Mumificado e idolatrado como um semideus, derrotado por
Stalin em sua derradeira vontade política, Lenin não conseguiu vencer o seu
último combate.
Eduardo Mancuso – Carta Maior
Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin) nasce em 22 de abril de
1870, na cidade russa de Simbirsk. Filho de um funcionário público integrante
da pequena nobreza do império czarista, ainda jovem presencia seu irmão mais
velho ser enforcado por participar de uma conspiração contra o czar. Ingressa
na Universidade de Kazan para o curso de Direito, mas é expulso devido a
atividades políticas. Seu primeiro panfleto importante, Quem são os amigos do
povo, crítica o populismo russo.
Preso e exilado na
Sibéria, casa-se com sua companheira de toda a vida, Nadia Krupskaia. Em 1899,
conclui O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, onde analisa a transição do
feudalismo ao capitalismo no grande país dos czares.
Em 1900, no exílio, Lenin reúne-se em Genebra ao grupo do “pai
do marxismo russo”, Plekhanov, e juntos organizam o jornal Iskra (Centelha),
órgão do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Em 1902 publica Que
fazer? - onde apresenta o projeto de
organização de um partido revolucionário – que polariza o II Congresso do POSDR
realizado um ano depois em Londres e que marca a cisão do partido em duas
frações: a maioria dirigida por Lenin (bolcheviques) e a minoria articulada por
Martov (mencheviques). Os bolcheviques tinham uma estratégia revolucionária
para a derrubada da autocracia, e para isso era necessário um partido
clandestino, militante e centralizado; os mencheviques defendiam a aliança com
a burguesia liberal e a organização partidária nos moldes tradicionais da
socialdemocracia europeia. Em 1904 Lenin escreve Um passo em frente, dois
passos atrás, onde fez o balanço da crise do partido, após o congresso.
O ano de 1905 inicia com uma sucessão de greves que evoluem
para uma enorme greve geral que paralisa dezenas de milhares de trabalhadores
em São Petersburgo, a capital do império. Em 9 de janeiro uma gigantesca
manifestação pacífica em frente ao Palácio de Inverno tenta apresentar
reivindicações ao “paizinho” (como os camponeses chamavam o czar Nicolau). As
tropas abrem fogo sobre a multidão, produzindo um massacre que entra para a
história como o “Domingo Sangrento”. As mobilizações se ampliam, explodem
greves por toda a Rússia e surgem os sovietes, os conselhos operários. Em junho
ocorre a sublevação do Encouraçado Potenkin (que vinte anos depois Serguei
Eisenstein transforma em um clássico do cinema); em outubro eclode a greve
geral e Trotsky assume a presidência do soviete de São Petersburgo (futura
Petrogrado). Em dezembro estoura a insurreição dos trabalhadores em Moscou, e
as tropas czaristas só conseguem controlar a situação com muita violência.
Do exílio em Genebra, Lenin publica Duas táticas da
socialdemocracia na revolução democrática defendendo armar o povo e garantir um
governo revolucionário que convocasse a assembléia constituinte de toda a
Rússia, com base no sufrágio eleitoral direto e secreto. Em novembro de 1905,
ele consegue voltar à Rússia e transforma o jornal legal Novaia Jizn (Vida
Nova) em um órgão com tiragem diária de 80 mil exemplares, a primeira
experiência de um jornal bolchevique legal e com influência de massas. Após a
experiência revolucionária de 1905, Lenin reconhece que a classe trabalhadora,
sem a mediação de nenhum partido - a influência dos bolcheviques, na
clandestinidade e com a direção no exílio foi pequena nos rumos dos
acontecimentos -, havia construído os órgãos da insurreição: os sovietes.
Com o esmagamento da primeira revolução russa (o “ensaio
geral”, nas palavras de Lenin) e o refluxo do movimento de massas, organiza-se
um congresso de reunificação do POSDR. Desta vez os mencheviques logram a
maioria e impõem as suas posições. Porém, no congresso de 1907, os bolcheviques
retomam o controle do partido. Nesse período, Lenin participa do congresso da
Segunda Internacional e a esquerda socialista derrota as teses de direita sobre
a “missão civilizadora” das potências europeias em relação aos povos coloniais.
