Catástrofes climáticas espalham
pelo mundo sua cota de dramas e imagens espetaculares. E colocam uma questão
prosaica: quem pagará os estragos?
por Razmig Keucheyan
http://www.diplomatique.org.br/
“Derivativos climáticos” (weather
derivatives), “obrigações de catástrofe” (catastrophe bonds) e outros produtos
de seguro climático fazem muito sucesso. Além dos países asiáticos, o México, a
Turquia, o Chile e até mesmo o estado norte-americano do Alabama, duramente
afetado pelo furacão Katrina em 2005, recorreram a eles de uma forma ou de
outra. Para os promotores desses instrumentos, trata-se de confiar ao mercado
financeiro os seguros de riscos naturais, inclusive os prêmios; avaliações de
ameaças e ressarcimento das vítimas. Mas por que o mercado financeiro cobre
danos causados pela natureza justamente agora que ela mostra sinais cada vez
mais claros de desgaste?
Durante muitos séculos, a Terra
forneceu ao sistema econômico matérias-primas e recursos naturais a preços
baixos. O ecossistema também conseguia absorver os dejetos da produção
industrial. Mas essas duas funções não se realizam mais tão facilmente. Não só
o preço das matérias-primas e da gestão de dejetos aumenta, como a
multiplicação e o agravamento dos desastres naturais fazem subir o custo global
dos seguros. Isso exerce uma pressão para diminuir as taxas de lucro dos atores
industriais. Desse modo, a crise ecológica não é apenas o reflexo, mas também a
provável causadora de uma crise do capitalismo.
Nesse contexto, a
“financeirização” parece oferecer uma escapatória: as companhias de seguros e
de resseguros (ver boxe) colocam em jogo novas formas de dissipar o risco, das
quais a principal é a titularização de riscos climáticos − uma transposição para
a esfera meteorológica dos mecanismos testados com o sucesso que conhecemos no
sistema imobiliário americano...
Entre os produtos mais
fascinantes desse novo arsenal financeiro está o cat bond, diminutivo de
catastrophe bond, ou seja “obrigação de catástrofe”. Uma obrigação é um título
de crédito ou uma fração de dívida liquidável em um mercado, e sujeita a uma
cotação. A particularidade dos cat bonds é que eles não surgem de uma dívida
contraída por um Estado para renovar suas infraestruturas ou por uma empresa
para financiar sua inovação, e sim da natureza e seus perigos. Eles abrangem
uma eventualidade que pode ocorrer, mas sem certeza; sabe-se apenas que
ocasionará desgastes materiais e humanos importantes.
A partir daí, trata-se de
dispersar os riscos naturais no espaço e no tempo, tornando-os financeiramente
insensíveis. Conforme os mercados se desdobram em escala mundial, esses riscos
ficam em evidência máxima.
Esse prodígio da engenharia
financeira nasceu em 1994, logo após uma série de desastres com custos fora do
normal (o furacão Andrews na Flórida em 1992, o terremoto de Northridge na
Califórnia em 1994) obrigar a indústria de seguros a encontrar novos recursos.
Desde então, foram emitidos cerca de duzentos cat bonds, 27 apenas em 2007,
totalizando US$ 14 bilhões.
Furacão no Caribe vs. tsunami na
Ásia
Como todo título financeiro, as
obrigações climáticas têm de se submeter ao crivo das agências de classificação
de risco – Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s –, que geralmente dão a eles
a medíocre nota BB, o que significa que eles possuem risco. O valor de um cat
bond flutua no mercado em função da maior ou menor probabilidade de que a
ameaça venha a acontecer e em função da oferta e procura do título em questão.
Acontece que esses títulos continuam circulando quando uma catástrofe se
aproxima e mesmo durante seu desenrolar; por exemplo, durante uma onda de calor
na Europa ou de um furacão na Flórida. É o que os traders especialistas chamam
de live cat bond trading – comércio ao vivo de títulos,2 o que faz sentido em
razão de sua composição característica.
