Mario Osava – IPS / Carta Maior
São Luís, março de 2014 (IPS) - “Somos vítimas do
progresso”, lamenta-se Osmar Santos Coelho, conhecido como Santico. Sua
comunidade de pescadores desapareceu. Foi desalojada para a construção de um
porto na bahía de São Marcos, na costa ocidental da capital do estado do
Maranhão, no Nordeste do Brasil.
O terminal marítimo de Ponta da Madeira, em operação desde
1986, fez crescer a influência de sua proprietária, a empresa Vale do Rio Doce,
na cidade de São Luís. De lá são exportadas atualmente mais de 110 milhões de
toneladas anuais de ferro, consolidando um corredor logístico decisivo para o
desenvolvimento econômico local.
Os trens da companhia chegam ao porto. Sua função primordial
é transportar a produção de Carajás, um gigantesco distrito mineiro da Amazônia
oriental que transformou a Vale em líder mundial de ferro. De lá sai boa parte
da soja colhida no centro-norte do Brasil.
Ao lado, uma fábrica da Vale transforma parte do mineral em
massa (bolas).
Essas atividades geram milhares de empregos, especialmente
em sua área de influência direta, Itaqui-Bacanga, um conjunto de 58 bairros no
sudoeste de São Luís.
Os jovens anseiam pela boa remuneração e pela política de
recursos humanos da Vale, herdadas de sua longa vida como empresa pública
(1942-1997), assegurando estabilidade a seus trabalhadores. Um empregado “só é
demitido se fizer muitas bobagens”, disse ao IPS um executivo.
Além disso, a Vale multiplicou a oferta de empregos
temporários na ampliação do porto e na duplicação da estrada de ferro, com a
finalidade de dobrar as exportações mineiras a partir de 2018.
Por estes e outros projetos locais, a economia do conjunto
de bairros vizinhos está no auge, conforme apontou George Pereira, secretário
da Associação Comunitária Itaqui-Bacanga (ACIB). Entre outras iniciativas,
foram instaladas ali três fábricas – de celulose, cimento e fertilizantes –,
junto com uma central termoelétrica movida a carbono.
A 55 quilômetros ao sul, a empresa petroleira estatal
Petrobras construirá no município de Bacabeira a refinaria Premium I, que,
quando for inaugurada, em 2008, será a maior do Brasil. A obra será licitada em
abril e, em seu ponto alto, empregará 25 mil trabalhadores, segundo a empresa.
O auge dos empregos promove o consumo, o comércio e os
serviços, “mas não é o desenvolvimento que queremos”, com “mais dinheiro no
bolso, mas sem água para beber, por conta dos rios contaminados”, avaliou
Pereira.
Falta saneamento, água potável, transporte, professores e
médicos, ao passo que sobra violência, drogas e prostituição nos bairros, cuja
população, ele observa, cresceu aceleradamente. Já são cerca de 200 mil
habitantes, e serão ainda mais com dois novos bairros em construção.
Diante dessa realidade, a Vale “faz boas ações, mas
isoladas, sem programas transformadores de desenvolvimento territorial”,
criticou. As prioridades, segundo ele, são educação e saneamento.
Ironicamente, a associação que critica e pressiona a Vale é
sua própria cria. Surgiu com um investimento da empresa, exigida pelo estatal
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social como condição para
financiar a fábrica.
A ACIB, dirigida por representantes dos cinco setores que
compõem o Itaqui-Bacanga, foi criada há 10 anos para mobilizar a população a
favor de um projeto de limpeza urbana. Seu funcionamento e sua sede, um
edifício de dois andares, são financiados com recursos da Vale, como explicou
Pereira.
Entre as inúmeras ações sociais da empresa, algumas se
destacam por seus efeitos, como a ampliação do Centro Educacional Profissional
de Itaqui-Bacanga, uma escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai).
Neste ano, o Centro leva educação técnica a 10 mil alunos, o
dobro de 2013 e cinco vezes mais do que em 2010, graças a 14 novas aulas e
cinco laboratórios.
Uma associação similar da Vale e o Senai sustenta outros
três centros ao longo do corredor entre Carajás e São Luís, segundo informou ao
IPS a gerente de recursos humanos da transnacional mineira, Janaína Pinheiro.
Em 2013, o Senai capacitou 65 mil alunos no Maranhão, ante
os 10 mil de uma década atrás, informou seu diretor estadual Marco Moura.