Voltando ao exílio, Lenin se dedica ao combate teórico
contra o revisionismo filosófico no campo do marxismo, escrevendo em 1908,
Materialismo e empiriocriticismo, onde expressa uma concepção materialista
mecanicista (superada alguns anos depois por seus estudos filosóficos da
dialética de Hegel). Muda-se de Genebra para Paris, escreve artigos para a
imprensa socialista combatendo tanto os setores de direita da socialdemocracia
russa (chamados “liquidacionistas” por quererem acabar com as estruturas
clandestinas do partido), como o ultraesquerdismo de Bogdanov, que defendia a
retirada dos deputados bolcheviques da Duma (assembléia parlamentar controlada
pelo czarismo).
Nesse período, Lenin participa do Congresso da Internacional
em Copenhague, e organiza escolas de formação para os militantes bolcheviques
na periferia de Paris. Em 1912, realiza-se o encontro do POSDR, em Praga, que
marca a cisão definitiva do partido, em que a maioria vota a expulsão dos
“liquidacionistas” e aprova a formação do jornal Pravda (A Verdade). Nas
eleições para a Duma nesse ano os bolcheviques recebem mais de um milhão de
votos, enquanto os mencheviques alcançam 250 mil. Com a retomada da mobilização
dos trabalhadores e das lutas democráticas contra a monarquia, os bolcheviques
se afirmam como partido revolucionário, conseguindo aumentar a sua influência
política e implantação social, combinando formas legais e ilegais de organização,
agitação e propaganda.
Em 1914 a Europa estava às portas da Primeira Guerra
Mundial. Os deputados da socialdemocracia alemã votam os créditos de guerra
para que o governo do Kaiser inicie o conflito que massacra 10 milhões de
europeus. Dirigentes social-democratas passam a integrar os governos de seus
países, aderindo ao “social-patriotismo” e ao militarismo. A maioria da Segunda
Internacional passa para o lado do imperialismo, traindo os trabalhadores e o
programa socialista. Lenin escreve A falência da II Internacional, defendendo a
transformação da guerra imperialista em guerra civil.
Durante os primeiros anos da guerra, Lenin estuda
profundamente a dialética de Hegel. Essa imersão teórica o faz afirmar que não
se pode compreender plenamente O Capital de Marx sem o entendimento da lógica
dialética. Sobre a base desses estudos e sob o impacto da guerra mundial,
escreve uma de suas obras teóricas mais importantes: Imperialismo, fase
superior do capitalismo (1916), que manteve sua atualidade analítica e influência
política durante todo o século XX.
Nesse período Lenin e vários dirigentes socialistas da
esquerda internacionalista que se opunham à guerra (minoritários nos partidos
da Segunda Internacional), como Rosa Luxemburgo e Trotsky, encontram-se em duas
conferências na Suíça: Zimmerwald e Kienthal.
Com o horror e a fome provocados pela guerra, em fevereiro
de 1917 a revolução inicia na Rússia com a insubordinação nas fileiras do
exército (majoritariamente composto de camponeses), o ressurgimento dos sovietes
e as mobilizações operárias derrubando a desmoralizada autocracia do czar.
Assume o poder o governo provisório, formado por monarquistas
constitucionalistas e burgueses liberais, contando com o apoio crítico dos
sovietes, dominados pelos mencheviques e pelos socialistas-revolucionários (o
principal partido do campesinato). Nas suas Cartas de longe, Lenin orienta o
partido bolchevique a priorizar a intervenção nos sovietes e a não se
comprometer com o governo provisório (que mantinha a Rússia na guerra), e que
logo depois passa a contar com a participação dos mencheviques e
socialistas-revolucionários.
Um plano organizado pelo secretário do partido
social-democrata suíço consegue obter o salvo-conduto do governo alemão para
que Lenin e outros exilados russos (a maioria bolcheviques) atravessassem a
Alemanha de trem até a costa do Mar Báltico, de onde pela Finlândia chegassem a
Petrogrado (antiga São Petersburgo) no início de abril. Uma grande multidão e
autoridades do governo provisório esperavam na estação. Os marinheiros da
fortaleza de Krondstadt garantiam a segurança e uma banda militar tocou a Marselhesa.