Uma bolsa de valores de títulos
chamada Catastrophe Risk Exchange (Catex), localizada em Nova Jersey, surgiu em
1995. Um investidor excessivamente exposto aos tremores de terra californianos
poderá diversificar seu portfólio trocando seus cat bonds por outros de
furacões no Caribe ou de tsunamis no Oceano Índico. A Catex também serve para
fornecer base de dados a seus clientes, permitindo a avaliação de riscos.
Protagonistas do dispositivo, as
agências de modelização se rendem ao catastrophe modeling, ou seja, à
modelização das catástrofes. Seu objetivo é calcular a natureza e reduzir
quanto for possível a incerteza. Existe um pequeno número de agências de
modelização de negócios no mundo, a maioria delas norte-americana: Applied
Insurance Research (AIR), Eqecat e Risk Management Solutions (RMS). Em função
de variáveis como velocidade dos ventos, tamanho dos ciclones, temperaturas e
características físicas da zona em questão (material utilizado na construção,
tipo de terreno, população), elas avaliam o custo de uma catástrofe, bem como
as indenizações a serem pagas pelas seguradoras. E, consequentemente,
determinam o preço do cat bond.
A maioria das obrigações desse
tipo emitidas até hoje partiu de seguradoras e resseguradoras. Mas, desde
meados dos anos 2000, os próprios países colocam no mercado cat bonds
“soberanos” – da mesma forma que se fala em dívida soberana. Essa tendência,
lançada pelos teóricos contemporâneos de seguros advindos da Wharton School da
Universidade da Pensilvânia, uma das escolas de comércio mais prestigiadas do
mundo, é fortemente encorajada pelo Banco Mundial e pela Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Esse deslocamento ilustra a
ligação estreita que se estabelece entre a crise de orçamento dos países
(endividamento e queda de suas receitas) e a crise ambiental. Por causa da
dificuldade que atravessam, os países se mostram cada vez menos capazes de
assumir o custo dos seguros contra desastres climáticos pelos meios
convencionais, ou seja, principalmente por impostos. E essa incapacidade fica a
cada dia mais evidenciada conforme aumentam o número e o poder dos cataclismos
causados pelas mudanças climáticas. Para governos em apuros, a financeirização
dos seguros de riscos climáticos representa um sopro de oxigênio: a
titularização como substituto ao imposto e à solidariedade nacional. Esse é um
ponto de fusão entre a crise ecológica e a financeira, como mostra o exemplo
mexicano.
Furacões no Golfo do México,
terremotos, deslocamentos de terra ou erupções do Popocateptl: o México parece
cercado por ameaças “naturais”. Segurador em última instância em caso de
catástrofes, o Estado indeniza as vítimas com o orçamento federal, ou seja,
graças aos impostos, segundo o princípio da solidariedade nacional
consubstancial ao Estado-nação moderno. Em 1996, o governo lançou o Fondo de
Desastres Naturales (Fonden), destinado na época a fornecer ajuda de urgência
aos sinistros e permitir a reconstrução das infraestruturas. Esse dispositivo
funcionou até uma série de catástrofes com custo exorbitante se abater sobre o
país. Em 2005, o governo federal gastou US$ 800 milhões para cobrir esses
danos, quando só tinha... US$ 50 milhões para gastar.3
Critérios muito rigorosos
A ideia de titularizar o seguro
de riscos de tremores de terra se concretizou no ano seguinte, com o incentivo
do Banco Mundial. Em 2009, o país decidiu incluir no dispositivo os furacões, o
que deu origem a um programa “multicat”, que cobria uma multiplicidade de
riscos. Estavam presentes na mesa de negociações somente pessoas de alto
gabarito: o ministro das Finanças do México, representantes da Goldman Sachs e
da resseguradora Swiss Re Capital Markets, encarregados de vender o programa aos
investidores. A Munich Re também estava presente, bem como dois grandes
escritórios de advocacia norte-americanos, Cadwalader, Wickersham & Taft e
White & Case. A Applied Insurance Research (AIR), agência de modelização
encarregada de estabelecer os parâmetros para o lançamento da obrigação – o
nível de gravidade no qual os investidores perderiam seu dinheiro –, elaborou
dois modelos: um para os terremotos e outro para os furacões. Depois de estar
registrado nas Ilhas Cayman pela Goldman Sachs e pela Swiss Re, o cat bond foi
vendido aos investidores em turnês de promoção organizadas pelos bancos.
