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Dia desses desfrutei de jantar com um dos maiores jornalistas que
conheço, um humanista, dotado de cultura e vivência enormes, um idealista sobre
quem mais não falo porque sua identidade não importa, mas, sim, o que pensa. E
o que pensa, particularmente sobre este que escreve, ilustra um fenômeno da
ideologia política brasileira: a falta de foco.
Vale dizer que ao menos essa pessoa tem o mérito de acreditar no que
diz, ao contrário de muitos que dizem a mesma coisa sem acreditar em uma
palavra.
Fui criticado por ser “muito governista”, como se apoiar um projeto
político como o do PT para o país fosse crime ou, na melhor das hipóteses, uma
conduta ilógica em um país em que a esmagadora maioria apóia o governo com
fervor.
O coração dessa pessoa, vale explicar, balança entre o PT e o PSOL – ao
menos no discurso.
O que mais me espanta quando a direita e uma suposta “esquerda” atacam o
que chamam de “governismo” é a distância que essa gente mantém em relação à
realidade de grande parte do povo brasileiro, que, por séculos, permaneceu
alijado da menor expectativa de vencer na vida no país que, ao longo do século
XX, ostentou o título desonroso de ser o país virtualmente mais desigual do
mundo.
Assim foi até que Lula chegasse ao poder. O Brasil era o terceiro ou o
quarto país em pior colocação no índice de Gini, escala pela qual a comunidade
das nações mede a concentração de renda nos países e que, em geral, é
desconhecida por esses que se espantam com o que chamam de “governismo”. Hoje,
somos o 12º país mais injusto.
A situação atual do Brasil é uma tragédia no que diz respeito à
desigualdade. Mas para o país que, por seu estágio de desenvolvimento, era o
mais desigual apesar de ser o terceiro na escala de Gini, melhoramos de forma
quase inacreditável.
Vale explicar que ontem, como hoje, os países mais desiguais que o
Brasil são todos países pobres, sem recursos, da África e América Latina, muito
diferentes do nosso, rico, em franco desenvolvimento, o que torna sua situação
única do mundo, pois não há país em nosso estágio de desenvolvimento que seja
tão desigual, mesmo após a distribuição de renda da era Lula.
Durante a era FHC, quando houve alguma redução da pobreza, nunca dei
bola para a exaltação que a imprensa fazia de suas políticas sociais tímidas e
cosméticas – nas quais punha alguns trocados de dinheiro público – porque o
principal não melhorava. A renda praticamente manteve a mesma concentração
durante os oitos anos daquele governo de triste memória.
A chegada de Lula ao poder, porém, inaugurou uma era nova no Brasil:
estamos distribuindo renda como nunca antes na história deste país.
A redução consistente da desigualdade durante os governos Lula e Dilma
me autoriza a apoiar o projeto de país em curso porque atravessei a minha vida
enxergando a mesma desigualdade como a raiz de tudo o que há de ruim no país.
Violência, criminalidade, ignorância, má condição da Educação, tudo isso
é conseqüência da pobreza, sim, mas, acima de tudo, tem origem na desigualdade.
Essa é a mola-mestra de todos os nossos conflitos e mazelas sociais e a âncora
pesada que nos impede de deslanchar também pelos mares do desenvolvimento
econômico e tecnológico.
Querem uma crítica consistente ao governo? Façam-nas. Há muitas.
Não sou muito dado a bater no governo porque já tem gente demais fazendo
isso – a hiper-mega-blaster mídia tucana faz isso o tempo todo usando os
argumentos de pseudo esquerdistas que se recusam a ver o processo distributivo
de renda em curso no país enquanto acham que estão sendo muito corajosos ao se
oporem ao que está dando certo.
Contudo, aí vai uma crítica: o governo não vai acabar com a pobreza
extrema porque as famílias não ganharão um pouco abaixo de um padrão ridículo
de renda, pois continuarão vulneráveis e a menor oscilação da economia as
devolveria ao padrão anterior. Além do que, continuarão sem os elementos que
poderiam fazê-las sair de fato da miséria – educação, saúde etc.
O governo, em vez de ficar nessa de que vai acabar com a miséria,
poderia se concentrar mais no que importa, que é a distribuição de renda.
Seja como for, nunca redistribuímos renda no Brasil como agora. Durante
a ditadura, o governo e a mídia diziam que era preciso primeiro fazer o bolo
crescer para depois dividi-lo. A ditadura acabou e muitos dos que lutaram
contra ela mantiveram esse discurso até hoje. Mesmo quando não assumem isso.