Ao desembarcar do trem, Lenin saúda a todos com um chamado à revolução
socialista.
Após chegar a Petrogrado, Lenin assume a direção do jornal
Pravda, lança as Teses de abril e mergulha na luta interna do partido
bolchevique. Apesar da forte resistência das instâncias de direção às suas
teses “trotskistas”, Lenin conquista a maioria do partido e retoma o controle
político no comitê central. “Todo o poder aos sovietes” e “Paz e Terra” são as
palavras de ordem que resumem a virada estratégica leninista rumo à vitória em
Outubro. Nas Teses de abril defende a república dos sovietes como a forma
política da ditadura do proletariado, a mudança do nome da organização
bolchevique para Partido Comunista e a fundação de uma nova Internacional.
Nesse período, Lenin finaliza o livro que vinha escrevendo no exílio sobre O
Estado e a revolução, baseado nos textos de Marx sobre a Comuna de Paris, sem
dúvida, sua obra mais libertária.
Em junho, no I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, no
qual os bolcheviques ainda eram minoria entre os delegados eleitos, a afirmação
de Lenin de que o seu partido estava pronto para assumir o poder foi recebida
com risos pela maioria reformista. Trotsky e a organização Interdistrital
ingressam no partido bolchevique, e em julho, devido a grande manifestação
contra o governo provisório, os principais dirigentes são presos. Em agosto, o
general monarquista Kornilov desloca unidades cossacas para Petrogrado,
tentando um golpe militar. Diante da impotência do governo provisório e sob a
direção dos bolcheviques, recém libertados das prisões, operários armados e
marinheiros derrotam a contra-revolução monarquista.
Em meados de outubro, Lenin apresenta ao comitê central
bolchevique resolução defendendo a insurreição imediata, adotada contra os
votos de Zinoviev e Kamenev (e quatro abstenções). A partir daí, o Comitê
Militar Revolucionário do Soviete, presidido por Trotsky, inicia a preparação
para a tomada do poder. A data é marcada para coincidir com a abertura do II
Congresso dos Sovietes, então com maioria bolchevique (que passaram durante os
meses revolucionários de poucos milhares a mais de duzentos mil militantes).
Lenin sai da clandestinidade e se dirige ao Instituto Smolni, sede do soviete
de Petrogrado.
Em 7 de novembro (25
de outubro pelo antigo calendário russo), após a tomada dos principais prédios
públicos sem maiores confrontos (em Moscou os enfrentamentos foram mais duros)
, o poder estava nas mãos do Soviete de Deputados Operários e Soldados de
Petrogrado. Com os disparos do cruzador Aurora sob o controle dos marinheiros,
começa o assalto ao Palácio de Inverno e a derrubada do governo provisório. O
Estado dos trabalhadores nasce com os primeiros decretos apresentados por Lenin
ao Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, sobre a questão da paz e a questão
da terra. Nessa mesma sessão o Congresso dos Sovietes aprova a formação do
Conselho dos Comissários do Povo e elege Lenin como seu presidente. Nos
primeiros meses do poder soviético, são nacionalizados os bancos, as estradas de
ferro e as grandes empresas, enquanto no campo a revolução agrária que os
camponeses haviam começado antes mesmo da tomada do poder pelos bolcheviques
prossegue expropriando os latifundiários.
Em março de 1918, após o fechamento da Assembleia Constituinte
(em que os bolcheviques tiveram 25% dos votos, muito atrás dos
socialistas-revolucionários apoiados pela maioria dos camponeses) e de uma
longa e difícil discussão interna no partido, sob a pressão do exército alemão,
o poder soviético é obrigado a assinar a paz de Brest-Litovski. Por segurança,
a capital é transferida para Moscou.
Em agosto, quando mais da metade do território russo estava
sob o controle dos contrarrevolucionários exércitos brancos, Lenin sofre um
atentado executado por uma militante dos socialistas-revolucionários, que fazem
uma tentativa frustrada de derrubar o governo. Ele se recupera e em novembro
escreve A revolução proletária e o renegado Kautsky, onde ataca o principal
teórico da social-democracia.