Cada vez que uma catástrofe abate
o México, a agência AIR determina se o acontecimento corresponde aos parâmetros
estabelecidos pelos contratantes. Se for o caso, os investidores devem colocar
o dinheiro à disposição do Estado do México. Caso contrário, não gastam nada e
continuam lucrando com o seguro.
Em abril de 2010, um terremoto
arrasou o estado da Baja California, mas seu epicentro se encontrava ao norte
da zona delimitada pelo cat bond. Resultado: o dinheiro da obrigação não foi
liberado, e o México continuou pagando juros. Da mesma forma, quando um furacão
atingiu o estado de Tamaulipas dois meses depois, sua força foi inferior ao
nível predeterminado, e o México não viu a cor dos dólares. Os critérios são
tão rigorosos que apenas três dos duzentos cat bonds emitidos em quinze anos
foram acionados (The Economist, 5 out. 2013).
No Sudeste Asiático, região
particularmente exposta, a introdução de cat bonds soberanos se opera segundo
modalidades particulares.4 Na Indonésia, maior país muçulmano do mundo, os
princípios de seguros islâmicos, o takaful, se aplicam. Sem poder ignorar que o
setor apresenta após uma década um crescimento anual de 25% (contra os 10%
obtidos pelo mercado tradicional de seguros), a resseguradora Swiss Re se
esforça para reforçar sua sharia credibility, segundo sua própria expressão.5
Os países em desenvolvimento são com frequência os mais duramente afetados por
catástrofes climáticas, tanto por razões geográficas como por não possuírem os
mesmos meios de enfrentá-las que os países ocidentais. O aumento do nível do
mar atinge tanto a Holanda como Bangladesh, mas é preferível enfrentar as ondas
em Amsterdã a encará-las em Munshiganj.6
As obrigações de catástrofe – ou,
em outro gênero, os créditos de carbono – não são os únicos produtos
financeiros ligados a processos naturais. Os derivativos climáticos, por
exemplo, propõem aos investidores apostas em relação ao tempo que faz, ou seja,
sobre as variações da meteorologia que não representem uma interrupção no curso
normal da vida social. Desde eventos esportivos a colheitas, passando pelo
granizo, concertos de rock e variações no preço do gás, bem como diversos
outros aspectos das sociedades modernas são influenciados pelo tempo. Estima-se
que um quarto da riqueza anual produzida pelos países desenvolvidos esteja
suscetível a sofrer impactos em relação ao tempo.7 O princípio do derivativo
climático é quase infantil: uma quantia financeira é liberada para o lucro de
quem o adquiriu caso as temperaturas – ou algum outro parâmetro meteorológico –
superem, ou não atinjam, um nível predeterminado; por exemplo, se o frio – e,
portanto, os gastos com energia – excede certo nível ou se a chuva restringe a
frequentação de um parque de diversões durante o verão.
No ramo agrícola, alguns derivativos
têm como subjacente – o ativo real sobre o qual um instrumento financeiro versa
– o tempo de germinação das plantas. Um índice como o “grau por dia de
crescimento” (growing degree days) mede a diferença entre a temperatura média
que uma plantação necessita para amadurecer e a temperatura real, ativando o
pagamento de determinada quantia caso seja ultrapassado um nível estabelecido.
