da unidade paulista. São Paulo:
Imprensa Oficial/Editora Unesp/Arquivo do Estado, 2010.
Saiba Mais – Bibliografia
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Cia. das Letras,
2002.
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo:
Brasiliense, 1982.
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