Trabalhador procurou consulado após sofrer agressões. Dono
da oficina foi preso e 19 pessoas libertadas. Entre os resgatados estão dois
adolescentes
Por Daniel Santini
Da Repórter Brasil
Um trabalhador apanhou e decidiu pedir ajuda ao Consulado do
Peru, que encaminhou o caso às autoridades. Foi assim que teve início a
operação que resultou no resgate de 19 costureiros peruanos na última
sexta-feira, dia 7, na Zona Leste de São Paulo. A fiscalização flagrou
exploração de trabalho escravo e tráfico de pessoas. Entre os libertados está
um adolescente. O dono da oficina, que retinha os documentos dos trabalhadores
para que eles não fossem embora, foi preso e a empresa Unique Chic foi
considerada pelo Ministério do Trabalho e Emprego responsável pela situação a
que os imigrantes estavam submetidos.
Criada em 2006, a empresa conta com dois endereços no Bom
Retiro e atua principalmente no mercado atacadista. A oficina em que os
costureiros foram resgatados era terceirizada, mas, por se tratar da atividade
fim, a grife foi responsabilizada. A Súmula 331 do Tribunal Superior do
Trabalho prevê que a contratação de empresa interposta não isenta a contratante
de suas obrigações legais. Além disso, segundo Marco Antonio Melchior, chefe da
fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo (SRTE-SP),
não há dúvidas de que existia um vínculo direto entre a oficina e a empresa. “A
dependência econômica de todos era com a Unique Chic”, explica, ressaltando que
foram encontradas notas fiscais e outros documentos que comprovam essa relação.
A Repórter Brasil entrou em contato com o departamento
financeiro e de recursos humanos da empresa, que informou que apenas o
proprietário poderia se posicionar sobre o assunto, o que não aconteceu até a
publicação deste texto. Foram encontradas também peças de outras marcas na
oficina, mas nenhuma documentação indicando vínculo com mais grupos.
Além do Ministério do Trabalho e Emprego, participaram da
ação representantes da Secretaria da Justiça, do Ministério Público do
Trabalho, da Defensoria Pública da União e da Polícia Civil.
Violência
O grupo estava, segundo as autoridades, submetido a
escravidão por dívidas e jornadas exaustivas sistemáticas, além da retenção de
documentos que impedia fugas. Na fiscalização, os auditores localizaram
carteiras de trabalho retidas, mas não havia registro de pagamentos efetuados
nos últimos meses. Sem documentação ou amigos na cidade, os imigrantes peruanos
temiam ser deportados se tentassem escapar.
No primeiro depoimento à polícia quando denunciaram o caso,
além de registrar a agressão sofrida, algumas das vítimas relataram jornadas
das 5h às 22h e reclamaram de ameaças.”No outro dia, quando eles estavam
acompanhados, mudaram posicionamento e passaram a defender a dona da oficina.
Disseram que no depoimento não haviam falado das coisas boas e se recusaram a
assinar as guias para receber o seguro-desemprego. Alguns entendiam que aqueles
documentos eram guias de extradição”, conta Marco Antonio Melchior, do
Ministério do Trabalho e Emprego, que buscou ajuda do Centro de Apoio ao
Migrante (Cami) para fazer o atendimento às vítimas.
Padre Roque Patussi, coordenador do Cami que ajudou na
negociação com o grupo, explica que “a primeira reunião [após a fiscalização]
foi muito tensa” e que “eles rebatiam tudo, diziam que se sentiam vítimas do
resgate e não do trabalho escravo”. Ele conta que até os que denunciaram o caso
mudaram o depoimento após o contato com os empregadores. “Primeiro deram uma
declaração, depois, no outro dia, mudaram completamente a versão. Não sabemos se
houve imposição de mudança ou se foi o grupo que decidiu defender o dono em
solidariedade após a prisão”, afirma.
Após os trabalhadores serem informados sobre seus direitos e
terem a garantia de que não seriam obrigados a deixar o país, ele diz que a maioria
mudou de postura e passou a colaborar com as investigações. “Alguns viveram
dois anos em São Paulo sem conhecer a cidade. Provavelmente passaram esse tempo
todo isolados na oficina. Viviam em cerceamento de liberdade sem comunicação.
Agora dois têm celular, antes nenhum deles tinham”, explica. “Em um ano em que
a Igreja está tentando sensibilizar a sociedade em relação ao tráfico de
pessoas, em especial ao voltado para o trabalho escravo, esses casos vão
aparecer cada vez mais. Eles só confirmam a necessidade não só de a Igreja, mas
de o país inteiro ter atenção com o tema”, afirmou, referindo-se ao fato de a
Igreja Católica ter escolhido o tráfico de pessoas como tema para a Campanha da
Fraternidade de 2014.
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