Em caso de um swap (“troca”), duas empresas afetadas de maneira oposta pelas
variações climáticas podem decidir se segurarem mutuamente. Se uma empresa de
energia perde dinheiro em caso de inverno pouco rigoroso e o mesmo ocorre com
uma empresa de eventos esportivos em caso de inverno muito rigoroso, elas se
cobrem com um montante predeterminado conforme o termômetro sobe ou desce.8
Os ancestrais dos derivativos
climáticos apareceram na agricultura no século XIX, principalmente nos Estados
Unidos, no Chicago Board of Trade. Eles tratavam de matérias-primas como
algodão e trigo.9 No momento da liberação e da aglutinação dos mercados
financeiros, nos anos 1970, e da proliferação dos derivativos, os subjacentes
potenciais se multiplicaram. Pioneiras nesse ramo, as multinacionais de
energia, entre elas a Enron, encontraram nos derivativos um meio de “suavizar”
seus riscos de perdas.10 Desse modo, após o inverno de 1998-1999,
particularmente brando nos Estados Unidos por causa do fenômeno La Niña,
algumas termelétricas decidiram utilizar os derivativos para se “cobrir” – para
essas empresas, as flutuações de alguns graus implicavam variações financeiras
colossais. A partir de 1999, os derivativos climáticos passaram a ser trocados
no Chicago Mercantil Exchange, historicamente especializado em produtos
agrícolas. O surgimento desses produtos financeiros está atrelado ao movimento
de privatização dos serviços meteorológicos, principalmente nos países
anglo-saxões: são eles que, em última instância, determinam o nível que precisa
ser atingido para que um derivativo seja acionado.
Em um artigo intitulado “Pourquoi
l’environnement a besoin de la haute finance” [Por que o meio ambiente precisa
da alta finança], três teóricos de seguros sugerem atualmente a implantação do
species swap, um tipo de derivativo que trata do desaparecimento de espécies.11
A interpenetração das finanças e da natureza assume aí uma de suas formas mais
radicais: tornar a preservação das espécies rentável para as empresas, a fim de
incentivá-las a tomar conta da biodiversidade. Na verdade, essa missão custosa
cabe hoje ao Estado, cujos cofres estão cada dia mais vazios. Ainda nesse tema,
o aumento da crise fiscal justifica a financeirização da natureza.
Imaginemos que o estado da
Flórida assine um contrato de species swap com uma empresa, tendo como
subjacente uma variedade de tartaruga ameaçada que vive nos arredores da
contratante. Se o número de espécimes aumentar por causa da atenção dedicada
pela empresa, o estado paga juros a esta; porém, se as tartarugas rarearem ou
se aproximarem da extinção, é a empresa que tem de pagar ao estado, para que
este possa iniciar uma operação de salvação.
As “hipotecas ambientais”
(environmental mortgages) – tipo de subprime cujo subjacente não é um bem
imobiliário, e sim uma parte do meio ambiente –, os títulos garantidos por
florestas (forest backed securities) e ainda os mecanismos de compensação de
zonas úmidas (wetlands), legalizados nos Estados Unidos pela administração do
presidente George H. Bush durante os anos 1990, constituem outros exemplos de
produtos financeiros desse tipo.
O capitalismo, segundo o teórico
do ecossocialismo James O’Connor, implica “condições de produção”.12 À medida
que se desenvolve, enfraquece e até destrói suas condições de produção. Se o
petróleo barato permitiu durante mais de um século o funcionamento daquilo que
Timothy Mitchell chama de “democracia do carbono”,13 sua escassez aumenta
consideravelmente os custos da indústria. O capital precisa dessas condições de
produção, mas não consegue evitar que, por sua ação, as fontes se esgotem. É o
que O’Connor chama de “segunda contradição” do sistema: aquela entre o capital
e a natureza, ao passo que a primeira opõe o capital e o trabalho.
Essas duas contradições se
entrelaçam: o trabalho humano gera valor transformando a natureza. A primeira
contradição conduz a uma baixa tendenciosa da taxa de lucro, ou seja, ao
surgimento de crises profundas do sistema. A segunda induz a um encarecimento
crescente da manutenção das condições de produção, que pesa igualmente na queda
da taxa de lucro, pois volumes crescentes de capitais empregados nessa
manutenção – por exemplo, para pesquisas de reservas de petróleo, cujo acesso
está cada vez mais difícil – não são transformados em lucro.
Nessa configuração, o Estado
moderno tem um papel de interface entre o capital e a natureza: ele regula o
uso das condições de produção para que elas possam ser exploradas. O objetivo
do ecossocialismo consiste em desfazer o tríptico formado pelo capitalismo, a
natureza e o Estado. Trata-se de impedir este último de trabalhar a favor dos
interesses do capital e reorientar sua ação a favor do bem-estar da população e
da preservação do equilíbrio natural. A conferência Paris Climat 2015 (COP 21),
na qual o governo do presidente François Hollande parece estar depositando
grandes esperanças, oferecerá ao movimento global pela justiça climática uma
chance de expressar essa reivindicação.