Em março de 1919, realiza-se em Moscou o congresso de
fundação da Terceira Internacional Comunista (Comintern), enquanto na Hungria é
proclamada a república dos conselhos (que teve vida breve). Nos combates da
guerra civil, os exércitos brancos sofrem derrotas importantes diante do Exército
Vermelho comandado por Trotsky, que consegue libertar várias regiões do país,
como os Urais, a Sibéria, a Ucrânia, e partes do Cáucaso. Sob pressão interna
dos trabalhadores e de seu movimento sindical, Inglaterra e França são
obrigadas a levantar o bloqueio à Rússia soviética.
Em 1920, a ruína do país era total. Foi preciso implantar o
“comunismo de guerra”, requisições forçadas aos camponeses para alimentar o
Exército Vermelho, que enfrentava e derrotava as tropas contrarrevolucionárias
e fazia retroceder o exército polonês até o interior de suas fronteiras.
Preparando o segundo congresso da Internacional, Lenin publica Esquerdismo,
doença infantil do comunismo, no qual critica o sectarismo esquerdista,
caracterizando-o como erros de crescimento de partidos comunistas jovens, com
pouca experiência, que não dominavam o trabalho político com as massas. Em
julho, no II Congresso da Internacional Comunista, Lenin homenageia os
revolucionários alemães Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, assassinados covardemente
um ano antes em Berlim, e são ratificadas as famosas 21 condições de admissão
na Internacional.
Ao final da guerra civil, depois da derrota dos exércitos
brancos e estrangeiros, a situação da Rússia era horrível. A indústria estava
quase destruída e a produção agrícola arrasada, assim como o sistema de
transporte. A fome era grande, faltavam alimentos e artigos de primeira
necessidade. A dinâmica política dos sovietes não era a mesma de antes da
guerra civil, a classe operária urbana tinha diminuído devido a mais de três
anos de combates sangrentos, e estava absorvida pelas tarefas de gerir o novo
Estado dos trabalhadores. Moscou e Petrogrado, centros do poder bolchevique,
estavam reduzidas pela metade.
No início de 1921,
sofrendo com o isolamento internacional (e percebendo que a revolução na Europa
refluía), sob o impacto da revolta dos marinheiros da fortaleza de Kronstadt
(esmagada pelos bolcheviques), Lenin lança a NEP – a nova política econômica,
pondo fim ao período do comunismo de guerra. O X Congresso bolchevique adota a
resolução sobre a unidade do partido, prescrevendo (em caráter extraordinário)
a dissolução dos grupos e facções internas (um grande erro político da direção
leninista), com consequências trágicas sobre o destino da revolução russa e do
movimento comunista internacional.
No final de 1921, a saúde de Lenin piora e ele é obrigado a
se afastar temporariamente das tarefas de governo e do partido. Em março de
1922, Lenin faz a abertura do XI Congresso do partido apresentando um balanço
positivo do primeiro ano da NEP, depois participa da abertura do IV Congresso
da Internacional, porém em dezembro sofre um ataque. Sentindo que logo poderia
ficar completamente incapacitado e preocupado com os rumos do partido e os
sinais alarmantes de burocratização, ele dita a “Carta ao Congresso”, na qual
propõe afastar Stalin da secretaria geral (a carta deveria ser apresentada ao
conjunto do partido após sua morte, mas isso não aconteceu). Em 1923, Lenin
propõe a Trotsky a formação de um bloco contra a fração stalinista, mas sofre
novo ataque e não participa do XII Congresso do partido.
Em 21 de janeiro de
1924, aos 53 anos, Vladimir Ilitch Ulianov morre. Seu corpo é levado para a
Casa dos Sindicatos e durante quatro dias mais de 900 mil pessoas prestam a
última homenagem ao fundador da república soviética. O Congresso dos Sovietes
aprova o pedido do soviete de Petrogrado de mudar o nome da cidade para
Leningrado.
Ao contrário do desejo expresso de Lenin, seu corpo é
embalsamado e transferido para a Praça Vermelha. Mumificado e idolatrado como
um semideus, derrotado por Stalin em sua derradeira vontade política, Lenin não
consegue vencer o seu último combate: impedir a burocratização da primeira
revolução socialista mundial.
Créditos da foto: Arquivo
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