Quem prega redução de gastos do governo durante crises, por exemplo,
está defendendo que os pobres paguem mais por elas, pois sem os investimentos
estatais a economia não funciona em momentos de ojeriza do empresário ao risco
e, assim, há demissões e achatamentos salariais. Isso é histórico. Todos os que
têm mais de trinta e cinco ou quarenta anos sabem.
O que acontece é que para redistribuir renda no Brasil sem fazer uma
revolução armada é preciso não esquecer que este ainda é um país capitalista. E
para redistribuir alguma coisa, você tem que tirar de alguém para dar a alguém.
É por isso que o projeto de país em andamento incomoda a tantos.
A despeito disso, o fato inegável por qualquer critério, e que a direita
midiática e sua esquerda de estimação não enxergam, é que, nos dez anos de
governos Lula e Dilma, os ricos ficaram menos ricos e os pobres, ficaram menos
pobres. Ou seja: estes tiraram daqueles.
Só que isso foi feito de uma forma fantástica, genial, porque os ricos
têm parte menor de um bolo maior. Ou seja: fizemos o bolo crescer e depois
redistribuímos exatamente como queria a ditadura, mas fizemos de fato e não
apenas no gogó. O processo ocorreu em poucos anos, ao longo da década passada. Ou
seja: paramos de postergar essa estratégia ao infinito.
Não foi por outra razão que, na década passada, o acesso de pretos e
pardos ao ensino universitário simplesmente triplicou no Brasil, ainda que não
seja suficiente. E, enquanto isso, a Associação Internacional de Transporte
Aéreo (IATA ) dá conta de que o Brasil é hoje o 2º no mundo em aumento no
transporte de passageiros.
Abaixo, trecho de matéria sobre o assunto.
“Em 2011, o Brasil havia superado o Japão e se transformado no
terceiro maior mercado aéreo no mundo, superado apenas pela China e Estados
Unidos. Até 2016, o Brasil deve adicionar 38 milhões de passageiros domésticos
– quase 40% a mais do que em 2011. A projeção é de que o País acumulará 118,9
milhões de passageiros domésticos no ano dos Jogos Olímpicos do Rio”.
Quem sabe e sente tudo isso não dá a menor bola para o que diz o
noticiário político porque sabe que a despeito da luta política a vida está
melhorando, o país está se tornando mais justo e esse processo não parece dar
mostras de estar se esgotando.
Há, sim, ainda uma minoria do contra que, em períodos de eleição
presidencial, não é tão pequena quanto querem fazer crer as pesquisas fora
desses períodos, mas que deixa ver que além de progressivamente insipiente
votou contra o projeto de país em curso com o fígado ou por susto, tendendo,
com o avanço da Educação – ainda tímido, mas real –, a ir deixando de ser
massa-de-manobra de ricaços gritalhões.
Atingir esse êxito incrível no soerguimento social do Brasil, porém, não
é de graça. Houve preços a pagar. O PT, para chegar ao poder, passou a buscar
doações de verbas eleitorais – sem as quais ninguém se elege no Brasil – de
forma bem parecida com a que usaram e ainda usam os seus adversários mais
fortes.
Além disso, foi preciso fazer concessões à direita, aos ricos, aos que,
até 2002, julgavam-se donos do país, dando a eles a chance de negociar como
seria a distribuição de renda, em que ritmo ocorreria, de forma que passariam a
ganhar mais no volume, mas não tanto no percentual, ainda que o que lhes foi
dado seja muito mais do que deveria, sendo já tão ricos.
Seja como for, foi feita justiça social, houve redistribuição de renda e
esse processo está só começando. Há dados concretos que mostram que valeu a
pena fazer alianças com partidos e políticos de direita para operar o que até o
início deste século parecia utopia. O que seja, fazer a renda se desconcentrar
em um ritmo aceitável em um país até então absurdamente desigual.
O Estudo Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2012, divulgado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em novembro do ano
passado, detectou uma diminuição impressionante da desigualdade na década de
2000, medida por diversos indicadores e aspectos.
Abaixo, portanto, reproduzo o Estudo para que não reste dúvida sobre a
razão pela qual este blog apoia com entusiasmo esse dito “projeto de país em
curso” ao qual tanto me referi. A razão é muito simples: o Brasil está melhorando
mais para os mais pobres do que para os mais ricos, como é preciso que seja no
país virtualmente mais injusto do mundo.
—–
Fonte:
IBGE
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