Listas negras
O seguro moderno é indissociável
do resseguro – o “seguro das seguradoras” –, que o segue como sua sombra. Ele
permite às seguradoras se prevenirem contra riscos que julgam importantes, por
isso contratam um seguro para seguros. O mecanismo é o mesmo que no grau
inferior: a seguradora paga um montante à resseguradora, que lhe pagará
indenizações caso ocorra algum sinistro. Esse montante normalmente é
reinvestido pela resseguradora em outros títulos financeiros, cujos lucros
servem para reembolsar as seguradoras. Sendo assim, as resseguradoras ocupam
desde o século XIX a vanguarda da finança internacional. O setor – hoje em dia
dominado pelas companhias Munich Re (fundada em 1880) e Swiss Re (criada em
1863) – surgiu após incêndios que devastaram grandes cidades. Em 1842, Hamburgo
ardeu em chamas; as seguradoras alemãs entraram em situação de calamidade, e
assim nasceu o resseguro.
Diversos tipos de risco reviraram
o setor recentemente: terrorismo, riscos tecnológicos e multiplicação de
desastres naturais – principalmente por causa das mudanças climáticas – com
custos cada vez mais elevados. A Swiss Re produz dados anuais bem completos,
compilados em uma revista chamada Sigma, sobre a amplitude dos desastres
humanos e seus danos materiais.1 Os números tratam principalmente dos bens
assegurados, ou seja, dos totais que as seguradoras e resseguradoras pagaram a
seus clientes. Nela é possível constatar que, nos países em desenvolvimento,
apenas 3% dos bens perdidos são segurados, contra mais de 40% nos países
desenvolvidos.2
Com US$ 75 bilhões, o furacão
Katrina, que atingiu a região de Nova Orleans em 2005, é considerado até hoje o
episódio mais custoso da história em danos segurados desde 1970 – época na qual
esses dados começaram a ser compilados. A conta sobe para até US$ 150 bilhões
se adicionarmos os bens não assegurados. Aparecem em seguida na lista o
terremoto seguido de um tsunami no Japão em 2011 (US$ 35 bilhões) – que
ocasionou a catástrofe nuclear de Fukushima –, o furacão Andrews de 1992 nos
Estados Unidos (US$ 25 bilhões) e os atentados terroristas de 11 de setembro de
2001 (US$ 24 bilhões); estes últimos foram os mais custosos na categoria que a
Swiss Re chama de “técnicos”, ou seja, sem relação com um fenômeno natural.
Na França, em 2003, ano da onda
de calor, o custo agregado dos cataclismos naturais passou de 2 bilhões de
euros, um recorde para o país. Nos últimos vinte anos, o principal risco
natural eram as inundações, seguidas pelas secas. Dos 25 desastres mais
custosos no período entre 1970 e 2010, mais da metade ocorreu após 2001. O
número de furacões de categoria 4 ou 5 dobrou em 35 anos (5 é a força máxima
dos ventos).
Esse tipo de acontecimento pode
ter um custo material elevado e um custo humano baixo, e vice-versa. Os mais
mortíferos foram as tempestades e inundações causadas em 1970 pelo ciclone
Bhola em Bangladesh (Paquistão Oriental na época) e no estado indiano de
Bengala, que fez em torno de 300 mil vítimas. Em terceiro lugar está o tremor
de terra no Haiti em 2010, com 222 mil mortos. A onda de calor e a seca
europeia em 2003, que provocaram a morte de 35 mil pessoas, ficam em 12o
segundo lugar na lista. Aliás, esse é o pior desastre na Europa, que ocupa com
os Estados Unidos as mais altas posições do ranking de desastres mais custosos
financeiramente. Isso comprova, se necessário, o impacto do desenvolvimento
econômico sobre mortalidade nessas situações.