Em São Luís, a industrialização se concentra em torno dos
portos da bahía de São Marcos. Vizinha ao Ponta da Madeira, Itaqui opera desde
os anos 70 como porto estatal para todos os tipos de cargas. Neste ano, contará
com seu Terminal de Grãos para a exportação de soja e milho das novas
fronteiras agrícolas do centro e norte.
Alguns novos portos brasileiros nasceram com vocação de
polos industriais. Assim são os de Suape e Pecém, nos estados de Pernambuco e
Ceará, planejados como complexos portuário-industriais e que impulsionam a
economia local desde a década passada.
Em ambos, existem refinarias da Petrobras, além de uma usina
petroquímica e oito estaleiros, em Suape, e uma siderúrgica e centrais
elétricas, em Pecém. Além disso, muitas empresas estão se instalando nas
imensas zonas industriais atrás dos portos.
Em São Luís, os portos surgiram alheios a essa onda de
industrialização, por localizar-se na região brasileira mais pobre, que fica
atrás de outros polos do Nordeste.
A grande profundidade de suas águas, aptas para navios de
grande porte, além de sua localização voltada ao Atlântico norte e a conexão
com a estrada de ferro Carajás foram vantagens levadas em conta para se
instalar o terminal.
Mas pelo caminho vão ficando algumas vítimas, lembrou o
Santico ao IPS. Por exemplo, “entre 80 e 100” pescadores artesanais do
Boqueirão foram expulsos de sua praia e reassentados em bairros diferentes.
Alguns anos depois, muitos deles voltaram a pescar em São
Marcos, apesar da proibição, e usam como base uma ponta da praia não ocupada
pelo porto, segundo informou.
“Não tínhamos outro emprego e passávamos fome”, justificou.
Acabaram construindo ali oito cabanas precárias de tronco e folhas de palmeira,
umas poucas para residência e outras apenas para os aparelhos de pesca.
Santico, de 73 anos, tem sua casa em um bairro próximo e uma
cabana na praia, para as suas esporádicas pescas noturnas. “Os peixes já quase
acabaram, ficaram uns poucos camarões” após a construção dos novos portos,
revelou.
Por isso, negociaram com a Vale e conseguiram três anos
atrás uma cesta básica para 52 pescadores, de valor entre 308 e 725 dólares.
“Sobrevivemos com isso”, reconheceu.
Outras milhares de famílias também foram desalojadas para as
construções e instalações portuárias. Itaqui era, de fato, o nome de um bairro
que desapareceu.
Mais bairros se veem ameaçados agora por conta da zona
industrial em construção à beira da estrada. A Vila Maranhão teme sua extinção.
É cercado pela estrada de ferro e o novo polo, e a poucos quilômetros de uma
central elétrica movida a carbono, a uma grande indústria de alumínio e a
depósitos minerais.
“Ainda não há nada oficial, mas em questão de tempo vão nos
tirar daqui”, previu Lamartine de Moura, um diretor da ACIB de 71 anos, 23
deles na Vila Maranhão. “Se não for pela expropriação das casas, será pela
contaminação”, disse ao IPS.
Um estudo identificou metais pesados no riacho local, e o pó
mineral do ar suja as casas e dissemina doenças respiratórias, argumentou.
Cargueiros grandes demais para a China
Os 23 metros de profundidade do terminal Ponta da Madeira
permitem abrigar os Valemax, os maiores navios cargueiros do mundo, com
capacidade para 400 mil toneladas, em operação desde 2011.
A China, principal cliente de ferro da empresa Vale, seria o
principal destino desses megabarcos, mas seus portos os bloquearam por conta do
tamanho excessivo. Registre-se que um estaleiro chinês está construindo 12
desses barcos para a líder mundial em extração de ferro. A Coreia fabrica
outros sete.
A meta da Vale é ter 35 Valemax, 16 alugados. Sua grande
escala barateia custos e ajuda a competir com a Austrália, outra potência em
minérios e mais próxima do grande mercado asiático. Além disso, esses navios
gigantes reduzem em 35% a emissão de gases de efeito estufa a cada tonelada de
mineral transportado, segundo informa segunda transnacional mineira do mundo.
Para lidar com a proibição chinesa, a empresa usa estações
de transferência na Filipinas e logo contará com um centro de distribuição na
Malásia para transbordo a navios menores. Atualmente, dois portos brasileiros e
seis estrangeiros recebem os Valemax.
Tradução: Daniella Cambaúva
Créditos da foto: Divulgação
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