No ano de 2011 – último com
números disponíveis –, a Swiss Re contabilizou 325 catástrofes, das quais 175
foram consideradas “naturais” e 150 “técnicas”. A essa segunda categoria, a
resseguradora julgou sábio acrescentar... a Primavera Árabe. (R.K.)
Razmig Keucheyan
Conferencista de Sociologia da
Universidade Paris-Sorbonne
Ilustração: Patricio Bisso
1 Imelda V. Abano, “Philippines mulls
disaster risk insurance for local governments” [Filipinas refletem sobre
seguros contra riscos de desastres com governos locais], Thomson Reuters
Foundation, Londres, 22 jan. 2014.
2
Cenas burlescas foram descritas por Michael Lewis, “In nature’s casino”
[No cassino da natureza], New York Times Magazine,26 ago. 2007.
3
Erwann Michel-Kerjan (org.), “Catastrophe financing for governments:
learning from the 2009-2012 Multicat Program in Mexico” [Financiamento de
catástrofes pelos governos: aprendendo com o Programa Multicat do México de
2009-2012], OECD Working Papers on Finance, Insurance and Private Pensions,
n.9, Paris, 2011. Esse relatório serve de fonte para os dois próximos
parágrafos.
4 “Advancing disaster risk financing and
insurance in ASEAN countries. Framework and options for implementation” [Avançando
sobre financiamento e seguros contra riscos de desastres nos países da Asean.
Quadro e opções de aplicação], Banco Mundial, Washington, abr. 2012. Disponível
em: .
5
Cf. “Insurance in the emerging markets: overview and prospects for
Islamic insurance” [Seguros nos mercados emergentes: visão geral e prospecção
para seguros islâmicos], Sigma, n.5, Zurique, 2008.
6
Ler Donatien Garnier, “Au Bangladesh, les premiers réfugiés climatiques”
[Em Bangladesh, os primeiros refugiados climáticos], Le Monde Diplomatique,
abr. 2007.
7
Frédéric Morlaye, Risk management et assurance [Gerenciamento de riscos
e seguro],Economica,Paris, 2006.
8
Melinda Cooper, “Turbulent worlds: financial markets and environmental
crisis” [Mundos turbulentos: mercado financeiro e crise ambiental], Theory,
Culture & Society, n.27, Londres, 2010.
9
Para uma história desses produtos financeiros, cf. William Cronon,
Nature’s metropolis. Chicago and the Great West [Metrópoles da natureza.
Chicago e o Grande Oeste], WW Norton, Nova York, 1992, capítulo 3.
10
John E. Thornes, “An introduction to weather and climate derivatives”
[Uma introdução para derivativos climáticos e de tempo], Weather, v.58, Reading
(Reino Unido), maio 2003; Samuel Randalls, “Weather profits. Weather derivatives and the commercialization of
meteorology” [Lucros sobre o clima. Derivativos climáticos e a
comercialização da meteorologia], Social Studies of Science, n.40, Kingston, 2010.
11 Cf. James T. Mandel, C. Josh Donlan e
Jonathan Armstrong, “A derivative approach to endangered species conservation”
[Uma abordagem derivativa para a conservação de espécies ameaçadas], Frontiers
in Ecology and the Environment, n.8, Washington, 2010.
12
James O’Connor, Natural causes. Essays in ecological marxism [Causas
naturais. Ensaios sobre ecologia marxista], Guilford Press, Nova York, 1997.
13
Timothy Mitchell, Carbon democracy. Le pouvoir politique à l’ère du pétrole
[Democracia do carbono. O poder político na era do petróleo], La Découverte,
Paris, 2013.
14
Cf. e especialmente “Catastrophes naturelles et techniques en 2011”
[Catástrofes naturais e técnicas em 2011], Sigma, n.2, Zurique, 2012. Os dados
apresentados provêm desse exemplar.
15 Koko Warner et al., “Adaptation to climate
change. Linking disaster risk reduction and insurance”
[Adaptação às mudanças climáticas. Ligações entre redução de riscos de
desastres e seguros], Secretaria Internacional de Estratégias para a Redução de
Riscos de Desastres das Nações Unidas (UNISDR), 2009.
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